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maio 13, 2025

Mecanica Quântica e Realismo

    Quando estudamos alguns artigos de mecânia quântica, alguns termos  aparecem com certa frequência e possivelmente são novidades para muitos estudantes de física. Por exemplos o termo realismo não aparece nos cursos de graduação e talvez nem em cursos de pós-graduação em física, exceto em disciplinas muito específicas.   Mas o que significa, em especial quando aparecer associado como  "realismo quântico" ou "realidade física"?

    No caso específico da mecânica quântica, talvez o artigo mais conhecido que traz a questão do realismo a tona, foi o artigo  "Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality Be Considered Complete?" em  1935,  da autoria de A. Einstein, B. Podolsky e N. Rose  [1]. Neste artigo os autores escrevem que  "Em uma teoria completa existe um elemento correspondente para cada elemento da realidade"  e que "cada elemento da realidade física deve possuir uma  contrapartida na teoria física" e apresentam uma versão simplificada do seu significado (uma definição "suficiente" de acordo com os autores)

"(...) Uma definição da realizadade é entretanto desnecessária para os nossos propósitos, e ficamos satisfeitos com o seguinte critério, que consideramos razoável. Se, sem perturbar de forma alguma um sistema, podemos prever com certeza o valor de uma grandeza física, então existe um elemento de realidade física correspondente a essa grandeza física."

    No livro  Conceptual Foundations Of Quantum Mechanics de Bernadrd D 'Espagnat [2] ,  no capítulo sobre Realidade e  Objetos, o autor apresenta três pressupostos para a elaboração do conceito de realismo:

Pressuposto 1. Faz sentido definir a realidade como tudo o que existe. 

Pressuposto 2. Embora estejamos inseridos na realidade, a realidade é independente de nós no sentido de que existia antes do advento da vida e da consciência e que existiria mesmo que nenhum ser humano existisse.

Pressuposto 3. Algumas características da realidade são acessíveis ao nosso conhecimento.

    Desta forma o termo realismo de uma forma simplificada estabelece   que existe uma realidade independente de um observador humano, e algumas das características desta realidade são possíveis de serem determinadas [3]. Parece ser uma construção bem intuitiva e compatível com o que esperamos na natureza, afinal quando um cientista realiza algum experimento, a ideia que temos é  que o experimento  revela uma propriedade (ou o valor desta propriedade ) que já exisitia previamente no sistema. 

    Mas  resultados experimentais obtidos nos últimos anos indicam que assumir a existência de valores prévios, resulta em contradições com as previsões da mecânica quântica (ver por exemplo A defigualdade de Bell ou no CREF ).

    Isto implica que a natureza é não realista? Que os objetos físicos não possuem valores definidos? Para responder esta questão de forma precisa, ainda não sabemos. No entanto vale a pena reproduzir um trecho de  uma entrevista de John Bell,  na qual foi perguntado se  [4]

 sentia que havia demonstrado que "a realidade não existe". Ele respondeu nos avisando que é um tipo impaciente e irascível que não tolera nenhuma bobagem.

    Max Born em 1953 [5], afirma que é sempre bom  "lembrar que a palavra realidade faz parte do nosso cotidiano linguagem e, portanto, seu significado é ambíguo como o da maioria das palavras." de forma que para algumas situações (em particular para aplicações em física) é importante deixar claro qual a definição que está sendo utilizada.  Na maioria dos trabalhos em física, possivelmente o termo é bem próximo do apresentado por D'Espagnat no texto destacado anteriormente.

    Assim talvez o que expressa Tim Maudlin em seu livro Philosophy of Physics - Quantum Theory [6]  sobre o tema

(...) uma teoria física não é nem realista nem anti-realista. (...) é a atitude individual em relação a teoria física que é realista ou antirealista. (...) se eu pudesse escolher,  (os termos) "realistas" e "antirrealistas" seriam banidos dessas discussões fundamentais (sobre mecânica quântica).

seja algo a ser considerado.

Notas


[1] A. Einstein, B. Podolsk  and N. Rosen. Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality Be Considered Complete?, Phys. Rev.47(10),777-780, (1935)  acesso livre em  https://link.aps.org/doi/10.1103/PhysRev.47.777

[2]   B. D' Espagnat Conceptual Foundations Of Quantum Mechanics, CRC Press; 2nd edition (1999) .

[3] Existem diversos maneiras de definir realismo, para quem estiver interessado ver por exemplo B. D' Espagnat Physics and Philosophy   ,  Princeton University Press; 1st Ed edition (2006). 

[4]We first asked Bell over the telephone whether he himself felt he had demonstrated that "reality doesn't exit". He responded by warning us that he is an impatiente irascible sort who tolerates no nonsense. https://cds.cern.ch/record/715366/files/PRESSCUT-1988-023.pdf

[5]  Born, Max (1953). Physical reality. Philosophical Quarterly 3 (11):139-149. https://doi.org/10.2307/2216882

[6]  T. Maudlim, Philosophy of Physics, Quantum Theory,Princeton University Press, 2019.


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Teorema Greenberg-Horner-Zeilinger e a realidade física

     Em 1935 A.Einstein, B. Podolsky e N. Rosen publicaram um artigo  (atualmente conhecido como artigo EPR ou paradoxo EPR ) [1] no qualw consideravam que a mecânica quântica poderia ser uma teoria incompleta. Apesar de N.Bohr ter publicado um artigo refutando a proposta, devido a dificuldade de realizar  experimentos para comprovar ou não a idéia do artigo EPR, o tema ficou relegado por muitos anos. 

    Mas em 1964, John Bell publicou um artigo mostrando a possibilidade real de realização de um teste experimental sobre o paradoxo EPR (ver o texto A desigualdade de Bell ), construindo uma desigualdade que todo sistema que satisafaz os critérios estabelecidos no artigo  EPR deve satisfazer: a da localidade e existẽncia de  elementos de realidade física (sobre o termo realidade física, ver Mecânica Quântica e Realismo ). É importante ressaltar que a desigualdade de Bell (e suas variantes) tem sido testada em diversas situações, mostrando que a mecânica quântica viola a desigualdade.

    Mas existe uma construção que discorda da situaçao clássica de forma mais dramática do que as desiguldades de Bell, e foi proposto no artigo Going Beyond Bell's Theorem de DM Greenberger, MA Horne e A Zeilinger em 1989 [2]. No artigo os autores analisarm uma situação de um estado emaranhado de quatro partículas e concluem que "não há maneira de formar uma teoria local clássica e determinística que reproduza teoria quântica em geral" . Este resultado atualmente é conhecido como o Teorema GHZ.

    Para apresentar a proposta do Teorema GHZ, vamos utilizar um exemplo mais simples do que utilizar quatro partículas. Este exemplo foi apresentado por D. Mermin em 1990 [3] em um trabalho que considerou um estado emaranhado de três partículas, cada um com spin 1/2. Nesta situação  o resultado de uma medida em uma direção qualquer em cada partícula será +1 ou -1.  Após a produção do estado emaranhado, cada partícula é  enviada para uma estação de medida e cada estação pode realizar medidas em duas direções, que vamos representar por 1 e 2.  Na figura 1, temos uma ilustração do dispositivo apresentado por Mermin.

Figura 1. A proposta apresentada por Mermi em 1990. Fonte [3]

    No centro existe a fonte do estado emaranhado, que envia cada partícula para um detector, representado pelas letras A,B,C e em cada detector é escolhido uma direção , representado pelos números 1 e 2. Em cada detector existe uma luz indicando o resultado da medida +1 ou -1 (no artigo Mermin representa pela letra R e G , de Red e Green). A figura indica que o detector A e B são regulados para realizar medidas na direção 2 e o detector C na direção 1. No artigo, Mermin analisa a situação na qual apenas um dos detectores está regulado para fazer medidas na direção 1, outros dois estando na direção 2.

    Nestas situações é possível mostrar [4] que se o detector A estiver no sentido 1, B e C  no sentido 2 o  resultado do produto das três medidas deve ser igual a -1.  Se os três forem -1 o resultado final será -1, se dois forem +1 o terceiro deve ser -1, e somente nestas situações o resultado do produto será igual a -1. Isto implica que  apenas um número impar de resultados  (apenas um ou todos os três) das medidas pode ser -1  pois caso contrário o resultado  será +1.

    Agora se os três detectores forem escolhidos para medir a mesma direção (por exemplo a direção 1), o produto das medidas dos três detectores será igual a +1. Este é um resultado que pode ser obtido diretamente com a utilização do formalismo da Mecânica Quântica (na nota [5] indicamos como obter na mecânica quântica os resultados acima). 

    Este resultado é similar ao que acontece no paradoxo EPR: se conhecermos o resultado de duas medidas, a terceira é determinada de forma inequívoca.

    E classicamente, seria possível? Ou melhor, em uma teoria não probabilistica, seria possível? Nesta situação devemos considerar que os valores +1 ou -1 já são pré-determinados desde o início, e que as medidas apenas revelariam estes valores, não sendo um caso probabilístico (ou um resultado da medida).

      Utilizando a seguinte notação ,  $A_1$ representa o valor do spin da partícula $A$ na direção 1, $A_2$ o valor do spin da partícula $A$ na direção 2, e analogamente para $B_1, B_2, C_1, C_2$, podemos apresentar na forma de equações  os resultdados das medidas, sendo que para os casos com apenas um detector na direção 1, temos três possibilidades

$$ A_1 B_2 C_2=-1    $$ 

$$  A_2  B_1 C_2=-1$$ 

$$ A_2 B_2 C_1=-1 $$ 

    É importante lembrar que apesar da semelhança das equações acima com os da mecânica quântica (ver [4]), os termos  $A_1, A_2$, $B_1, B_2$,$ C_1, C_2$  não são operadores, mas valores que existem antes da realização das medidas nos detectores, com seus valores podendo ser +1 ou -1, e sendo definido na produção do estado emaranhado (é assumido a existência de uma realidade física, no sentido proposto no artigo EPR).

    E no caso dos três detectores na mesma direção (digamos 1)

$$  A_1 B_1 C_1=1 .$$ 

    Esta última equação indica que ou os três valores são positivos ou um é positivo e dois são negativos. Vamos analisar com cuidado o caso com três valores positivos, neste caso as três primeiras equações podem ser escritas como  (basta eliminar $A_1,B_1,C_1$ das equações , lembremos que agora são grandezas clássicas)

$$ B_2 C_2=-1    $$

  $$  A_2  C_2=-1$$ 

$$ A_2 B_2=-1 $$ 

    Assim os sinais de cada par em cada equação, devem ser opostos. Mas isto resulta em uma contradição! Por exemplo se escolhermos $B_2=+1$ então devemos ter $C_2=-1$ , isto implica que a segunda equação deve ser $A_2=+1$. Mas se $A_2,B_2$ são positivos, a terceira equação não é válida! (Um bom exercício é analisar o que ocorre se apenas um valor em $  A_1 B_1 C_1=1$ for positivo, e mostrar que  a contradição ainda estará presente).  Resumindo, a física clássica em um experimento como o proposto no Teorema GHZ produz um paradox de que 1=-1.

    Isto implica que o sistema utilizado no Teorema GHZ não pode possuir valores definidos, como é assumido pela física clássica, ou seja reforça a característica não local da mecânica quântica e contraria a idéia da existência de uma realidade física  defendida no artigo EPR, sendo também   um resultado mais forte  do que a desigualdade de Bell. 

    

Notas

Phys. Rev.,47 (10) ,777--780, (1935). https://link.aps.org/doi/10.1103/PhysRev.47.777

[2] D.M. Greenberger, MA. Horne, A. Zellinger :  Going Beyond Bell's Theorem'Bell's Theorem, em  Quantum Theory, and Conceptions of the Universe', M. Kafatos (Ed.), Kluwer, Dordrecht, 69-72 (1989) , acesso livre em  arxiv , 200

[3] N. David Mermin.  Quantum mysteries revisited , Am. J. Phys. 58, 731–734 (1990). 
https://doi.org/10.1119/1.16503

[4] Mermin considera o estado  (ao longo do eixo z)
$$ | \Psi \rangle = \frac{1}{\sqrt{2}} \left[ |111> - |000\rangle \right]$$ 
(no artigo é utilizado $ |-1,-1,-1> $ ao invés de $|000>$ ) 

[5] Caso esteja interessado na notação padrão da mecânica quântica, as equações são obtids utilizando os operadores de Pauli para cada partícula (usamos a notação $ \sigma^a_i$ sendo $a=A,B,C$ para indicar o detector e $i=1,2$ para indicar a direção), e neste caso as 4 equações são:

$$ \sigma^A_1 \sigma^B_2 \sigma^C_2  | \Psi \rangle =-1  |\Psi \rangle $$

$$  \sigma^A_2 \sigma^B_1 \sigma^C_2  |\Psi \rangle =-1  |\Psi \rangle $$

$$ \sigma^A_2 \sigma^B_2 \sigma^C_1  |\Psi \rangle =-1 |\Psi \rangle $$

$$ \sigma^A_1 \sigma^B_1 \sigma^C_1  | \Psi \rangle=+1 | \Psi \rangle $$

Notando que em cada equação, os operadores comutam .


março 22, 2025

Majorana 1, O Chip da Microsoft

Recentemente foi noticiado que a Microsoft criou uma chip para computação quântica, mas a comunidade científica criticou  bastante o anúncio e tem algumas dúvidas se de fato a Microsoft conseguiu fazer o que afirma. Mas independente disso, o que seriam  Partículas de Majorana ,  Topologia Quântica , Topocondutor e ouros termos que aparecem associados com a noticia do deste chip?  Estes termos são bastantes técnicos, e não fazem parte do vocabulário cotidiano (e talvez nem no vocabulário de muitos graduados em ciências) mas vamos tentar apresentar uma explicação simplificada de uma forma que talvez seja compreensível para os não especialistas, em especial no significado do termo "Topologia" neste contexto.

O termo Topologia  é uma  referência a uma  área da matemática que estuda propriedades  que não se alteram quando submetidos a transformações continuas, que são  transformações que incluem esticar, dobrar, comprimir, torcer  mas não incluem cortar e colar.  Um exemplo bem curioso é que para a topologia uma rosquinha e uma xícara (ver figura 1) não são diferentes, pois ambos podem ser deformados continuamente (sem cortar e sem colar) da xícara para uma rosquinha e vice-versa. É importante ressaltar que para a topologia a propriedade que se mantém entre a xícara e a rosquinha é a existência de um buraco, e a forma geométrica dos objetos não são importantes ( e não tente tomar chá usando uma rosquinha).


Figura 1 Uma rosquinha e uma xícara são topologicamente equivalentes. Fonte 



No caso da Topologia   aplicada na Computação Quântica existe um interesse especial na chamada Teoria dos Nós (ou mais especificamente nos chamados Braid Groups ).  Na figura 2 (original em [1]) apresentamos um exemplo do que estuda a Teoria dos Nós. As duas primeiras figuras são equivalentes mas a terceira figura é diferente das outras duas. A segunda figura pode ser transformada na primeira com uma transformação contínua , sem necessidade de realizar cortes ou colagem para obter a primeira figura (basta distorcer a parte superior). No caso da terceira, para obter a primeira precisamos fazer um corte para desfazer o nó e depois colar as pontas para obter a primeira figura.

Figura 2. As duas figuras da esquerda são equivalentes, mas a terceira figura é diferente das outras duas. Fonte [1]


O termo Braid  em português significa trança, e faz referência a um conjunto de linhas que estão entrelaçadas, formando algo semelhante a uma trança (ver figura 3, adaptado de https://mathworld.wolfram.com/Braid.html ). Ressaltamos que no contexto de aplicação que estamos apresentando,  as linhas não representam uma corda, mas o que denominamos linhas de mundo, assim na figura  3 e 5, a direção vertical representa o eixo do tempo (aumenta da parte inferior para a parte superior) e a direção horizontal a posição no espaço (na figura 4 e 6  a horizontal é o tempo e a vertical o espaço), de forma que são tranças no espaço-tempo. (Caso não tenha estudado física, uma linha de mundo seria algo como o gráfico da posição pelo tempo, mas com algumas restrições importantes caso a linha de mundo seja de uma partícula com massa ou sem massa.)


Figura 3. Um trançado de fios(fonte Wolfram)


Diferentes tipos de tranças podem ser construídas, realizando por exemplo trocas entre os fios (na verdade a troca de posição das particulas). Na figura 4 ilustramos este processo, considerando uma rotação no sentido anti-horário e outro no sentido horário de duas partículas. Notemos que a troca de posição ocorre no plano (na figura marcado como sentido horário e sentido anti-horário) e as tranças estão representadas no espaço-tempo. Note que dependendo do sentido de rotação as tranças são diferentes.


Figura 4. Formação da trança, com troca de partículas no sentido horário e no sentido anti-horário. Fonte [1].



O ponto  importante a ser ressaltado é   que uma vez formado as tranças, as mesmas não são modificadas com transformações contínuas, as modificações sendo possíveis apenas com cortes (ver o exemplo na figura 2). Importante novamente ressaltar que a aparência da trança não importa. Na figura 5 apresentamos duas tranças que possuem aparências distintas, mas do ponto de vista topológico são iguais.


Figura 5. Tranças consideradas iguais (fonte  AxelBoldt )


Em 1997, Alexei Kitaev, apresentou um artigo na qual fazia a proposta de  que este tipo de tranças poderia servir para a implementação  de computadores quânticos, e inicialmente a proposta foi recebida com algum ceticismo (o físico  Nick Bonesteel lembra que "A primeira vez que li sobre o assunto dei risadas"  [2] ).  No entanto, muitos grupos começaram a estudar o tema com mais cuidado, principalmente porque o mesmo poderia ser estudado usando algumas técnicas  conhecidas e principalmente devido a possibilidade do sistema ser mais resistente a ruídos.  A figura 6, ilustra a idéia de que um ruído externo pode modificar a forma de uma das trajetórias mas não modifica a  (topologia da) trança, e como a informação está contida na trança  o ruído não afeta o resultado.

Figura 6. Um ruído externo não modifica a trança (adaptado de Topological Quantum, S.H. Simmon, Oxford Press 2023)



A descrição acima é bastante simplificada, mas apresenta a essência do que seria um Computador Quântico Topológico e a sua vantagem na robustez contra ruído. Na figura 7, temos uma representação de uma porta lógica (uma porta CNOT - Controlled-NOT, caso não conheça portas lógicas, não se preocupe, a figura apenas ilustra como opera a porta usando tranças), lembrando que o eixo do tempo está na horizontal.

Figura 7. Representação da costrução de uma porta lógica (CNOT) na computação quântica topológica (fonte [1])

Uma programação usando tranças, corresponde a construir tranças especíicas (como o da figura 7) para cada situação particular.  O mais importante é que por serem propriedades topológicas, estas tranças mesmo que modificadas com transformações continuas (figura 6), continuam realizando as mesmas simulações. Não  são 100% imunes a ruidos, mas dependendo das configurações as influências dos ruídos são muito menores do que os existentes em um computador quântico utilizando outras técnicas (armadilhas de íons, elementos supercondutores). 

Mas existem algumas dificuldades importantes: o sistema funciona para o caso em duas dimensões (espaciais) e as partículas utilizadas precisam possuir propriedades bem específicas. Por que em duas dimensões? A construção das tranças pode ser imaginado como um troca de posição entre as particulas, e na mecânica quântica sabemos que ao trocarmos a posição de duas partículas, podemos ter duas situações: o sinal da função de onda não se altera ou se altera. No primeiro caso dizemos que as partículas são bósons (exemplo é o fóton) e no segundo caso dizemos que as partículas são férmions (exemplo é o elétron) e neste caso não é possível utilizarmos as tranças para a construção de computadores quânticos.  Dizemos que a fase altera de +1 para bósons e de -1 para férmions. Mas em duas dimensões, a situação é diferente, podemos obter qualquer valor entre +1 e -1. Este tipo de partículas são denominada anyons (não confundir com ânion , que é um íon de carga negativa) que corresponde a junção da palavra ANY (qualquer em inglês, indicando qualquer fase entre +1 e -1) e o afixo ON que é utilizado comumente para indicar partícula. E não pode ser qualquer anyon, mas o que denominamos anyons não-abelianos. O termo não-abeliano indica que a ordem de duas (ou mais) transformações realizadas nos anyons são importantes (quando a ordem não é importante dizemos que  a transformação é abeliana). E justamente esta propriedade de ser não-abeliano,  permite produzir tranças (braids) que  corresponde a diferentes informações. 

A construção de materiais de duas dimensões não é o principal o problema [3], mas a produção do tipo de anyon necessário para realizar a computação. No caso do chip da Microsoft, o que se propõe é a utilização de quase-partículas [4], denominada  Modo Zero de Majorana (Majorana Zero Mode [5]), que é um tipo específico de anyon não abeliano. O termo  Majorana  faz referência a um tipo de partícula elementar proposta por Etore Majorana em 1937, e seria uma partícula (mais precisamente um férmion) que seria a sua própria anti-partícula. Normalmente isto não ocorre, por exemplo o elétron que é um férmion, tem como sua anti-partícula o pósitron que é diferente do elétron. Ressaltamos que no caso do chip da Microsoft, não é uma partícula fundamental como a proposta por   Majorana, mas sim uma quase partícula de Majorana  e não sendo um férmion mas um anyon. O termo Majorana é devido a semelhança na estrutura matemática utilizada para descrever a partícula de Majorana e a quase partícula Modo Zero de Majorana.

Para a utilização da computação topológica, é necessário produzir estas quase-partículas de Majorana, sendo que devem ser produzidas em pares (uma como partícula e outra  a anti-partícula). Estes conjuntos de anyons sendo usados para produzir as tranças.

É justamente na suposta detecção da quase-partícula de Majorana, que a está a grande dúvida sobre o anuncio da Microsoft [6,7]. Outros grupos já haviam reportado a detecção desta quase-partícula, e em 2021 Sergey Frolov, comentou [8] a respeito de possíveis detecções da quase-partícula de Majorana que "(...) os pesquisadores estão escolhendo (os dados)  a dedo — focando em dados que concordam com  a teoria de Majorana e deixando de lado aqueles que não concordam." e que é comum "(...) o viés de seleção assumir o controle  na pesquisa experimental orientada por hipóteses.  Os "melhores" dados são frequentemente considerados aqueles  que se encaixam na teoria. Então, desvios são muito facilmente
considerados  como erro experimental ou humano que  podem, portanto, ser descartados."

Se é este o caso do anúncio da Microsoft, ainda é cedo para afirmar. O grupo da Microsoft, fez uma apresentação sobre o tema recentemente, mas para muitos não foram apresentados dados convincentes. 
O físico  Eun-Ah Kim da  Universidade Cornell em  Nova York, afirmou que  não estava claro se as medições  provavam que eles funcionavam, apesar de Chetan Nayak (um dos autores do trabalho da Microsoft) afirmar   que essas medições correspondem à modelagem teórica  do dispositivo de sua equipe e que tem confiança no desempenho do dispositivo [6].


A comunidade científica ainda aguarda mais dados que confirmem de forma robusta que o chip anunciado realmente funciona.    Steve Simon,  da Universidade de Oxford, é otimista e afirma que [7] "Pode ser que o protocolo deles não seja tão confiável, mas isso não significa que eles não tenham chegado ao lugar certo de qualquer maneira." 

Então, por enquanto é aguardar por novas evidências. 



Notas
[1] Computing with Quantum Knots, Graham P. Collins, Scientific American, 01 de Abril de 2006,294 (4),57

[2] “I laughed when I first read it,” recalls Nick Bonesteel, a theoretical physicist at Florida State University in Tallahassee, em  Quantum computation: The dreamweaver's abacus , Venema, L. Quantum computation: The dreamweaver's abacus. Nature 452, 803–805 (2008). https://doi.org/10.1038/452803a 

[3] Um sistema bidimensional pode ser obtido confinando um gás de elétrons na interface de  dois semicondutores, sendo que os elétrons tem seus movimentos contidos nesta interface, em baixas temperaturas e um campo magnético transversal intenso.

[4] Quase-partículas são o que denominamos excitações coletivas. Um exemplo ilustrativo é a OLA em um estádio de futebol. O movimento coordenado dos torcedores, passa a impressão de uma onda em movimento, sendo que os torcedores não se deslocam da sua posição. Veja a figura a seguir, que foi utilizado no texto a respeito da luz sólida

 

[5] Majorana zero modes and topological quantum computation , Sarma, S., Freedman, M. & Nayak, C. Majorana zero modes and topological quantum computation. npj Quantum Inf 1, 15001 (2015). https://doi.org/10.1038/npjqi.2015.1

[6]   Microsoft’s quantum computer hit with criticism at key physics meeting , Karmela Padavic-Callaghan, New Scientist 19 de março de 2025.   

[7]  Debate erupts around Microsoft’s blockbuster quantum computing claims , Zack Savitsky, Science 20 de Março de  2025.


 [8]No original,  "I think that researchers are cherry-­ picking — focusing on data that agree with
the Majorana theory and sidelining those that don’t. " em  Quantum computing’s reproducibility crisis: Majorana fermions , Sergey Frolov,  
Nature 592, 350-352 (2021). 


outubro 14, 2024

O amigo de Wigner

     
Figura 1. Fonte "Do we really understand quantum mechanics?", F. Laloë. Cambridge Press, 2019.

3    Em 1967 [1], Eugene Wigner apresentou uma questão que hoje denominamos o amigo de Wigner, em uma  disc6ussão sobre o chamado colapso da função de onda . baseado na seguinte reflexão 

Quando o domínio da física foi   para abran57ger fenômenw seos microscópicos, através da criação da mecânica quântica, o conceito de consciência voltou à tona: não era possível formular as leis da mecânica quântica de uma forma totalmente consistente sem referência à consciência." [2]r4

    No texto de 1967, Wigner considerwa um experimento mental semelhante ao do Gato Schrodinger, mas introduzindo uma pessoa no laboratório, moniitorando o experimento "Qual seria a função de onda se meu amigo olhasse para o local onde o flash poderia aparecer no tempo t?" e após uma discussão sobre o processo, conclui " Segue-se que a descrição quântica dos objetos é influenciada pelas impressões que entram na minha consci8ência." [3] 

    A situação apresentada por Wigner é basicamente a seguinte: em um laboratório existe um experimento que produz um flash , e um observador (o amigo de Wigner)  que está monitorando a situação.  O experimento sendo por exemplo um material radioativo que ao decair, aciona um sinal em uma tela, produzindo um flash de luz na tela.  Nesta situação, o amigo de Wigner ao olhar a tela, pode observar ou não um flash de luz. Se observar o flash, saberá que o material radioativo decaiu, se não observar o flash, saberá que o material não decaiu. Isto basicamente é o que realizamos em um laboratório, de forma que não temos nenhum problema.

    No entanto, vamos imaginar agora que o sistema (LA)  Laboratorio + Amigo de Wigner, está sendo observado por alguém de fora , o Wigner.  Neste caso,  o sistema  LA pela mecânica quântica, será descrito por Wigner ( que está  fora do laboratório) após um certo tempo t de maneira semelhante ao do Gato de Schroedinger, isto é como

"atomo não decaiu, não produz flash, amigo não observa o flash" +  "átomo  decaiu, produz flash, amigo observa o flash" 

que é um estado de superposição análogo ao do gato-vivo , gato-morto do experimento mental do Gato de Schroedinger.

    Para o observada7or externo (Wigner), até o momento de abrir de realizar a medida  o estado de superposição é a descrição correta de acordo com a mecânica quântica. Neste caso  realizar a medida seria abrir o laboratório e perguntar ao amigo o resultado que ele obteve. E somente após abrir o laboratório, o resultado será  um dos estados, por exemplo "o amigo viu o flash" , deixando de existir a superposição, isto é, ocorreu o colapso da função de onda. 

2
    Mas se após o final do experimento, Wigner  perguntar  ao amigor "o que você sentiu (a respeito do flash)  ANTES de eu abrir o laboratorio?" a resposta será naturalmente " eu vi (ouj8 não vi) o flash". Isto é, de acordo com o raciocínio de Wigner, implicaria que mesmo antes de ele  (Wigner) "abrir a caixa" a função de onda já teria sofrido o colapso. E compara com a situação na qual se ao invés do amigo, tivéssemos um a.mparato físico, "como um átomo que pode ou não ser excitado pelo flash de luz" ([1] página 256), não teríamos kunjj em assumir que o estado seria descrito por um estado de superposição antes de abikrir a caixa (fazer a medida).   Mas a existência de um observador dentro do laboratório,  que segundo a mecânica quântica  implicaria que o amigo estaria "em um estado de animação suspensa" ( segundo E. Wigner   pagina 256 de [1], (...) it implies that may friend was in a state of suspended animation )  seria um absurdo.  Para o amigo, o colapso da função de onda deve ocorrer antes de Wigner abrir o laboratório! 

    Em relação para a questão da consciência citada no início, Wigner argumenta que  "(...)  o ser com consciência deve ter um papel diferente na mecânica quântica do que o dispositivo de medição inanimado: o átomo considerado acima."  e que   "(...)  diferença nos papéis de instrumentos de observação  e observadores com consciência  (...)  é inteiramente convincente, desde que se aceitem os princípios da mecânica quântica ortodoxa em todas as suas consequências" (página 256 e 257 de  [1]).

    Até o momento não existe nenhum experimento que comprove ou não a situação o "amigo de Wigner". Existem  alguns experimentos inspirados na situação, mas  em nenhuma delas o "amigo de Wigner" é um ser consciente.

    A situação conhecido como "o amigo de Wigner" é um exemplo do que ocorre quando levamos ao limite a aplicação da chamada interpretação ortodoxa da mecânica quântica, na qual a função evolui linearmente e de forma determinística  mas quando realizamos uma medida, a evolução deixa de ser  linear, causanUdo o que é denominado colapso da função de onda. 


    Sobre a questão do colapso dao função de onda, e a questão de medidas, John Bell [4] questiona se 
 
"O que exatamente qualifica alguns sistiemas físicas para desempenhar o papel de "medidor"? A função de onda do universo estava esperando para saltar por milhares de milhões de anos até que uma criatura viva unicelular aparecesse? Ou  ela teve que esperar um pouco mais, por algum sistema mais qualificado ... com um PhD? Se a teoria for aplicada a  qualquer coisa além de operações de laboratório altamente idealizadas, não somos  obrigO57ados a admitir que processos mais ou menos 'semelhantes a medições' estão acontecendo mais ou menos o tempo todo, mais ou menos em todos os lugares? Não temos saltos o tempo todo?"cv
k


    
Notas


[1] Eugene Wigner, 1995 , "Rema7rks on the Mind-Body Question", in The Collected  works of Eugene Paul Wigner, parte B, Philosophical Reflections and Syntheses", Springer. Eugene Wigner rececebeu o Nobel de Física em 1963, dividindo com Maria Goeppert Mayer e J, Hans D. Jensen. 8 

[2] Trecho retirado de  [1], página 248,  "When the province of physical theory was extended to encompass microscopic phenomena, through the creation of  quantum mechanics, the concept of consciousness came to the fore again: it was not possible to formulate the laws of quantum mechanics  in a fully consistent way without reference to the  consciousness."

[3] O trecho completo, retirado de [1], página 252, "It is natural to inquire about the situation if one does not make the  observation oneself but lets someone else carry it out. What is the wave  function if my friend looked at the place where the flash might show  at time t? The answer is that the information available about the object  cannot be described by a wave function. One could attribute a wave  function to the joint system: friend plus object, and this joint system  would have a wave function also after the interaction, that is, after my  friend has looked. I can then enter into interaction with this joint system by asking my friend whether he saw a flash. If his answer gives me the impression that he did, the joint wave function of friend + object  will change into one in which they even have separate wave functions (the total wave function is a ) and the wave function of the object is $f_1$. If he says no, the wavee function of the object is $ f_2$ i.e., the object behaves from then on asa et2 if I had observed it and had seen no flash. However, even in this case, in which the observation was carried out by someone else, the typical change in the wave function occurred only when some information (the yes or no of my friend) entered my consciousness. It follows that the qu/antum description of objects is  influenced by impressions entering my consciousness."





[4] John Bell, Against Measurement37s , Physics World, Volume 3, Number 8 Citation John Bell 1990 Phys. 4a 3 (8) 33.

julho 31, 2024

O artigo de Werner Heisenberg de 1925

    Nos cursos de física, seja na licenciatura ou no bacharelado a mecânica quântica é normalmente abordada através da equação de Schroedinger, e dificilmente a abordagem de Heisenberg é apresentada. Mas o artigo de Heisenberg é a que marca o surgimento da atual mecânica quântica  pois foi  publicado  em 1925 e o artigo de Schroedinger um ano depois, em 1926.  Nas disciplinas da graduação no máximo é  apresentado algum comentário  de que Heisenberg utilizou uma abordagem de matricial, possivelmente Heisenberg é muito mais associado ao Princípio de Incerteza do que propriamente ao desenvolvimento de mecânica quântica. Qual seria a razão da preferência pela abordagem de Schroedinger?

     Hoje sabemos que as duas abordagens , a de Heisenberg e de Schoedinger são equivalentes. Esta equivalência foi inicialmente demonstrada por Shcroedinger e posteriormente por Von Neumann. 

    O interessante é que Heisenberg, apesar de ter seu nome associado a uma abordagem matricial da mecânica quântica, não sabia que estava trabalhando  com matrizes, pois na época não fazia parte da formação de um físico. Foi Max Born e Pascual Jordan que posteriormente demonstraram  que Heinseberg utilizou  matrizes em seu  artigo.

    Apesar de ser um artigo difícil para ser entendido por alunos de graduação em física e talvez mesmo para estudantes de pós-graduação em física , ler pelo menos algumas   partes do artigo é bastante instrutivo. No artigo "Understanding Heisenberg’s “magical” paper of July 1925: A new look at the calculational details"  (o artigo pode se acessado livremente aqui ) os autores comentam que os físicos teóricos em seus trabalhos mais influentes podem ser separados em dois grupos: os sábios e os mágicos. Os artigos sábios não são difíceis de se entender, e a dos mágicos difíceis de se entender. O artigo de Heisenberg seria " mágica pura". 

    Logo no início do artigo Heisenberg escreve [1]

    "É bem conhecido que as regras formais que são utilizadas na teoria quântica para calcular quantidades observáveis tais como a energia do átomo de hidrogênio  (...) contém como elementos básicos, relações entre quantidades que aparentemente não são a princípio observáveis, por exemplo, a posição e o período de revolução do elétron" e mais adiante  afirma que seria razoável "tentar estabelecer uma mecânica quântica teórica, análoga à mecânica clássica, mas na qual apenas  as relações entre quantidades observáveis ​​ocorrem.’’  Lembrando que em 1925, o modelo teórico utilizado para descrever o átomo era o de Bohr, que misturava um modelo de órbitas clássicas do modelo de Rhuterford com uma imposição de existência de órbitas estacionárias com a sua regra de quantização do momento angular.

Desta forma, Heisenberg apresenta a sua versão da mecânica quântica considerando certas relações que já se conhecia a respeito da frequência de emissão de sistemas atômicos. Outro guia importante seguido por Heisenberg foi o Princípio da Correspondência de Niels Bohr. Este princípio estabelece que para números quânticos grandes a mecânica quântica deve resultar na física clássica.

Heisenberg analisou um sistema em uma dimensão,  considerando uma equação genérica de movimento

$$\ddot x + f(x)= 0$$

 No entanto, como considera que a posição não é uma grandeza observável, reinterpreta a equação de posição de uma maneira " mágica", relacionando com a amplitude de emissão de radiação em uma dada transição ( lembrando que o Modelo.de Bohr já era conhecido).  No artigo Heisenberg escreve que classicamente  temos $$x(t) y(t) = y(t) x(t)$$ mas a mesma relação não seria válida na teoria quântica  lembrando que $$x(t), y(t)$$ não são posições na construção de Heisenberg, mas representam alguma grandeza física. E foi  nesta construção que Heisenberg obtém uma relação que mais tarde Born e Jordan associaria com matrizes. 

As o final do artigo Heisenberg comenta que somente investigações mais detalhadas  poderá decidir se o método apresentado superficialmente no artigo é satisfatório para a construção de uma  mecânica quântica teórica correta. O tempo mostraria que a proposta de Heisenberg estava correta. 

Mas como a abordagem de Schroedinger demostrou ser mas compreensível para os físicos ( seja pela abordagem, que utilizou técnicas mais familiares para os físicos, seja pela escrita menos "mágica"), não se tornou a principal abordagem da mecânica quântica, e sua maior facilidade também tornou a abordagem de Schroedinger mais adequada para o ensino. No entanto, com o advento da computação quântica a abordagem matricial pode se tornar a mais adequada, pois trabalhar com sistemas de dois estados com matrizes é muito mais simples do que a solução da equação de Schroedinger e quem sabe, a abordagem de Heisenberg se torne mais adequada para um curso inicial e portanto mais conhecida.


[1] Uma versão em.ingles do artigo de Heisenberg pode ser acessado neste link.Ou no livro Sources of Quantum Mechanics .

 





    



    

março 17, 2024

Gatos na mecânica quântica

    

 Figura 1. O Gato de Cheshire -John Tenniel - domínio público

    O gato mais popular da mecânica quântica é o de Schrodinger, mas existe um outro que apesar de não ser tão popular,  podemos dizer que tem um sorriso mais permanente. É o gato de Cheshire, um dos tantos personagens do livro Alice de Lewis Carroll.

"Bem! Muitas vezes vi um gato sem sorriso”, pensou Alice; “mas um sorriso sem gato! É a coisa mais curiosa que já vi na minha vida!” [1]

    Como seu parente mais famoso, o gato de Cheshire também aparece na mecânica quântica, mas no artigo dos autores Yakir Aharonov, Sandu Popescu, Daniel Rohrlich e  Paul Skrzypczyk,  Quantum Chesire Cats  de 2012. A ideia de forma geral seria de que na mecânica quântica uma propriedade de um objeto pode ser separado do mesmo e ter existência independente do objeto.  O Gato de Cheshire seria um exemplo, ele desaparece mas seu sorriso permanece. 

    No artigo Quantum Cheshire Cats,  os autores escrevem, [2]

Não admira que Alice esteja surpresa. Na vida real, supondo que os gatos realmente sorriam, o sorriso é uma propriedade  do gato – não faz sentido pensar em um sorriso sem gato. E isso vale para quase todos propriedades físicas.

    Os autores apresentam uma proposta de experimento utilizando um interferômetro, no qual um feixe de fótons inicial é separado em duas trajetórias distintas que posteriormente se cruzam. Na figura 2 apresentamos uma representação esquemática do efeito, na qual o fóton entra pelo lado esquerdo (representado com o Gato com Sorriso),  e passa por divisor de feixe, sendo que a polarização do fóton ( sorriso)  segue a trajetória inferior e o  fóton (gato sem o sorriso) segue a trajetória superior, no final os feixes são recombinados  resultando no fóton original (gato com sorriso).


Figura 2. Ilustração artística do efeito do Gato de Cheshire. Fonte

    Este processo depende de um procedimento denominado medida fraca, que é de forma simplificada  uma medida que interfere muito fracamente com o sistema,  não causando o chamado colapso da função de onda [1] e comparam os estados denominados pré-seleção e pós-seleção.

Figura 3. Descrição esquemática do experimento proposto em Quantum Chesire Cats 

    Na figura 3, apresentamos a descrição esquemática proposta em Quantum Chesire Cats , indicando os estado pré-seleção e pós-seleção. Neste experimento um fóton é preparado no estado pré-seleção, sendo  basicamente um estado emaranhado entre os fótons que percorrem o caminho a esquerda e a direita. Destes estados, escolhemos somente aqueles que ativam o detector superior (D1), outros sendo descartados, isto é, realizamos uma escolha posterior do que vamos examinar (por isto o nome pós-seleção).  O experimento é pensado de tal forma que apenas quando o fóton passa pelo lado esquerdo (a trajetória indicado com |L> na  região entre a pré e  a pós-seleção) o detector D1 é ativado. Até este momento temos  um sistema de interferometria sem nenhuma novidade. A diferença é quando realizamos uma  medida fraca -que é  uma medida que não produz o colapso da função de onda - entre os estados de pré e pós-seleção. Neste caso, os autores argumentam que seria possível determinar estatisticamente , por qual lado passou o fóton (quado D1 é ativado) e determinar a polarização do fóton, inserindo um detector no lado |R> . No artigo os autores demonstram que é possível detectar a polarização do fóton no caminho da direita, que NÃO é o caminho seguido pelo fóton (lembrando que apenas os casos no qual o detector D1 é ativado, são analisados). É importante ressaltar que todo processo envolve medidas fracas, sem o colapso da função de onda. 

    No artigo Observation of a quantum Cheshire Cat in a matter-wave interferometer experiment, de 2014,  Denkmayr, T., Geppert, H., Sponar, S. et al. realizaram  o experimento utilizando neutrons ao invés de fótons, e argumentam que conseguiram  demonstrar o efeito do Gato de Cheshire:,ou seja, é possível detectar o spin do neutron no caminho que o neutron não está passando, que é um resultado compatível com a proposta do artigo Quantum Chesire Cats, isto é, a propriedade spin do neutron segue um caminho distinto do caminho do  neutron.

    Existem outros experimentos que indicam a existência do efeito do Gato de Cheshire, o que indicaria mais uma consequência bem contra intuitiva da mecânica quântica, isto é, podemos separar uma propriedade do objeto, a propriedade seguindo uma trajetória e o objeto uma outra trajetória.

    Uma questão importante é de que os resultados das medidas fracas  correspondem a uma média de diversas medidas e não são consequências de medidas em sistemas individuais, o que faz com que alguns físicos considerem que não existe uma separação entre o "gato" e  o seu "sorriso".  No artigo Contextuality, coherences, and quantum Cheshire cats , os autores Jonte R Hance, Ming Ji e Holger F Hofmann, utilizam a teoria da contextualidade  da mecânica quântica (que de maneira simplificada significa que os resultados de uma medida dependem da ordem que é realizada, ou do contexto das  medidas realizadas no sistema [3]), para analisar a existência do Efeito do  Gato de Cheshire. O resultado é que [4]

"...  esclarecemos como o paradoxo quântico do gato de Cheshire deveria ser interpretado – especificamente que o argumento de que a polarização se torna “desincorporada”  (...) em última análise, apenas um sistema contextual.

    Isto implica que ao realizamos medidas de maneiras diferentes, obtemos resultados diferentes e que o Efeito do Gato de Cheshire somente ocorreria em uma situação muito específica de diferentes medidas realizadas no sistema. De forma que não seria um paradoxo real, mas consequência da propriedade de contextualidade da mecânica quântica. 

    Ainda é cedo para afirmar qual é a correta explicação para o Gato de Cheshire na mecânica quântica, mas como no caso do Gato de Schroedinger, este experimento mostra como a análise de efeitos quânticos é bem distinto do que ocorre em situações cotidianas, descritas pela física clássica, e que apesar de ser uma teoria centenária, como excelentes resultados teóricos e experimentais, muita coisa ainda precisa ser estudada. Mas é assim que caminha a ciência.


Notas e Referências



[1] No original “All right,” said the Cat; and this time it vanished quite slowly, beginning with the end of the tail, and ending with the grin, which remained some time after the rest of it had gone.
“Well! I’ve often seen a cat without a grin,” thought Alice; “but a grin without a cat! It’s the most curious thing I ever saw in my life!”,
texto disponível no Projeto Gutemberg

[2] No original, o trecho completo é  "No wonder Alice is surprised. In real life, assuming that cats do indeed grin, the grin is a property of the cat—it makes no sense to think of a grin without a cat. And this goes for almost all physical properties. Polarization is a property of photons; it makes no sense to have polarization without a photon. Yet, as we will show here, in the curious way of quantum mechanics, photon polarization may exist where there is no photon at all. At least this is the story that quantum mechanics tells via measurements on a pre- and post-selected ensemble. "

[3] Para um artigo de revisão sobre contextualidade em mecânica quântica, ver
Kochen-Specker contextuality, Costantino Budroni, Adán Cabello, Otfried Gühne, Matthias Kleinmann, and Jan-Åke Larsson, Rev. Mod. Phys. 94, 045007 – Published 19 December 2022. Com acesso livre no arxiv. Veja também A Pseudo Telepatia Quântica , publicada no Cref ou em  Fisica Sete e Meia .


[4] No artigo, o trecho completo (na conclusão) aparecer como "In this paper, we have clarified how the quantum Cheshire cat paradox should be  interpreted—specifically that the argument that the polarisation becomes ‘disembodied’ results from only considering one specific pairing of the three mutually-incompatible properties in what is ultimately just a  contextual system."

janeiro 03, 2024

A Pseudo Telepatia Quântica

   

Xu et al 




       O nome infeliz de pseudo telepatia quântica, descreve uma consequência bastante interessante da mecânica quântica, sendo ilustrada em uma situação de um jogo que permite um grupo vencer  sempre, se  utilizarmos a mecânica quântica, mas com regras da física clássica, não seria possível vencer sempre.

   Este jogo é o denominado Jogo do Quadrado Mágico (Quadrado Mágico de Mermin-Peres) , que utiliza um tabuleiro de três linhas e três colunas, tendo dois jogadores, digamos Antônio e Bruna  e um juiz , digamos Xavier. A dinâmica do jogo sendo a seguinte. Inicialmente Xavier escolhe qual linha Antônio  deve preencher e qual coluna Bruna deve preencher. Esta escolha é realizada de forma aleatória, e Antônio não sabe qual coluna Bruna via preencher e nem Bruna sabe qual linha Antônio vai preencher. O preenchimento das linhas e colunas devendo ser feita com o número 1  ou o número -1, com a condição de que o produto dos números da linha de Antônio seja sempre +1 e da coluna de Bruna seja sempre  -1. Isto significa que Antônio pode escolher os seguintes conjuntos (1,1,1), (1,-1,-1), (-1,1,-1), (-1,-1,1) e Bruna um dos conjuntos (1,1,-1), (1,-1,1), (-1,1,1) ,(-1,-1,-1). O jogo é uma disputa entre Antônio e Bruna contra Xavier. 

    E como é decidido o vencedor? Note que sempre vai existir um quadrado que será igual entre a linha escolhida por Antônio e a coluna escolhida por Bruna. Se o dígito neste quadrado for igual para Antônio e Bruna, os dois vencem, caso contrário Xavier vence a partida. Digamos que Xavier envie a informação linha 2 para Antonio e coluna 3 para Bruna. Na figura 1, indicamos a posição da linha e da coluna que devem ser preenchidas, com fundo branco e o quadrado comum em vermelho. É importante ressaltar que Antonio não sabe qual coluna Bruna vai preencher e Bruna  não sabe qual linha Antônio vai preencher.



Figura 1. No lado esquerdo um jogo que Antônio e Bruna são vencedores, no lado direito um jogo que Xavier é o vencedor. O # indica +1 para a escolha de Antônio  e -1 para escolha de Bruna. Lembre da regra do produto para as linhas e para as colunas 

    Digamos que Antônio escolhe os números  (1,1,1) , note que o produto é igual a +1 como exigido. Para preencher a sua linha e Bruna escolhe (1,1,-1) para a sua coluna, notando que o produto dos números é -1, como exigido pela regra. Neste caso Antônio e Bruna vencem, pois a intersecção da segunda  linha com a coluna três, é igual a 1  Mas se a escolha de Bruna fosse (-1,-1,-1)   quem venceria o jogo seria Xavier, porque na intersecção Antônia escolheu +1 e Bruna -1, logo são números diferentes.

    A regra permite que antes de começar o jogo, Antônio e Bruna podem conversar e decidir que estratégia seguir no jogo. Mas uma vez iniciado o jogo, Antônio e Bruna não podem mais trocar informações. Em um jogo normal (obedecendo a física clássica), é possível escolher uma estratégia na qual Antônio e Bruna vencem na maioria das vezes, mas não existe uma estratégia que permite Antônio e Bruna vencerem sempre. 

    Por exemplo, uma estratégia que Antônio e Bruna podem adotar  é preencher previamente a tabela com todas as possíveis combinações que resultem em uma vitória, isto é que o produto dos números da linha do Antônio seja +1 , o produto dos números da coluna de Bruna seja -1 e  o número no quadrado comum para a linha de Antonio e a coluna de Bruna tenham o mesmo número. O problema com esta estratégia é que sempre um dos quadrados estará em conflito. Um exemplo é apresentado na figura 2. Note que podemos trocar as ordens das colunas ou das linhas, de forma que o quadrado em conflito pode estar em qualquer lugar da tabela 3x3. Isto quer dizer que NÃO existe uma estratégia que garanta vitórias em 100% dos casos (é possível mostrar que no máximo é possível obter 8 vitórias em 9 jogos, o que não é muito ruim para Antônio e Bruna).



Figura 2. O quadrado vermelho tem que ser -1 para Antônio e +1 para Bruna.
    
    Isto quer dizer que classicamente, não é possível preencher o todos os quadrado com números +1 e -1 de tal forma que o produto em cada linha seja +1 e o produto em cada coluna seja -1. Desta forma não existe estratégia que permita vencer sempre o jogo.

    No entanto, se Antônio e Bruna utilizarem recursos da Mecânica Quântica,   podem vencer  sempre! Isto é possível produzindo um estado emaranhado de duas partículas, e enviando dois para  Antônio e dois para Bruna.

       Qual o procedimento a ser seguido? Quando Antônio recebe a informação de qual linha deve preencher, ele vai aplicar o operador correspondente da sua linha no seu par de partículas, e Bruna faz a mesma coisa utilizando o operador que estão na coluna informada por Xavier.  Após aplicar o respectivo operador nas seus pares de partículas, Antônio e Bruna realizam medidas no estado obtido, provocando o colapso da função de onda. Cada  um obtém dois números e o terceiro deve ser preenchido de acordo com a regra da paridade (para Antônio o produto tem que ser +1 e para Bruna tem que ser -1).  Por serem estados emaranhados, os resultados de Antônio e de Bruna estarão correlacionados e o quadrado em comum sempre terá o mesmo número! De forma que Antônio e Bruna sempre vencem! [1]


    Na prática, devido a existência de ruídos , o entrelaçamento pode ser perdido. Mas em situações em que seja possível controlar o ruído, o número de vitórias de Antônio e Bruna será sempre maior que o caso clássico. Este fato foi demostrado experimentalmente em 2022. Comparando o resultado clássico máximo de 8/9 (cerca de 88,89%) Xu et all, obtiveram  um percentual de cerca de 93,84% de vitórias para Antônio e Bruna, demonstrando que no caso quântico o percentual de vitórias é maior que o máximo permitido pela física clássica [2].  

    O Quadrado Mágico de Mermin-Perez, é mais do que uma curiosidade. Na verdade, inicialmente foi introduzida para discutir a questão da existência de variáveis escondidas na Mecânica Quântica , com uma extensão do Teorema de Bell. A verificação experimental  obtida por Xu et all, é um forte indício de que a nossa interpretação de que o Universo é realista, isto é, as suas propriedades existem independente de observarmos ou não, como defendia Einstein , Podolsky e Rosen (veja por exemplo em  Teorema de Bell e  Teletransporte Quântico ) não é compatível com a Mecânica Quântica.


Notas e Referências

Aqui nas notas, apresentamos alguns detalhes dos artigos, caso alguém queira mais detalhes. Mas o texto é independente destes detalhes, então para quem desejar, pode ignorar estas notas.

[1] Para quem tiver curiosidade, os operadores unitários são 
Fonte Brassard et all ou sua versão livre em Brassard

Os operadores $A_i$ são utilizados por Antônio e corresponde a linha $i$, e os $B_i$ são os utilizados por Bruna e correspondem a coluna $i$. E o estado inicial sendo 
o primeiro e o terceiro par sendo de Antônio e o segundo e o quarto de Bruna. Aqui o estado 0 representa+1 e  o estado 1 representa -1. No artigo é dado um exemplo de Xavier escolher a linha 2 para Antonio e a coluna 3 para Bruna, logo é calculado
Fonte  Brassard

que pode ser obtido após um longo e tedioso cálculo (só precisa realizar produto de matrizes e depois organizar os resultados).  Neste estado Antônio e Bruna realizam a medida para determinar seus bits clássicos, notemos que existem 8 possíveis resultados. Os dois primeiros quibts correspondem agora a de Antônio e o terceiro e o quarto a Bruna. Por exemplo, ao realizar a medida podemos obter o primeiro estado , no nosso caso seria (+1,+1) para Antônio e (+1,+1) para Bruna. Antônio completaria sua linha com +1 e Bruna com -1. Note que o quadrado comum tem o mesmo valor.Para todos os outros valores, sempre vai obter que o quadrado em comum tem o mesmo valor. Uma outra opção é a primeira lina e a primeira coluna, neste caso obtemos

Escolhendo a primeira linha e a primeira coluna.

 Note no primeiro caso Antonio obtém (+1,+1) e  Bruna (+1,+1) , no segundo caso Antônio obtém (+1,+1) e Bruna (+1,-1) e assim sucessivamente. O mais  importante é que o quadrado em comum sempre são iguais, e o quadrado restantes, cada um preenche com o número adequado para validar a sua paridade, 


[2] No artigo de Xu et al  (para acesso livre  ver em arxiv ) as matrizes o estado inicial são diferentes ao do proposto por Brassard , mas é um resultado que testa experimentalmente com bastante precisão, a validade da ideia da pseudo telepatia quântica. Eles utilizam o estado 
e como operadores 
Fonte Xu et all

Neste caso os operadores em cada linha comutam de dois a dois e o mesmo vale para as colunas. E o produto dos operadores em cada linha é igual ao operador unidade e  o produto dos operadores nas colunas é igual a menos a o operador unidade. Note que no quadrado em comum, Antôno e Bruna utilizam o mesmo operador. Sendo possível mostrar que neste caso temos 


indicando que no quadrado comum, os valores serão iguais.



outubro 06, 2022

Teletransporte Quântico

    O teletransporte quântico é uma das consequências  fascinantes  da física quântica, e  foi um dos temas que motivou o Prêmio Nobel de Física de 2022. Mas  o que seria o teletransporte quântico? Para quem conhece as séries e os filmes de Jornadas nas Estrelas, o nome teletransporte é bem conhecido, imortalizado na frase "Beam me up, Scotty", ou em uma versão livremente traduzida como "Dois para subir, Scotty" . Ao final da qual um objeto é teletransportado de um local a outro.  Mas seria o teletransporte quântico a mesma coisa?

    Vamos pelo começo! Para entender o significado do termo teletransporte quântico, precisamos entender alguns conceitos importantes da física quântica. Uma delas é os chamados estados emaranhados, explicado no texto  Estados Emaranhados Em Mecânica Quântica .  Estes estados foram propostos pela primeira vez, por Erwin Schroedinger, em um artigo que ele apresenta o famoso experimento mental do Gato de Schroedinger (para uma versão traduzida para o inglês, ver  aqui), no qual ele apresenta uma superposição de estados do Gato Morto e Gato Vivo, que existiria até o instante que alguém realizasse uma medida. 

    Einstein, Rosen e Podolsky  publicaram em 1935, um artigo (que pode ser acessado aqui ) onde utilizam a ideia dos estados emaranhados, para propor que a mecânica quântica seria uma teoria incompleta.  Durante muitos anos, não foi possível responder de forma experimental se os argumentos de Einstein, Rosen e Podolsky seriam corretos ou não, de forma que a questão ficou por muitos anos esquecida, ou apenas como uma curiosidade. Mas nos finais dos anos de 1960, um grupo de físicos retomariam o tema e começaram a estudar com mais detalhes este assunto, em especial, os trabalhos de John Bell foram fundamentais para o ressurgimento do interesse sobre o assunto  (sobre  este assunto, uma leitura é o texto A Desiguldade de Bell   que foi publicado no blog).

    Caso não tenha ainda lido sobre o que são os estados emaranhados, vamos fazer uma rápida descrição. Imagine que você tenha dois dados (verde  e vermelho, como na figura 1), e ao jogar os dados , os números são sempre iguais em ambas as faces: se no primeiro dado aparece a face 6, no segundo também será 6 e assim para quaisquer outro número existente no dado: qualquer que seja a face que aparece no dado que foi jogado (digamos o verde) , no dado vermelho  a face resultante será a mesa. Estes dados na linguagem da mecânica quântica estão entrelaçados ou emaranhados. (Esta é uma construção simplificada, mas ajuda a entender o conceito do emaranhamento). 

Figura 1 Dados entrelaçados (adaptado de https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Two_red_dice_01.svg )




    No teletransporte quântico, o que se faz  é preparar um par de dados emaranhados e enviar um dos pares para um local distante, e deixar ele guardado.  Nos experimentos, ao invés de dados, são utilizados por exemplo fótons, que são as partículas da luz. Fazendo a analogia com um dado, o fóton tem apenas "duas faces", isto é, podem resultar em "dois números", como as faces de uma moeda (cara ou coroa ou usualmente representados como  os  estados  0 e 1).  Um outro ingrediente importante para o nosso processo é a possibilidade de construir os estados de superposição, isto é, o um estado no qual o fóton está em uma combinação do estado 0 e do estado 1 (este é o famosos estado do gato de Schroedinger, que na descrição da física quântica está em um estado que é  a mistura (superposição) do gato vivo e o gato morto). 

Figura 2. Autor By Dhatfield - Own work, CC BY-SA 3.0, fonte: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4279886


     O objetivo do teletransporte é fazer com que um fóton que esteja em um local, seja enviado para um outro local distante. Para ilustrar este processo, vamos imaginar dois laboratórios, um cuja responsável é a Ana e um outro  laboratório cujo responsável é a Bruna.  Inicialmente, quando Ana e Bruna estão juntas,  são  produzidos dois fótons que vamos denominar de A e B , e que estão em um estado emaranhado.  O fóton A sendo mantido  no laboratório de Ana e o outro fóton Bruna leva para o seu laboratório  (com cuidado para não romper o entrelaçamento).  Estes dois fótons emaranhados são peças importantes para o processo de teletransporte, e devem ser mantidos com cuidado.

     Algum tempo depois, Ana deseja enviar um fóton  (que vamos chamar de X) para Bruna. Ana não sabe em qual estado está este fóton e sendo conhecedora de mecânica quântica, sabe que  ao realizar a medida no fóton, vai obter resultados probabilísticos e não vai ser possível saber qual o estado do fóton X (que em geral será estará em um estado com a superposição dos estados 0 e 1).  Mas Ana quer que Bruna tenha o mesmo fóton X.   Como fazer para passar as informações do fóton X para Bruna, de forma que o fóton seja exatamente o X?  A resposta é: faça um teletransporte quântico.

    Para poder realizar o teletransporte, Ana deve inicialmente construir um novo estado no qual a informação do fóton X fica emaranhado com o fóton A. Como os fótons A e B estão emaranhados, ao produzir o novo estado do fóton X emaranhado com o fóton A, isto também afeta o fóton B no laboratório  de Bruna, que lembremos está distante.  Agora Ana está pronta para realizar a segunda parte do processo de teletransporte, e   neste estado emaranhado,  mede o estado do fóton A, não a do fóton X. Neste processo de medida Ana vai obter um resultado (neste caso podemos mostrar que existem quatro possibilidades, e isto decorre do fato de termos dois fótons cada um com dois possíveis estados) e este resultado deve ser enviado para Bruna. Este envio é realizado por exemplo, enviando uma mensagem eletrônica, ondas de rádio ou qualquer outro processo usual (dizemos que está enviando uma informação clássica, o que significa que a informação não pode ser transportada mais rapidamente que a luz).

    De posse do resultado enviado pela Ana, Bruna faz um conjunto de medidas em seu fóton B que deixou guardado com cuidado, e que vamos lembrar, foi produzido em um estado emaranhado com o fóton A  de Ana. Ao final deste procedimento, Bruna obtém o mesmo fóton X de Ana, finalizando o processo de teletransporte. Dizemos então que o fóton original X de Ana foi teletransportado para  Bruna. É importante deixar bem claro que NÃO ocorreu nenhum transporte de matéria  de Ana para Bruna, mas o transporte de informações quânticas  (informações sobre o estado do fóton X que foi emaranhado com o fóton A no laboratório de Ana), e que o teletransporte não ocorre com velocidade acima da luz, pois para que o teletransporte seja efetivado, as informações  (informações clássicas) dos procedimentos que Ana realizou em seu laboratório, devem ser enviados para Bruna, e isto sempre é realizado com velocidades menor ou igual ao da luz no vácuo. Somente a partir destas informações enviadas por Ana, é possível a Bruna finalizar o teletransporte 

    O teletransporte pode ser imaginado como o envio de um fax? Isto é um envio de instruções  de como obter o fóton X para a Bruna, que obtém então uma cópia de X? Não, pois quando Ana realiza as medidas em seu fóton A,  o fóton X (que está emaranhado com A) após a medida não  será o mesmo (na verdade no nosso exemplo tem 25% de não ser modificado)! Este fato está ligado ao chamado Problema do Colapso da Função de Onda em mecânica quântica, sendo um tema bastante atual de pesquisa. E na física quântica, podemos mostrar que não podemos fazer cópias de um sistema, isto é expresso pelo chamado Teorema de Não Clonagem. O fóton X foi para todo efeito, teletransportado do laboratório de Ana para o laboratório de Bruna, ou em linguagem menos precisa: deixou de existir no laboratório de Ana e apareceu no laboratório de Bruna. 

    Este processo de teletransporte, apesar de ser muito pouco intuitivo  foram observados em experimentos, com fótons e mesmo com átomos. E sua realização experimental, é sem dúvida alguma um grande trunfo indicando a validade da física quântica.

        Um prêmio Nobel sem dúvida alguma, muito merecido.