maio 13, 2025

Teorema Greenberg-Horner-Zeilinger e a realidade física

     Em 1935 A.Einstein, B. Podolsky e N. Rosen publicaram um artigo  (atualmente conhecido como artigo EPR ou paradoxo EPR ) [1] no qualw consideravam que a mecânica quântica poderia ser uma teoria incompleta. Apesar de N.Bohr ter publicado um artigo refutando a proposta, devido a dificuldade de realizar  experimentos para comprovar ou não a idéia do artigo EPR, o tema ficou relegado por muitos anos. 

    Mas em 1964, John Bell publicou um artigo mostrando a possibilidade real de realização de um teste experimental sobre o paradoxo EPR (ver o texto A desigualdade de Bell ), construindo uma desigualdade que todo sistema que satisafaz os critérios estabelecidos no artigo  EPR deve satisfazer: a da localidade e existẽncia de  elementos de realidade física (sobre o termo realidade física, ver Mecânica Quântica e Realismo ). É importante ressaltar que a desigualdade de Bell (e suas variantes) tem sido testada em diversas situações, mostrando que a mecânica quântica viola a desigualdade.

    Mas existe uma construção que discorda da situaçao clássica de forma mais dramática do que as desiguldades de Bell, e foi proposto no artigo Going Beyond Bell's Theorem de DM Greenberger, MA Horne e A Zeilinger em 1989 [2]. No artigo os autores analisarm uma situação de um estado emaranhado de quatro partículas e concluem que "não há maneira de formar uma teoria local clássica e determinística que reproduza teoria quântica em geral" . Este resultado atualmente é conhecido como o Teorema GHZ.

    Para apresentar a proposta do Teorema GHZ, vamos utilizar um exemplo mais simples do que utilizar quatro partículas. Este exemplo foi apresentado por D. Mermin em 1990 [3] em um trabalho que considerou um estado emaranhado de três partículas, cada um com spin 1/2. Nesta situação  o resultado de uma medida em uma direção qualquer em cada partícula será +1 ou -1.  Após a produção do estado emaranhado, cada partícula é  enviada para uma estação de medida e cada estação pode realizar medidas em duas direções, que vamos representar por 1 e 2.  Na figura 1, temos uma ilustração do dispositivo apresentado por Mermin.

Figura 1. A proposta apresentada por Mermi em 1990. Fonte [3]

    No centro existe a fonte do estado emaranhado, que envia cada partícula para um detector, representado pelas letras A,B,C e em cada detector é escolhido uma direção , representado pelos números 1 e 2. Em cada detector existe uma luz indicando o resultado da medida +1 ou -1 (no artigo Mermin representa pela letra R e G , de Red e Green). A figura indica que o detector A e B são regulados para realizar medidas na direção 2 e o detector C na direção 1. No artigo, Mermin analisa a situação na qual apenas um dos detectores está regulado para fazer medidas na direção 1, outros dois estando na direção 2.

    Nestas situações é possível mostrar [4] que se o detector A estiver no sentido 1, B e C  no sentido 2 o  resultado do produto das três medidas deve ser igual a -1.  Se os três forem -1 o resultado final será -1, se dois forem +1 o terceiro deve ser -1, e somente nestas situações o resultado do produto será igual a -1. Isto implica que  apenas um número impar de resultados  (apenas um ou todos os três) das medidas pode ser -1  pois caso contrário o resultado  será +1.

    Agora se os três detectores forem escolhidos para medir a mesma direção (por exemplo a direção 1), o produto das medidas dos três detectores será igual a +1. Este é um resultado que pode ser obtido diretamente com a utilização do formalismo da Mecânica Quântica (na nota [5] indicamos como obter na mecânica quântica os resultados acima). 

    Este resultado é similar ao que acontece no paradoxo EPR: se conhecermos o resultado de duas medidas, a terceira é determinada de forma inequívoca.

    E classicamente, seria possível? Ou melhor, em uma teoria não probabilistica, seria possível? Nesta situação devemos considerar que os valores +1 ou -1 já são pré-determinados desde o início, e que as medidas apenas revelariam estes valores, não sendo um caso probabilístico (ou um resultado da medida).

      Utilizando a seguinte notação ,  $A_1$ representa o valor do spin da partícula $A$ na direção 1, $A_2$ o valor do spin da partícula $A$ na direção 2, e analogamente para $B_1, B_2, C_1, C_2$, podemos apresentar na forma de equações  os resultdados das medidas, sendo que para os casos com apenas um detector na direção 1, temos três possibilidades

$$ A_1 B_2 C_2=-1    $$ 

$$  A_2  B_1 C_2=-1$$ 

$$ A_2 B_2 C_1=-1 $$ 

    É importante lembrar que apesar da semelhança das equações acima com os da mecânica quântica (ver [4]), os termos  $A_1, A_2$, $B_1, B_2$,$ C_1, C_2$  não são operadores, mas valores que existem antes da realização das medidas nos detectores, com seus valores podendo ser +1 ou -1, e sendo definido na produção do estado emaranhado (é assumido a existência de uma realidade física, no sentido proposto no artigo EPR).

    E no caso dos três detectores na mesma direção (digamos 1)

$$  A_1 B_1 C_1=1 .$$ 

    Esta última equação indica que ou os três valores são positivos ou um é positivo e dois são negativos. Vamos analisar com cuidado o caso com três valores positivos, neste caso as três primeiras equações podem ser escritas como  (basta eliminar $A_1,B_1,C_1$ das equações , lembremos que agora são grandezas clássicas)

$$ B_2 C_2=-1    $$

  $$  A_2  C_2=-1$$ 

$$ A_2 B_2=-1 $$ 

    Assim os sinais de cada par em cada equação, devem ser opostos. Mas isto resulta em uma contradição! Por exemplo se escolhermos $B_2=+1$ então devemos ter $C_2=-1$ , isto implica que a segunda equação deve ser $A_2=+1$. Mas se $A_2,B_2$ são positivos, a terceira equação não é válida! (Um bom exercício é analisar o que ocorre se apenas um valor em $  A_1 B_1 C_1=1$ for positivo, e mostrar que  a contradição ainda estará presente).  Resumindo, a física clássica em um experimento como o proposto no Teorema GHZ produz um paradox de que 1=-1.

    Isto implica que o sistema utilizado no Teorema GHZ não pode possuir valores definidos, como é assumido pela física clássica, ou seja reforça a característica não local da mecânica quântica e contraria a idéia da existência de uma realidade física  defendida no artigo EPR, sendo também   um resultado mais forte  do que a desigualdade de Bell. 

    

Notas

Phys. Rev.,47 (10) ,777--780, (1935). https://link.aps.org/doi/10.1103/PhysRev.47.777

[2] D.M. Greenberger, MA. Horne, A. Zellinger :  Going Beyond Bell's Theorem'Bell's Theorem, em  Quantum Theory, and Conceptions of the Universe', M. Kafatos (Ed.), Kluwer, Dordrecht, 69-72 (1989) , acesso livre em  arxiv , 200

[3] N. David Mermin.  Quantum mysteries revisited , Am. J. Phys. 58, 731–734 (1990). 
https://doi.org/10.1119/1.16503

[4] Mermin considera o estado  (ao longo do eixo z)
$$ | \Psi \rangle = \frac{1}{\sqrt{2}} \left[ |111> - |000\rangle \right]$$ 
(no artigo é utilizado $ |-1,-1,-1> $ ao invés de $|000>$ ) 

[5] Caso esteja interessado na notação padrão da mecânica quântica, as equações são obtids utilizando os operadores de Pauli para cada partícula (usamos a notação $ \sigma^a_i$ sendo $a=A,B,C$ para indicar o detector e $i=1,2$ para indicar a direção), e neste caso as 4 equações são:

$$ \sigma^A_1 \sigma^B_2 \sigma^C_2  | \Psi \rangle =-1  |\Psi \rangle $$

$$  \sigma^A_2 \sigma^B_1 \sigma^C_2  |\Psi \rangle =-1  |\Psi \rangle $$

$$ \sigma^A_2 \sigma^B_2 \sigma^C_1  |\Psi \rangle =-1 |\Psi \rangle $$

$$ \sigma^A_1 \sigma^B_1 \sigma^C_1  | \Psi \rangle=+1 | \Psi \rangle $$

Notando que em cada equação, os operadores comutam .


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