O chamado Problema dos Três Corpos, é uma situação na qual três corpos estão interagindo mutualmente devido a atração gravitacional. Este é um problema que não existe uma solução analítica que possa ser aplicado para o caso geral [1]. Soluções analíticas gerais somente conseguimos obter quando consideramos o movimento de dois corpos. Isto pode parecer estranho, pois quando estudamos o Sistema Solar, aprendemos que as órbitas dos planetas são elipses com o Sol em um dos focos da elipse, portanto aparentemente conhecemos as soluções analíticas para um problema com muito mais que dois corpos.
O que ocorre é que a massa do Sol é muito maior que massa dos planetas, o que nos permite em boa aproximação considerar que cada planeta se movimenta apenas sob a influência do Sol, de forma que desconsideramos as interações entre os planetas e os movimentos planetários podem então ser considerados como elipses com o Sol em um dos seus focos.
Mas dependendo da precisão e do período de tempo analisado, esta aproximação deixa de ser adequada. Por exemplo devido a influência dos outros planetas, Mercúrio tem uma órbita na qual o ponto mais próximo do Sol (o periélio) muda de posição de um ano a outro, e isto pode ser mensurado com bastante precisão e o valor observado pode ser explicado em quase sua totalidade como sendo devido à influência dos outros planetas [2].
O chamado Problema de Três Corpos ocorre quando analisamos o movimento de apenas três corpos, mesmo dentro do Sistema Solar. Por exemplo um sistema com o Sol, a Terra e a Lua, , que é talvez o Problema de Três Corpos mais antigo em estudo, possivelmente com as primeiras observações devido realizadas na Mesopotânia cerca de 3000 anos atrás (ver por exemplo o artigo
Moon-Earth-Sun: The oldest three-body problem ). Outro exemplo é a Terra, Lua e um satélite artificial. Notemos que nestes casos, a massa do terceiro corpo é muito pequena e constitui o que denominamos Problema Restrito dos Três Corpos. A rigor Sol, Terra e Lua também sofrem influências dos outros planetas, mas dependendo da precisão e do intervalo de tempo das observações/medidas estas outras influências não serão significativas. O exemplo é que podemos calcular prever com boa precisão, um movimento periódico da Lua em torno da Terra, mas é importante ressaltar que este movimento não é exatamente periódico, veja por exemplo o texto
Rotação da linha apside Terra-Lua: por que acontece? que introduz um conceito pouco conhecido , a chamada linha de apside.
Para algumas situações particulares, em um Problema de Três Corpos, existem as órbitas periódicas como o exemplo da órbita da Lua no sistema Sol-Terra-Lua. Mas existem outras características no Problema de Três Corpos que são interessantes, como a existência dos chamados
Pontos de Lagrange, que são regiões nas quais as forças dos dois corpos maiores produzem uma situação de equilíbrio, isto é, a força resultante devido aos dois corpos é nula. Existem 5 pontos de Lagrange, sendo duas delas estáveis e as outras três instáveis. Ponto instável significa que uma perturbação retira o objeto (o terceiro corpo) do ponto de Lagrange, e no ponto estável , uma perturbação não retira o objeto do ponto de Lagrange. O telescópio James Webb está
localizado em um dos pontos de Lagrange (em um ponto instável, conhecido como L2 ) do sistema Terra-Sol (ver figura 1).
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Figura 1. Os cinco pontos de Lagrange no Sistema Sol-Terra (fonte NASA) |
Uma característica interessante do Problema de Três Corpos, é o resultado obtido por H. Poincaré no final do século XIX, é que o sistema apresenta o chamado comportamento caótico (para uma descrição do que é a Teoria do Caos, veja por exemplo este texto do CREF ). Isto significa que existem configurações nas quais as órbitas dos corpos não possuem movimentos regulares, de forma que o seu comportamento a longo prazo se torna imprevisível. Esta simulação no Youtube ilustra o que ocorre nas órbitas caóticas.
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Figura 2:Ilustração das órbitas de três corpos para um sistema caótico Fonte |
O Problema de Três Corpos, mesmo após cem anos, ainda é um assunto que tem atraído atenção de pesquisadores, sejam físicos, astrônomos, ou matemáticos ( para uma aplicação específica em física, veja [3]). O que hoje sabemos que é um sistema que apresenta um comportamento caótico, mas que dependendo das condições iniciais pode apresentar movimentos periódicos. Mas é importante ressaltar que para observar comportamento caótico, o tempo de observação pode ser muito longo, de forma que dependendo do intervalo de tempo, o comportamento pode ser muito semelhante a um sistema regular.
Apenas por curiosidade, no livro O Problema do Três Corpos, de Cixiun Li utilizado para produzir a série homônima, não é exatamente um Problema de Três Corpos, mas não vou adiantar o enredo para quem não leu o livro ou está esperando a série.
Nota
[1] Solução no sentido de possuirmos uma função que descreva a posição e a velocidade de cada um dos corpos em qualquer instante do tempo. Lembrando que podemos resolver numericamente o problema.
[2] No caso de Mercúrio, o chamado avanço do periélio corresponde a cerca de 575 segundos de arco por século e boa parte deste avanço pode ser explicado devido a influência da atração gravitacional de outros planetas. Mas uma pequena parcela somente pode ser explicada utilizando a Teoria da Relatividade Geral no lugar a Gravitação Newtoniana.
[3] Uma aplicação do problema de Três Corpos na astronomia, é Restricted Problem.of Three Bodies With Newtonian+Yukawa Potencial, https://www.worldscientific.com/doi/10.1142/S021827180400492X ou em https://www.researchgate.net/publication/252081554_Restricted_Problem_of_Three_Bodies_with_Newtonian_Yukawa_Potential