março 22, 2025

Majorana 1, O Chip da Microsoft

Recentemente foi noticiado que a Microsoft criou uma chip para computação quântica, mas a comunidade científica criticou  bastante o anúncio e tem algumas dúvidas se de fato a Microsoft conseguiu fazer o que afirma. Mas independente disso, o que seriam  Partículas de Majorana ,  Topologia Quântica , Topocondutor e ouros termos que aparecem associados com a noticia do deste chip?  Estes termos são bastantes técnicos, e não fazem parte do vocabulário cotidiano (e talvez nem no vocabulário de muitos graduados em ciências) mas vamos tentar apresentar uma explicação simplificada de uma forma que talvez seja compreensível para os não especialistas, em especial no significado do termo "Topologia" neste contexto.

O termo Topologia  é uma  referência a uma  área da matemática que estuda propriedades  que não se alteram quando submetidos a transformações continuas, que são  transformações que incluem esticar, dobrar, comprimir, torcer  mas não incluem cortar e colar.  Um exemplo bem curioso é que para a topologia uma rosquinha e uma xícara (ver figura 1) não são diferentes, pois ambos podem ser deformados continuamente (sem cortar e sem colar) da xícara para uma rosquinha e vice-versa. É importante ressaltar que para a topologia a propriedade que se mantém entre a xícara e a rosquinha é a existência de um buraco, e a forma geométrica dos objetos não são importantes ( e não tente tomar chá usando uma rosquinha).


Figura 1 Uma rosquinha e uma xícara são topologicamente equivalentes. Fonte 



No caso da Topologia   aplicada na Computação Quântica existe um interesse especial na chamada Teoria dos Nós (ou mais especificamente nos chamados Braid Groups ).  Na figura 2 (original em [1]) apresentamos um exemplo do que estuda a Teoria dos Nós. As duas primeiras figuras são equivalentes mas a terceira figura é diferente das outras duas. A segunda figura pode ser transformada na primeira com uma transformação contínua , sem necessidade de realizar cortes ou colagem para obter a primeira figura (basta distorcer a parte superior). No caso da terceira, para obter a primeira precisamos fazer um corte para desfazer o nó e depois colar as pontas para obter a primeira figura.

Figura 2. As duas figuras da esquerda são equivalentes, mas a terceira figura é diferente das outras duas. Fonte [1]


O termo Braid  em português significa trança, e faz referência a um conjunto de linhas que estão entrelaçadas, formando algo semelhante a uma trança (ver figura 3, adaptado de https://mathworld.wolfram.com/Braid.html ). Ressaltamos que no contexto de aplicação que estamos apresentando,  as linhas não representam uma corda, mas o que denominamos linhas de mundo, assim na figura  3 e 5, a direção vertical representa o eixo do tempo (aumenta da parte inferior para a parte superior) e a direção horizontal a posição no espaço (na figura 4 e 6  a horizontal é o tempo e a vertical o espaço), de forma que são tranças no espaço-tempo. (Caso não tenha estudado física, uma linha de mundo seria algo como o gráfico da posição pelo tempo, mas com algumas restrições importantes caso a linha de mundo seja de uma partícula com massa ou sem massa.)


Figura 3. Um trançado de fios(fonte Wolfram)


Diferentes tipos de tranças podem ser construídas, realizando por exemplo trocas entre os fios (na verdade a troca de posição das particulas). Na figura 4 ilustramos este processo, considerando uma rotação no sentido anti-horário e outro no sentido horário de duas partículas. Notemos que a troca de posição ocorre no plano (na figura marcado como sentido horário e sentido anti-horário) e as tranças estão representadas no espaço-tempo. Note que dependendo do sentido de rotação as tranças são diferentes.


Figura 4. Formação da trança, com troca de partículas no sentido horário e no sentido anti-horário. Fonte [1].



O ponto  importante a ser ressaltado é   que uma vez formado as tranças, as mesmas não são modificadas com transformações contínuas, as modificações sendo possíveis apenas com cortes (ver o exemplo na figura 2). Importante novamente ressaltar que a aparência da trança não importa. Na figura 5 apresentamos duas tranças que possuem aparências distintas, mas do ponto de vista topológico são iguais.


Figura 5. Tranças consideradas iguais (fonte  AxelBoldt )


Em 1997, Alexei Kitaev, apresentou um artigo na qual fazia a proposta de  que este tipo de tranças poderia servir para a implementação  de computadores quânticos, e inicialmente a proposta foi recebida com algum ceticismo (o físico  Nick Bonesteel lembra que "A primeira vez que li sobre o assunto dei risadas"  [2] ).  No entanto, muitos grupos começaram a estudar o tema com mais cuidado, principalmente porque o mesmo poderia ser estudado usando algumas técnicas  conhecidas e principalmente devido a possibilidade do sistema ser mais resistente a ruídos.  A figura 6, ilustra a idéia de que um ruído externo pode modificar a forma de uma das trajetórias mas não modifica a  (topologia da) trança, e como a informação está contida na trança  o ruído não afeta o resultado.

Figura 6. Um ruído externo não modifica a trança (adaptado de Topological Quantum, S.H. Simmon, Oxford Press 2023)



A descrição acima é bastante simplificada, mas apresenta a essência do que seria um Computador Quântico Topológico e a sua vantagem na robustez contra ruído. Na figura 7, temos uma representação de uma porta lógica (uma porta CNOT - Controlled-NOT, caso não conheça portas lógicas, não se preocupe, a figura apenas ilustra como opera a porta usando tranças), lembrando que o eixo do tempo está na horizontal.

Figura 7. Representação da costrução de uma porta lógica (CNOT) na computação quântica topológica (fonte [1])

Uma programação usando tranças, corresponde a construir tranças especíicas (como o da figura 7) para cada situação particular.  O mais importante é que por serem propriedades topológicas, estas tranças mesmo que modificadas com transformações continuas (figura 6), continuam realizando as mesmas simulações. Não  são 100% imunes a ruidos, mas dependendo das configurações as influências dos ruídos são muito menores do que os existentes em um computador quântico utilizando outras técnicas (armadilhas de íons, elementos supercondutores). 

Mas existem algumas dificuldades importantes: o sistema funciona para o caso em duas dimensões (espaciais) e as partículas utilizadas precisam possuir propriedades bem específicas. Por que em duas dimensões? A construção das tranças pode ser imaginado como um troca de posição entre as particulas, e na mecânica quântica sabemos que ao trocarmos a posição de duas partículas, podemos ter duas situações: o sinal da função de onda não se altera ou se altera. No primeiro caso dizemos que as partículas são bósons (exemplo é o fóton) e no segundo caso dizemos que as partículas são férmions (exemplo é o elétron) e neste caso não é possível utilizarmos as tranças para a construção de computadores quânticos.  Dizemos que a fase altera de +1 para bósons e de -1 para férmions. Mas em duas dimensões, a situação é diferente, podemos obter qualquer valor entre +1 e -1. Este tipo de partículas são denominada anyons (não confundir com ânion , que é um íon de carga negativa) que corresponde a junção da palavra ANY (qualquer em inglês, indicando qualquer fase entre +1 e -1) e o afixo ON que é utilizado comumente para indicar partícula. E não pode ser qualquer anyon, mas o que denominamos anyons não-abelianos. O termo não-abeliano indica que a ordem de duas (ou mais) transformações realizadas nos anyons são importantes (quando a ordem não é importante dizemos que  a transformação é abeliana). E justamente esta propriedade de ser não-abeliano,  permite produzir tranças (braids) que  corresponde a diferentes informações. 

A construção de materiais de duas dimensões não é o principal o problema [3], mas a produção do tipo de anyon necessário para realizar a computação. No caso do chip da Microsoft, o que se propõe é a utilização de quase-partículas [4], denominada  Modo Zero de Majorana (Majorana Zero Mode [5]), que é um tipo específico de anyon não abeliano. O termo  Majorana  faz referência a um tipo de partícula elementar proposta por Etore Majorana em 1937, e seria uma partícula (mais precisamente um férmion) que seria a sua própria anti-partícula. Normalmente isto não ocorre, por exemplo o elétron que é um férmion, tem como sua anti-partícula o pósitron que é diferente do elétron. Ressaltamos que no caso do chip da Microsoft, não é uma partícula fundamental como a proposta por   Majorana, mas sim uma quase partícula de Majorana  e não sendo um férmion mas um anyon. O termo Majorana é devido a semelhança na estrutura matemática utilizada para descrever a partícula de Majorana e a quase partícula Modo Zero de Majorana.

Para a utilização da computação topológica, é necessário produzir estas quase-partículas de Majorana, sendo que devem ser produzidas em pares (uma como partícula e outra  a anti-partícula). Estes conjuntos de anyons sendo usados para produzir as tranças.

É justamente na suposta detecção da quase-partícula de Majorana, que a está a grande dúvida sobre o anuncio da Microsoft [6,7]. Outros grupos já haviam reportado a detecção desta quase-partícula, e em 2021 Sergey Frolov, comentou [8] a respeito de possíveis detecções da quase-partícula de Majorana que "(...) os pesquisadores estão escolhendo (os dados)  a dedo — focando em dados que concordam com  a teoria de Majorana e deixando de lado aqueles que não concordam." e que é comum "(...) o viés de seleção assumir o controle  na pesquisa experimental orientada por hipóteses.  Os "melhores" dados são frequentemente considerados aqueles  que se encaixam na teoria. Então, desvios são muito facilmente
considerados  como erro experimental ou humano que  podem, portanto, ser descartados."

Se é este o caso do anúncio da Microsoft, ainda é cedo para afirmar. O grupo da Microsoft, fez uma apresentação sobre o tema recentemente, mas para muitos não foram apresentados dados convincentes. 
O físico  Eun-Ah Kim da  Universidade Cornell em  Nova York, afirmou que  não estava claro se as medições  provavam que eles funcionavam, apesar de Chetan Nayak (um dos autores do trabalho da Microsoft) afirmar   que essas medições correspondem à modelagem teórica  do dispositivo de sua equipe e que tem confiança no desempenho do dispositivo [6].


A comunidade científica ainda aguarda mais dados que confirmem de forma robusta que o chip anunciado realmente funciona.    Steve Simon,  da Universidade de Oxford, é otimista e afirma que [7] "Pode ser que o protocolo deles não seja tão confiável, mas isso não significa que eles não tenham chegado ao lugar certo de qualquer maneira." 

Então, por enquanto é aguardar por novas evidências. 



Notas
[1] Computing with Quantum Knots, Graham P. Collins, Scientific American, 01 de Abril de 2006,294 (4),57

[2] “I laughed when I first read it,” recalls Nick Bonesteel, a theoretical physicist at Florida State University in Tallahassee, em  Quantum computation: The dreamweaver's abacus , Venema, L. Quantum computation: The dreamweaver's abacus. Nature 452, 803–805 (2008). https://doi.org/10.1038/452803a 

[3] Um sistema bidimensional pode ser obtido confinando um gás de elétrons na interface de  dois semicondutores, sendo que os elétrons tem seus movimentos contidos nesta interface, em baixas temperaturas e um campo magnético transversal intenso.

[4] Quase-partículas são o que denominamos excitações coletivas. Um exemplo ilustrativo é a OLA em um estádio de futebol. O movimento coordenado dos torcedores, passa a impressão de uma onda em movimento, sendo que os torcedores não se deslocam da sua posição. Veja a figura a seguir, que foi utilizado no texto a respeito da luz sólida

 

[5] Majorana zero modes and topological quantum computation , Sarma, S., Freedman, M. & Nayak, C. Majorana zero modes and topological quantum computation. npj Quantum Inf 1, 15001 (2015). https://doi.org/10.1038/npjqi.2015.1

[6]   Microsoft’s quantum computer hit with criticism at key physics meeting , Karmela Padavic-Callaghan, New Scientist 19 de março de 2025.   

[7]  Debate erupts around Microsoft’s blockbuster quantum computing claims , Zack Savitsky, Science 20 de Março de  2025.


 [8]No original,  "I think that researchers are cherry-­ picking — focusing on data that agree with
the Majorana theory and sidelining those that don’t. " em  Quantum computing’s reproducibility crisis: Majorana fermions , Sergey Frolov,  
Nature 592, 350-352 (2021). 


março 13, 2025

Luz sólida?

    Notícias recentes indicam que cientistas solidificaram a luz como um supersólido, o resultado sendo  apresetado no artigo  Emerging supersolidity in photonic-crystal polariton condensates.   Em ciências os termos técnicos utilizados tendem a ser extremamente precisos, e muitas vezes acabam tendo significados bem distintos da sua utilização cotidiana. Um exemplo é a utilização cotidiana de calor como sinônimo de temperatura, quando na ciência estes dois termos não podem ser considerados sinônimos.    

    Vamos iniciar pelo título, que contém os termos "supersólido" e "condensado de polariton".

  Condensado faz referência a Condensado de Bose Einstein, que é um fenômeno quântico que descreve a tendência dos chamados bósons [1] de ocuparem o mesmo estado físico (no caso o estado fundamental).  A formação de um Condensado de Bose-Einstein ocorre quando a temperatura atinge um valor crítico, que depende da densidade e da massa das  partículas que formam o condensado [2]. Para condensados formados por átomos, a temperatura é muita baixa, no caso do primeiro condensado obtido experimentalmente com átomos de Rubídio, a temperatura críica é cerca de $ 170 \times 10^{-9 } K$. 
 O termo polariton, faz referência a uma quase-partícula [3,4] e surge devido a um processo de interação entre a luz (no caso do artigo pulsos de laser) e o meio  material (no caso do artigo arsenieto de gálio e alumínio que é um material semicondutor), não sendo igual a um fóton usual (podemos pensar no poláriton como um foton com massa efetiva diferente de zero).  Desta forma "condensado de polaritons" significa que foi formado um estado físico no qual os poláritons ocupam o estado fundamental de forma coerente. 


 O termo supersólido faz referência  a propriedade do material seus constituintes formam uma rede cristalina  e ao mesmo tempo se comportar como um superfluído (material com viscosidade zero).  Este tipo de fase da matéria foi proposta no artigo  Speculations on Bose-Einstein Condensation and Quantum Crystals  [1]publicado em  1970 na revista Physical Review sendo comprovada experimentalmente de forma convincente apenas em 2017 e em sistemas em temperaturas extremamente baixas.  A formação de um supersólido é uma decorrência de efeitos da mecânica quântica em um sistema de muitos corpos, portanto ela somente ocorre em situações bem específicas. Então, não é um sólido usual como um pedaço de pedra ou metal.

A formação do supersólido de condensado de poláritons ocorreu de acordo com a descrição do artigo, quando o número de fótons dentro da região ultrapassou um valor crítico. Uma descrição pictorica da formação do supersólido é apresentada em  A supersolid made using photons , fazendo uma analogia com um teatro e suas cadeiras. O melhor local para observar o ato é na primeira fileira na cadeira central, que representaria o estado fundamental. O teatro representaria o material semicondutor. Os fótons ao serem introduzido no teatro , tendem a procurar a primeira fileira e a cadeira central. Aumentado o número de fótons no teatro, a cadeira central  começa a ficar cheia (lembre que os fótons são bosons).  Mas o número de fótons não pode aumentar indefinidamente na cadeira central, de forma que a partir de um certo valor, o sistema redistribui os fótons nas cadeiras vizinhas, mas de forma simétrica (digamos uma para a caderia  do lado direito e outra para uma cadeira a esquerda) formando condensado satélites ao primeiro condensado (na cadeira central) sendo  esta distribução s que forma o supersólido. 

Figura 1 Ilustração da formação do supersólido Fonte


    Assim, o artigo demonstra a formação de um supersólido, mas apesar de ser formado de fótons, deve ser considerado como uma quase-partícula o poláritom, e não o fóton usual (quem tiver interesse, um texto interessante sobre poláritons,  ver  Polariton condensates  publicado na revista Physics Today 63(8) 42-47 , 2010) e não um sólido usual.  O interessante é que como a temperatura crítica para formar o condensado é invesamente proporcional a massa, como a massa do polariton é bem menor que a o átomo de Rubídio, o condesando (e portanto o supersólido) pode ser obtido em temperaturas mais altas.

E para finalizar por não ter viscosidade, ser atingido por um supersólido não seria semelhante a ser atingido por um sólido comum. Desta forma um "sabre de luz" de supersólido não seria uma espada útil em uma luta com Darth Vader. 



Figura 2. Um sabre de luz de supersolido de poláritons não seria muito útil.





Notas

[1] Na natureza atualmente conhecemos dois tipos de partículas, os bósons e os férmions. Uma característica que diferencia um bóson de um férmion é que podemos ter mais de um bóson com o mesmo estado físico e no caso do férmion não podemos. O que diferencia um bósob de um férmion é o seu spin. Bósons possuem spin inteiro (ou zero) e férmions possuem spin semi-inteiro (1/2,3/2, 5/2 etc) . O elétron. prótorn e o neutrons são  exemplos de férmions e o fóton um exemplo de bóson. Sistemas compostos, também podem se comportar como bósons ou férmions, isto quer dizer que um átomo que é composto de férmions, dependendo da configuração pode se comportar como férmion ou um bóson.


[2]  Os condensado de Bose Einstein obtidos inicialmente foram com átomos de Rubídio (considerando o spin total do Rubídio, o resultado é um spin inteiro). O video a seguir ilustra a formação de um Condensado de Bose Einstein



https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/transcoded/d/d9/Bose-Einstein_Condensation.ogv/Bose-Einstein_Condensation.ogv.720p.vp9.webm


A temperatura crítica é dada por

$ T_C=\frac{A}{m} \left( \frac{N}{V}\right)^{2/3} $

 seno $A, m, N. V$  uma constante, a massa, o número de partículas e o volume ocupado pelas partículas, respectivamente.  Desta forma quanto maior a massa menor a temperatura crítica para ocorre a formação do Condensado de Bose-Einstein. No caso do átomo de Rubídio, esta temperatura é cerca de $170 \times 10 ^{-9} K$ .




[3] Uma analogia que permite entender o que é uma quase-partícula é a OLA nos jogos de futebol. O movimento coletivo dos torcedores de forma sincronizada, passa a impressão de propagação de uma onda pelas arquibancadas.  A figura 2 ilustra esta situação.
Figura 2. Adaptado de New Scientist



[4] Para um introdução sobre Polariton, ver  Polariton condensates  publicado na revista Physics Today.

março 08, 2025

Fótons ..e.maranhados são na forma Yin-Yang?u

    Em 2023 um grupo de físicos publicaram um artigo na revista Nature Photonics, com o título Interferometric imaging of amplitude and phase of spatial biphoton states bastante interessante, e que foi bem divulgado em jornais e sites não científicos. No entanto, a sua divulgação não ocorreu pelo tema da pesquisa  (de uma forma simples. uma reconstrução de imagens  utilizando a mecânica quântica), mas por uma imagem que foi utilizada como fonte, que apresentamos na figura 1.

Figura 1. Imagem retirada do artigo Interferometric imaging of amplitude and phase of spatial biphoton states de livre acesso.



Encontramos em alguns textos títulos como  Yin Yang aparece em novo método de visualização de emaranhamento quântico ou  Incrível: imagem mostra dois fótons entrelaçados em forma de "Yin-Yang" quântico, Experimento resultou em uma cena que remete ao símbolo do par de forças que representa a dualidade de tudo que existe no universo e muitos outros textos e vídeos com o mesmo tema: o emaranhamento tem a forma do símbolo de Ying Yang.

Será que o estado emaranhado tem realmente a forma de Ying e Yang? 

Inicialmente vamos fazer uma rápida descrição do artigo e a razão do mesmo ser interessante. 

Nos últimos anos a chamada Informação Quântica tem apresentado um desenvolvimento excepcional,  e como qualquer sistema de informações , entre as tarefas  importantes podemos listar a de  conseguir produzir, transmitir e reproduzir as informações de forma segura e fidedigna.  No caso da computação quântica, a função de onda nos fornece as informações sobre o sistema, e o grande desafio é como trabalhar com as informações contidas na função de onda, e o artigo Interferometric imaging of amplitude and phase of spatial biphoton states apresenta uma proposta muito promissora, utilizando um sistema denominado bifóton, que é um sistema emaranhado de dois fótons e utilizam uma técnica de interferometria (holografia digital), que comparado com a tecnica denominada tomografia quântica, é muito mais rápida. De acordo com os autores a comparação é entre alguns minutos com a técnica apresentada comparada com vários dias necessários com a técnica de tomografia quântica.  

E o que seria a tomografia quântica? Inicialmente um objetivo importante em informação quântica é a de determinar a função de onda (o estado) de um sistema (que no caso seriam as informações quânticas utilizadas no processamento).  A técnica de tomografia quântica é análogo ao da  tomografia usual   uma imagem em três dimensões é reconstruída a partir de um conjunto  de imagens em duas dimensões. No caso da tomografia quântica   devido às características da mecânica quântica, o número de operações necessárias cresce muito rapidamente, tornando o processo muito lento e sujeito a muitos erros. 

No artigo, os autores apresentam uma técnica utilizada em holografia clássica, na qual o padrão de interferência contido em uma imagem nos permite reconstruir o objeto original.  De uma forma simples a luz proveniete de um objeto (que desejamos estudar) interage  com uma luz de referência, formando o que se denomina interferograma (um padrão de interferência). Analisando este padrão de interferência é possível reconstruir a imagem original.  

E qual a relação com o símbolo de Ying-Yang? Os autores utilizaram fótons que foram dispersos por um objeto com forma do símbolo de Ying-Yang. Portanto  o objeto original é o simbolo de Ying-Yang, sendo natural que a imagem reconstruída seja o símbolo de Ying-Yang! Se os autores tivesse utilizado outro objeto, apareceria outro objeto. Ou seja, não tem nenhuma relação com a imagem do estado emaranhado! 

 


  

outubro 14, 2024

Luz cansada? ou

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A teoria da luz cansada. Fonte vecteezy
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No entanto, y y⁷ gigfxz yhh7y7 er ytyyttt66y6 to trela declaração descritiva no se∆ ontido de que "quanta de luz pode se cansar viajando por um caminho tão longo", nenhuq1√€€~ma explicação razoável para tal avermelhamento foi proposta até agora e, na verdade, dificilmente pode sj jáer esperada com base nas ideias atuais sobre a nat(-ureza da luz. Além disso, abolindo a6jyf. Cf BB tyhyjvj 95vyyhc8 88c8 m.ly euggk bj 06yvt um ggggvtfvfg CTG hgfgvcvvfty FT gbggvgggg ideia de um universo em expansão, perder-se-ia imediatamente a base sólida para a interpretação de fenômenos evolucionários  na astronomia, e será muito difícil  responder a perguntas como por g76uuu~y um 66ty tu fy tu um yyy7y667 um 66ty tu tggohyyy os elementos radioativos naturais ainda existem, por que as estrelas não consumiram todou o hidrogênio há uma eternidade, etc. [2]

    Além de não existir nenhum mecanismo minimamente aceitável para explicar o que causaria o "cansaço da luz", como não existe expansão do Universo, a densidade da Radiação Cósmica de Fundo (RCF) não se alteraria, de forma que o seu espectro também seria diferente ao do observado.      A RCF foi descoberta por Arno  Penzias e Robert Wilson (o artigo tem acesso livre), que detectaram a presença de um ruido de fundo em todas as direções do céu, que inicialmente acreditavam ser devido a um problema técnico e não um sinal de origem cósmica. Curiosamente, um outro grupo estava preparando um experimento para detectar a Radiação Cósmica de Fundo, e que foram    contactados por Penzias e Wilson, que reconheceram imediatamente que o sinal detectado por  era o sinal procurado, e o artigo de R.H. Dicke , P.J.E. Peeble, PG. Roll e D.T. Wilkinson , Cosmic Black-Body Radiation foi publicado no mesmo número da revista do artigo de Penzias e Wilson.  Este resultado, conjuntamente com a nucleosíntese primordial, são resultados que descartam o nosso Universo como estático.

    A figura 2 é uma ilustração entre as diferenças entre um modelo com expansão do Universo e um modelo de cosmologia de luz cansada.

Figura 2. A Teoria da luz cansada versus Expansão do Universo fonte [3]


    Existem outros dados observacionais que descartam a teoria da luz cansada. Uma delas é a medida do brilho de galáxias distantes. No modelo de um Universo em expansão, o brilho das galáxias distantes é reduzido a devido diversos fatores,   sendo possível mostrar que o brilho diminui basicamente como (1+z)⁻⁴ e no modelo da luz cansada em um Universo estático a diminuição como (1+z)⁻¹ , sendo z o redshift da galáxia (caso não tenha estudado cosmologia, podemos associar distâncias com o redshift, e quanto maior a distância, maior será o redshift), e observacionalmente os dados são compatíveis com um Universo em expansão.

    A teoria da luz cansada  também não é compatível com dados a respeito de Supernovas, a figura 3 retirado do Time Dilation in Type Ia Supernova Spectra at High Redshift de 2008, mostra  a compatibilidade dos dados com a expansão do Universo, caso o fosse estático não deveria variar o redshift.  

Figura 3.  Ver artigo que é de livre acesso.

    

    Sobre o constante reaparecimento da teoria da luz cansada, o astrofísico Ned Wright comenta [3] "Eu não acredito que seja possível convencer as pessoa que ainda sustentam a ideia da luz cansada (...) diria que é mais um problema para uma revista de psicologia  (...)" . 

    



Notas

[1] F. Zwick não utilizou este termo no seu  artigo de 1929  ON THE RED SHIFT OF SPECTRAL LINES THROUGHINTERSTELLAR SPACE e nem posteriormente, de acordo com o artigo  de Helge Kragh IS THE UNIVERSE EXPANDING? FRITZ ZWICKY AND  EARLY TIRED-LIGHT HYPOTHESES . Para outras teorias de luz cansada, ver por exemplo Wesson, P.S. (1980). The Status of Non-Doppler Redshifts in Astrophysics. In: Gravity, Particles, and Astrophysics. Astrophysics and Space Science Library, vol 79. Springer, Dordrecht. https://doi.org/10.1007/978-94-009-8999-3_11

[2] Trecho original However, except for  the descriptive statement to the effect that "light quanta may get tired traveling such a long way, no  reasonable explanation of such a reddening has as yet been proposed, and, as a matter of fact, can hardly be expected on the basis of present ideas concerning the nature of light. Moreover, abolishing the idea of an expanding .universe, one would immediately lose the sound foundation for the interpretation of evolutionary phenomena in astronomy, and it will be very difficult  to answer such questions as to why the natural radio-active elements are still in existence, why the stars did  not use up all hydrogen an eternity ago, etc.


[3] 'Tired-Light' Hypothesis Gets Re-Tired na seção News of the Week na Science.  Texto original

Even so, researchers doubt whether the results will convert tired-light diehards. “I don't think it's possible to convince people who are holding on to tired light,” says Ned Wright, an astrophysicist at the University of California, Los Angeles. “I would say it is more a problem for a psychological journal than for Science.”

O amigo de Wigner

     
Figura 1. Fonte "Do we really understand quantum mechanics?", F. Laloë. Cambridge Press, 2019.

3    Em 1967 [1], Eugene Wigner apresentou uma questão que hoje denominamos o amigo de Wigner, em uma  disc6ussão sobre o chamado colapso da função de onda . baseado na seguinte reflexão 

Quando o domínio da física foi   para abran57ger fenômenw seos microscópicos, através da criação da mecânica quântica, o conceito de consciência voltou à tona: não era possível formular as leis da mecânica quântica de uma forma totalmente consistente sem referência à consciência." [2]r4

    No texto de 1967, Wigner considerwa um experimento mental semelhante ao do Gato Schrodinger, mas introduzindo uma pessoa no laboratório, moniitorando o experimento "Qual seria a função de onda se meu amigo olhasse para o local onde o flash poderia aparecer no tempo t?" e após uma discussão sobre o processo, conclui " Segue-se que a descrição quântica dos objetos é influenciada pelas impressões que entram na minha consci8ência." [3] 

    A situação apresentada por Wigner é basicamente a seguinte: em um laboratório existe um experimento que produz um flash , e um observador (o amigo de Wigner)  que está monitorando a situação.  O experimento sendo por exemplo um material radioativo que ao decair, aciona um sinal em uma tela, produzindo um flash de luz na tela.  Nesta situação, o amigo de Wigner ao olhar a tela, pode observar ou não um flash de luz. Se observar o flash, saberá que o material radioativo decaiu, se não observar o flash, saberá que o material não decaiu. Isto basicamente é o que realizamos em um laboratório, de forma que não temos nenhum problema.

    No entanto, vamos imaginar agora que o sistema (LA)  Laboratorio + Amigo de Wigner, está sendo observado por alguém de fora , o Wigner.  Neste caso,  o sistema  LA pela mecânica quântica, será descrito por Wigner ( que está  fora do laboratório) após um certo tempo t de maneira semelhante ao do Gato de Schroedinger, isto é como

"atomo não decaiu, não produz flash, amigo não observa o flash" +  "átomo  decaiu, produz flash, amigo observa o flash" 

que é um estado de superposição análogo ao do gato-vivo , gato-morto do experimento mental do Gato de Schroedinger.

    Para o observada7or externo (Wigner), até o momento de abrir de realizar a medida  o estado de superposição é a descrição correta de acordo com a mecânica quântica. Neste caso  realizar a medida seria abrir o laboratório e perguntar ao amigo o resultado que ele obteve. E somente após abrir o laboratório, o resultado será  um dos estados, por exemplo "o amigo viu o flash" , deixando de existir a superposição, isto é, ocorreu o colapso da função de onda. 

2
    Mas se após o final do experimento, Wigner  perguntar  ao amigor "o que você sentiu (a respeito do flash)  ANTES de eu abrir o laboratorio?" a resposta será naturalmente " eu vi (ou não vi) o flash". Isto é, de acordo com o raciocínio de Wigner, implicaria que mesmo antes de ele  (Wigner) "abrir a caixa" a função de onda já teria sofrido o colapso. E compara com a situação na qual se ao invés do amigo, tivéssemos um aparato físico, "como um átomo que pode ou não ser excitado pelo flash de luz" ([1] página 256), não teríamos problemas em assumir que o estado seria descrito por um estado de superposição antes de abrir a caixa (fazer a medida).   Mas a existência de um observador dentro do laboratório,  que segundo a mecânica quântica  implicaria que o amigo estaria "em um estado de animação suspensa" ( segundo E. Wigner   pagina 256 de [1], (...) it implies that may friend was in a state of suspended animation )  seria um absurdo.  Para o amigo, o colapso da função de onda deve ocorrer antes de Wigner abrir o laboratório! 

    Em relação para a questão da consciência citada no início, Wigner argumenta que  "(...)  o ser com consciência deve ter um papel diferente na mecânica quântica do que o dispositivo de medição inanimado: o átomo considerado acima."  e que   "(...)  diferença nos papéis de instrumentos de observação  e observadores com consciência  (...)  é inteiramente convincente, desde que se aceitem os princípios da mecânica quântica ortodoxa em todas as suas consequências" (página 256 e 257 de  [1]).

    Até o momento não existe nenhum experimento que comprove ou não a situação do "amigo de Wigner". Existem  alguns experimentos inspirados na situação, mas  em nenhuma delas o "amigo de Wigner" é um ser consciente.

    A situação conhecido como "o amigo de Wigner" é um exemplo do que ocorre quando levamos ao limite a aplicação da chamada interpretação ortodoxa da mecânica quântica, na qual a função evolui linearmente e de forma determinística  mas quando realizamos uma medida, a evolução deixa de ser  linear, causando o que é denominado colapso da função de onda. 


    Sobre a questão do colapso da função de onda, e a questão de medidas, John Bell [4] questiona se 

"O que exatamente qualifica alguns sistemas físicas para desempenhar o papel de "medidor"? A função de onda do universo estava esperando para saltar por milhares de milhões de anos até que uma criatura viva unicelular aparecesse? Ou  ela teve que esperar um pouco mais, por algum sistema mais qualificado ... com um PhD? Se a teoria for aplicada a  qualquer coisa além de operações de laboratório altamente idealizadas, não somos  obrigados a admitir que processos mais ou menos 'semelhantes a medições' estão acontecendo mais ou menos o tempo todo, mais ou menos em todos os lugares? Não temos saltos o tempo todo?"

    Em teorias como a de Broglie Bohm, ou de muitos mundos de Everett não existem contradições com a situação imaginada por Wigner. Assim, talvez seja um indício de que a mecânica quântica necessita ser modificada em seus aspectos fundamentais. Aqui deixamos claro que a mecânica quântica tem sido testada nas mais diversas situações, e até o momento não existem contradições entre as previsões teóricas e os resultados experimentais. Isto implica que uma futura modificação ( se existir) deve ocorrer para situações limites que ainda não temos condições de realizar experimentos precisos. 



    
Notas


[1] Eugene Wigner, 1995 , "Remarks on the Mind-Body Question", in The Collected  works of Eugene Paul Wigner, parte B, Philosophical Reflections and Syntheses", Springer. Eugene Wigner rececebeu o Nobel de Física em 1963, dividindo com Maria Goeppert Mayer e J, Hans D. Jensen.  

[2] Trecho retirado de  [1], página 248,  "When the province of physical theory was extended to encompass microscopic phenomena, through the creation of  quantum mechanics, the concept of consciousness came to the fore again: it was not possible to formulate the laws of quantum mechanics  in a fully consistent way without reference to the  consciousness."

[3] O trecho completo, retirado de [1], página 252, "It is natural to inquire about the situation if one does not make the  observation oneself but lets someone else carry it out. What is the wave  function if my friend looked at the place where the flash might show  at time t? The answer is that the information available about the object  cannot be described by a wave function. One could attribute a wave  function to the joint system: friend plus object, and this joint system  would have a wave function also after the interaction, that is, after my  friend has looked. I can then enter into interaction with this joint system by asking my friend whether he saw a flash. If his answer gives me the impression that he did, the joint wave function of friend + object  will change into one in which they even have separate wave functions (the total wave function is a ) and the wave function of the object is $f_1$. If he says no, the wave3w fu er enction of the object is $ f_2$ i.e., the object behaves from then on asa et2 if I had observed it and had seen no flash. However, even in this case, in which the observation was carried out by someone else, the typical change in the wave function occurred only when some information (the yes or no of my friend) entered my consciousness. It follows that the qu/antum description of objects is  influenced by impressions entering my consciousness."





[4] John Bell, Against Measurement37s , Physics World, Volume 3, Number 8 Citation John Bell 1990 Phys. 4a 3 (8) 33.

outubro 04, 2024

Violação da Terceira Lei de Newton ?

A  Terceira Lei de Newton, mais conhecida lei de ação e reação, é considerada extremamente importante na física. Movimento de foguetes, e o nosso caminhar são exemplos da aplicação da Terceira Lei de Newton. Violar a Terceira Lei de Newton, implica em violar a lei da conservação do momento linear, o que torna a sua violação um problema sério. 
No entanto, existem situações nas quais a Terceira Lei parece ser violada.  Como isto pode ocorrer? Teríamos que mudar as leis da física? A resposta é não, o que é necessário é entender o problema físico e verificar a aplicação correta da Terceira Lei.

Um exemplo interessante é o caso de duas cargas elétricas   em movimento, neste caso considerando as forças que atuam em cada partícula, aparentemente temos uma violação da Terceira Lei de Newton, pois as forças não estão na mesma direção! No entanto, quando consideramos o campo eletromagnético, e não apenas as cargas,  podemos verificar que não ocorre a violação da Terceira Lei de Newton [1] . 


Existem outras situações além do caso acima envolvendo dois ou mais corpos e sem a presença de um campo eletromagnético, nas quais aparentemente ocorrem a violação da Terceira Lei de Newton. São situação conhecidas como ações não-reciprocas, e surgem principalmente quando o meio que existe entre as partículas não estão em equilíbrio [2].   Mas é importante ressaltar que se considerarmos o sistema partículas-ambiente, não ocorre a violação da Terceira de Lei de Newton, de forma que a violação é aparente. 

Algumas situações de ações não-reciprocas estão em situação com meios que apresentam elasticidade anômala (odd elasticity). Um sistema elástico não anômalo armazena energia de forma reversível. Um exemplo é o sistema de massa-mola, na ausência de forças dissipativas. Assim, sistemas elásticos anômalos ocorrem quando existem forças não conservativas [3]. 

Recentemente um grupo de pesquisadores ampliaram o  conceito de elasticidade anômala nos denominados micronadadores (microswimmer) , apresentando o que denominaram de  elastohidrodinâmica anômala [4] , e estudaram a dinâmica de uma alga (Chlamydomonas) e do esperma humano. Ambos utilizam seus flagelos para se locomover em seu meio e o resultado do estudo, indicam que o movimento é mais rápido do que o esperado, violando a terceira Lei de Newton. Devido a elasticidade anômala, o movimento dos flagelos dissipa menos energia para o meio, o que permitiria o deslocamento mais rápido do que o esperado.

Do ponto de vista da física, estas situações  devem ser entendidas como resultado da opção de utilizarmos uma construção fenomenológica ou uma teoria efetiva, e não necessariamente devido a uma violação real da Terceira Lei de Newton. E para terminar vale a pena citar  o seguinte trecho do  artigo  indicado na nota [2],

(...) a simetria ação-reação para partículas pode ser quebrada quando sua interação é mediada por algum ambiente de não equilíbrio: tal quebra de simetria ocorre, por exemplo, quando o ambiente se move em relação às partículas, ou quando um sistema de partículas é composto de espécies diferentes e sua interação com o ambiente está fora de equilíbrio. (Claro, a terceira lei de Newton vale  para o sistema completo “partículas-mais-ambiente”.) [5]


Notas

[1] Isto porque o campo eletromagnético possui momento linear e angular, o que garante a validade da Terceira Lei de Newton ( e também evita a noção de ação a distância). Ver por exemplo o artigo  
Newton's Third Law and Electrodynamics , de J.M. Keller , Am. J. Phys. 10, 302–307 (1942).


[2]Apesar da situação de não reciprocidade descrever sistemas fora de equilíbrio, para sistemas de muitos corpos, no artigo Statistical Mechanics where Newton’s Third Law is Broken , os autores propõe utilizar um pseudo-hamiltoniano, o que permite utilizar uma descrição de mecânica estatísitca de sistemas em equilíbrio.


[3] Aqui é importante ressaltar que isto NÃO implica que a conservação da energia é violada. Ver por exemplo o artigo Odd Viscosity and Odd Elasticity Annu. Rev. Condens. Matter Phys. 2023. 14:471–510 " Hence, materials exhibiting odd elasticity are typically active or driven, in the sense that
they must contain or have access to energy sources. Elasticity can also be used to model systems
in which the stress σ is not physically a current of linear momentum, and 1W el is therefore not
an energy. In these cases, odd elastic moduli can arise without activity". O artigo (pre-print)  pode ser acessado livremente no repositório do Arxiv.


[4] No original os autores no artigo (acesso livre)   Odd Elastohydrodynamics: Non-Reciprocal Living Material in a Viscous Fluid , apresentam This theory, which we call odd  elastohydrodynamics, therefore provides a unified framework  for the study of nonlocal, non-reciprocal interactions of an elastic material in a viscous fluid.

[5] O trecho completo do artigo é 
However, the action-reaction symmetry for particles can be  broken when their interaction is mediated by some non-equilibrium environment: Such symmetry breaking occurs, for instance, when the environment moves with respect to  the particles, or when a system of particles is composed of different species and their interaction with the environment  is out of equilibrium. (Of course, Newton’s third law holds  for the complete “particles-plus-environment” system.)

setembro 17, 2024

Lentes Gravitacionais

     

Fonte 1: Registro do efeito das Lentes Gravitacionais, os arcos de luz são imagens distorcidas de galáxias distantes. Fonte: NASA 

    A chamada Lente Gravitacional tem origem no fenômeno da deflexão da luz [1] devido ao campo gravitacional de um corpo (a lente) com massa M. Esta deflexão da luz foi inicialmente prevista com a utilização da Gravitação Newtoniana, e foi calculado pela primeira vez por J. Soldner em 1801.  Isto pode ser uma surpresa para algumas pessoas, pois é comum associar este fenômeno com a Teoria da Relatividade Geral desenvolvida por Albert Einstein em 1917. A primeira observação da deflexão da luz pelo Sol foi realizada durante um eclipse solar em Sobral, no interior do Ceará em 1919, e as observações  confirmaram a existência da deflexão da luz pelo Sol e com um valor compatível com a previsão da Relatividade Geral, descartando o valor obtido com a utilização da Gravitação Newtoniana [2]. 

    Utilizando o efeito da deflexão da luz é possível demonstrar que um objeto massivo funcione como uma lente gravitacional [3]. Isto ocorre porque a presença de um corpo massivo curva o espaço tempo ao seu redor,  de forma que  o caminho que a luz percorre sofre um desvio da linha reta, que seria esperado na ausência da massa. Na figura 2 apresentamos uma representação esquemática de uma Lente Gravitacional, sendo a fonte e a lente pontuais (figura não está em escala).


Figura 2. Representação esquemática de uma lente gravitacional. Fonte Wikipedia

    Uma lente gravitacional pode ser resultado da ação de qualquer objeto com massa, e o ângulo de deflexão ( o ângulo $ \alpha $ na figura 2) aumenta com a massa ($ \alpha  \propto \sqrt{M} $) . E quanto mais próximo do objeto ( a distância b na figura 2), maior o ângulo de deflexão. E a massa não precisa ser pontual, permitindo  que galáxias e seus aglomerados possam atuar como uma lente gravitacional. As imagens formadas dependem da posição (incluindo as distâncias)  da fonte, da distribuição de massa do objeto que atua como uma Lente Gravitacional,  Na figura 3, apresentamos no lado esquerdo uma imagem em forma de anel quase completo (compare com a figura 1) e do lado direito quatro imagem de um mesmo objeto, formando uma cruz.


Figura 3. No lado esquerdo o Anel de Einstein e no lado direito a Cruz de Einstein, que são dois tipos de imagens que podem ser produzidas por lentes gravitacionais. Fonte ESO
    
      

    Este efeito não depende do comprimento de onda, de forma que uma lente gravitacional é acromática, que é diferente do caso de uma lente comum (digamos de vidro) na qual o ângulo de deflexão depende do comprimento de onda. Isto ocorre porque no caso do vidro (figura 4), o meio que é responsável pela deflexão é dispersivo, isto é o índice de refração (consequentemente o ângulo de deflexão) vai depender do comprimento de onda, logo as diferentes cores sofrem desvios diferentes. Mas no caso da lente gravitacional é a curvatura do espaço-tempo que causa a deflexão, e isto não depende do comprimento de onda da luz, que torna o processo acromático [4]. 


   

Figura 4. Aberração cromática em uma lente. Fonte By DrBob at the English-language Wikipedia, CC BY SA3.0, wikipedia 

    Devido ao fato da deflexão da luz não depender do seu comprimento de onda, podemos utilizar o espectro obtido para determinar a distância da fonte até o observador, usando a relação entre o chamado redshift cosmológico e a distância. As imagens produzidas por lentes gravitacionais nos permitem estudar a distribuição de massa (incluindo a matéria escura)  de objetos que atuam como uma Lente Gravitacional, detectar objetos que possuem baixa luminosidade. pois as Lentes Gravitacionais amplificam a luminosidade).  

    Efeitos de Lente Gravitacional com estrelas em nossa Galáxia dificilmente podem ser observadas - em particular nosso Sol não produz efeito de Lente Gravitacional que seja possível de ser detectado na Terra, de forma que o que podemos observar são os efeitos de Lente Gravitacional de objetos fora de nossa Galáxia. Este fato   nos permite utilizar estes efeitos também como uma ferramenta de estudo em Cosmologia; Os efeitos de múltiplas Lentes Gravitacionais, flutuações  no brilho de objetos distantes , observações  de galáxias de baixa luminosidade, distribuição de matéria escura, e outros estudos podem ser realizados com a utilização da Lentes Gravitacionais [5] e estes resultados são excelentes testes observacionais na área de Cosmologia. 

    Sendo acromática,  implica que no estudo de lentes gravitacionais ( excluindo o efeito do meio na qual a luz está propagando) podemos sempre utilizar a ótica geométrica? Isto é, desconsiderar as propriedades ondulatórias da luz? A rigor não podemos. Consideremos dois feixes de luz emitidos de regiões muito próximas da fonte. Este feixe sofre a ação de uma lente gravitacional, sendo posteriormente detectada. Dependendo da situação, estes dois feixes são coerentes, de forma que ao serem observados, a princípio é esperado a presença de difração, que é um efeito devido a característica ondulatória da luz. No entanto as condições necessárias para que estes efeitos  sejam observados são muito restritivos, de forma que na prática a aproximação de ótica geométrica no estudo de lentes gravitacionais é perfeitamente adequada, pois com os equipamentos  existentes estes efeitos difrativos não são atualmente possíveis de serem detectados.  



    

Notas

[1] A deflexão ocorre para todos os comprimentos de  onda, mas é comum utilizar o termo luz no sentido mais genérico de ondas eletromagnéticas, e neste texto vamos seguir este padrão. 

[2] Em relação ao valor previsto pela Gravitação Newtoniana é $  \alpha = 0,87  $ segundos de arco,  que é  a  metade do valor previsto pela Relatividade Geral.  Uma informação interessante é que Einstein em 1911 (portanto antes da elaboração da Relatividade Geral), apresentou uma estimativa para a delflexão da luz semelhante ao obtido com a Gravitação Newtoniana. Sobre a expedição em Sobral, ver  por exemplo   Do Eclipse Solar de 1919 ao Espetáculo das Lentes Gravitacionais  de JAS Lima e RC Santos. 

[3] No livro Gravitational Lenses (1992) , P Schneider, J. Ehlers, E.E. Falco,   os autores citam que a primeira utilização do termo "lente gravitacional" foi devido a O. Lodge em 1919, mas no sentido negativo, isto é de que não existiriam as lentes gravitacionais. Ressaltamos que não devemos simplesmente utilizar os conceitos de uma lente ótica para uma lente gravitacional, uma diferença importante sendo que na lente gravitacional, não existe um ponto focal, que é um dos argumentos utilizado por Lodge "it is not permissible to say that the solar gravitational field acts like a lens, for it has no focal lenght" (o artigo pode ser acessado aqui ). Na Lente Gravitacional ao invés de um ponto focal, possuímos uma linha focal.  


[4]  Isto implica que eventuais efeitos dispersivos que venham a ocorrer estão relacionados com o meio pela qual a luz percorre até atingir o observador, não sendo devido ao fenômeno da Lente Gravitacional.  No caso de fontes extensas como as galáxias, as diferentes regiões podem possuir espectros de emissão distintos, e devido ao fato de ser extenso, estas diferentes partes sofrem desvios distintos pela Lente Gravitacional, mas esta diferença é devido a diferença nos ângulos de incidência ( por exemplo os ângulo $ \theta $ na figura 2) e não devido ao comprimento de onda da radiação.


[5] Para um texto não técnico, ver por exemplo  Gravitational lensing: a unique probe of dark matter and dark energy , que é um texto não técnico de RS. Ellis, publicado em 2010..