outubro 14, 2024

Luz cansada?


A teoria da luz cansada. Fonte vecteezy

    

    Logo após a publicação do artigo de Edwin Hubble em 1929 a respeito da velocidade de recessão (afastamento) das galáxias distantes, Fritz Zwick apresentou uma explicação para o deslocamento para o vermelho, sem considerar a expansão do Universo. O deslocamento ocorreria devido a luz ter percorrido uma grande distância entre a fonte emissora e a detecção na Terra, e devido a este longo deslocamento  teria perdido energia (estas perdas teriam diversas origens) durante o seu trajeto, ou seja a luz estaria "cansada". Portanto, a teoria da luz cansada foi  uma teoria alternativa para  explicar o deslocamento para o vermelho (redshift) observado em galáxias e que não considera a expansão do Universo. Assim, é uma teoria  que propõe um  Universo estático.  [1].

    Esta hipótese seria razoável? Talvez no início, mas com o desenvolvimento dos modelos de expansão do Universo, e suas consequências  um modelo de Universo estático deixava de ser compatível com os dados observacionais. Um resultado importante foi a determinação da nucleosíntese primordial, que descreve a produção dos primeiros núcleos em um Universo em expansão. 

    George Gamow, um dos proponentes da nucleosíntese primordial, escreve  a respeito da teoria da luz cansada em um artigo de revisão de 1949, On Relativistic Cosmology, afirmando que 

No entanto, exceto pela declaração descritiva no sentido de que "quanta de luz pode se cansar viajando por um caminho tão longo", nenhuma explicação razoável para tal avermelhamento foi proposta até agora e, na verdade, dificilmente pode ser esperada com base nas ideias atuais sobre a natureza da luz. Além disso, abolindo a ideia de um universo em expansão, perder-se-ia imediatamente a base sólida para a interpretação de fenômenos evolucionários  na astronomia, e será muito difícil  responder a perguntas como por que os elementos radioativos naturais ainda existem, por que as estrelas não consumiram todo o hidrogênio há uma eternidade, etc. [2]

    Além de não existir nenhum mecanismo minimamente aceitável para explicar o que causaria o "cansaço da luz", como não existe expansão do Universo, a densidade da Radiação Cósmica de Fundo (RCF) não se alteraria, de forma que o seu espectro também seria diferente ao do observado.      A RCF foi descoberta por Arno  Penzias e Robert Wilson (o artigo tem acesso livre), que detectaram a presença de um ruido de fundo em todas as direções do céu, que inicialmente acreditavam ser devido a um problema técnico e não um sinal de origem cósmica. Curiosamente, um outro grupo estava preparando um experimento para detectar a Radiação Cósmica de Fundo, e que foram    contactados por Penzias e Wilson, que reconheceram imediatamente que o sinal detectado por  era o sinal procurado, e o artigo de R.H. Dicke , P.J.E. Peeble, PG. Roll e D.T. Wilkinson , Cosmic Black-Body Radiation foi publicado no mesmo número da revista do artigo de Penzias e Wilson.  Este resultado, conjuntamente com a nucleosíntese primordial, são resultados que descartam o nosso Universo como estático.

    A figura 2 é uma ilustração entre as diferenças entre um modelo com expansão do Universo e um modelo de cosmologia de luz cansada.

Figura 2. A Teoria da luz cansada versus Expansão do Universo fonte [3]


    Existem outros dados observacionais que descartam a teoria da luz cansada. Uma delas é a medida do brilho de galáxias distantes. No modelo de um Universo em expansão, o brilho das galáxias distantes é reduzido a devido diversos fatores,   sendo possível mostrar que o brilho diminui basicamente como (1+z)⁻⁴ e no modelo da luz cansada em um Universo estático a diminuição como (1+z)⁻¹ , sendo z o redshift da galáxia (caso não tenha estudado cosmologia, podemos associar distâncias com o redshift, e quanto maior a distância, maior será o redshift), e observacionalmente os dados são compatíveis com um Universo em expansão.

    A teoria da luz cansada  também não é compatível com dados a respeito de Supernovas, a figura 3 retirado do Time Dilation in Type Ia Supernova Spectra at High Redshift de 2008, mostra  a compatibilidade dos dados com a expansão do Universo, caso o fosse estático não deveria variar o redshift.  

Figura 3.  Ver artigo que é de livre acesso.

    

    Sobre o constante reaparecimento da teoria da luz cansada, o astrofísico Ned Wright comenta [3] "Eu não acredito que seja possível convencer as pessoa que ainda sustentam a ideia da luz cansada (...) diria que é mais um problema para uma revista de psicologia  (...)" . 

    



Notas

[1] F. Zwick não utilizou este termo no seu  artigo de 1929  ON THE RED SHIFT OF SPECTRAL LINES THROUGHINTERSTELLAR SPACE e nem posteriormente, de acordo com o artigo  de Helge Kragh IS THE UNIVERSE EXPANDING? FRITZ ZWICKY AND  EARLY TIRED-LIGHT HYPOTHESES . Para outras teorias de luz cansada, ver por exemplo Wesson, P.S. (1980). The Status of Non-Doppler Redshifts in Astrophysics. In: Gravity, Particles, and Astrophysics. Astrophysics and Space Science Library, vol 79. Springer, Dordrecht. https://doi.org/10.1007/978-94-009-8999-3_11

[2] Trecho original However, except for  the descriptive statement to the effect that "light quanta may get tired traveling such a long way, no  reasonable explanation of such a reddening has as yet been proposed, and, as a matter of fact, can hardly be expected on the basis of present ideas concerning the nature of light. Moreover, abolishing the idea of an expanding .universe, one would immediately lose the sound foundation for the interpretation of evolutionary phenomena in astronomy, and it will be very difficult  to answer such questions as to why the natural radio-active elements are still in existence, why the stars did  not use up all hydrogen an eternity ago, etc.


[3] 'Tired-Light' Hypothesis Gets Re-Tired na seção News of the Week na Science.  Texto original

Even so, researchers doubt whether the results will convert tired-light diehards. “I don't think it's possible to convince people who are holding on to tired light,” says Ned Wright, an astrophysicist at the University of California, Los Angeles. “I would say it is more a problem for a psychological journal than for Science.”

O amigo de Wigner

     
Figura 1. Fonte "Do we really understand quantum mechanics?", F. Laloë. Cambridge Press, 2019.


    Em 1967 [1], Eugene Wigner apresentou uma questão que hoje denominamos o amigo de Wigner, em uma  discussão sobre o chamado colapso da função de onda . baseado na seguinte reflexão 

Quando o domínio da física foi estendido para abranger fenômenos microscópicos, através da criação da mecânica quântica, o conceito de consciência voltou à tona: não era possível formular as leis da mecânica quântica de uma forma totalmente consistente sem referência à consciência." [2]

    No texto de 1967, Wigner considera um experimento mental semelhante ao do Gato Schrodinger, mas introduzindo uma pessoa no laboratório, monitorando o experimento "Qual seria a função de onda se meu amigo olhasse para o local onde o flash poderia aparecer no tempo t?" e após uma discussão sobre o processo, conclui " Segue-se que a descrição quântica dos objetos é influenciada pelas impressões que entram na minha consciência." [3] 

    A situação apresentada por Wigner é basicamente a seguinte: em um laboratório existe um experimento que produz um flash , e um observador (o amigo de Wigner)  que está monitorando a situação.  O experimento sendo por exemplo um material radioativo que ao decair, aciona um sinal em uma tela, produzindo um flash de luz na tela.  Nesta situação, o amigo de Wigner ao olhar a tela, pode observar ou não um flash de luz. Se observar o flash, saberá que o material radioativo decaiu, se não observar o flash, saberá que o material não decaiu. Isto basicamente é o que realizamos em um laboratório, de forma que não temos nenhum problema.

    No entanto, vamos imaginar agora que o sistema (LA)  Laboratorio + Amigo de Wigner, está sendo observado por alguém de fora , o Wigner.  Neste caso,  o sistema  LA pela mecânica quântica, será descrito por Wigner ( que está  fora do laboratório) após um certo tempo t de maneira semelhante ao do Gato de Schroedinger, isto é como

"atomo não decaiu, não produz flash, amigo não observa o flash" +  "átomo  decaiu, produz flash, amigo observa o flash" 

que é um estado de superposição análogo ao do gato-vivo , gato-morto do experimento mental do Gato de Schroedinger.

    Para o observador externo (Wigner), até o momento de abrir de realizar a medida  o estado de superposição é a descrição correta de acordo com a mecânica quântica. Neste caso  realizar a medida seria abrir o laboratório e perguntar ao amigo o resultado que ele obteve. E somente após abrir o laboratório, o resultado será  um dos estados, por exemplo "o amigo viu o flash" , deixando de existir a superposição, isto é, ocorreu o colapso da função de onda. 


    Mas se após o final do experimento, Wigner  perguntar  ao amigo "o que você sentiu (a respeito do flash)  ANTES de eu abrir o laboratorio?" a resposta será naturalmente " eu vi (ou não vi) o flash". Isto é, de acordo com o raciocínio de Wigner, implicaria que mesmo antes de ele  (Wigner) "abrir a caixa" a função de onda já teria sofrido o colapso. E compara com a situação na qual se ao invés do amigo, tivéssemos um aparato físico, "como um átomo que pode ou não ser excitado pelo flash de luz" ([1] página 256), não teríamos problemas em assumir que o estado seria descrito por um estado de superposição antes de abrir a caixa (fazer a medida).   Mas a existência de um observador dentro do laboratório,  que segundo a mecânica quântica  implicaria que o amigo estaria "em um estado de animação suspensa" ( segundo E. Wigner   pagina 256 de [1], (...) it implies that may friend was in a state of suspended animation )  seria um absurdo.  Para o amigo, o colapso da função de onda deve ocorrer antes de Wigner abrir o laboratório! 

    Em relação para a questão da consciência citada no início, Wigner argumenta que  "(...)  o ser com consciência deve ter um papel diferente na mecânica quântica do que o dispositivo de medição inanimado: o átomo considerado acima."  e que   "(...)  diferença nos papéis de instrumentos de observação  e observadores com consciência  (...)  é inteiramente convincente, desde que se aceitem os princípios da mecânica quântica ortodoxa em todas as suas consequências" (página 256 e 257 de  [1]).

    Até o momento não existe nenhum experimento que comprove ou não a situação do "amigo de Wigner". Existem  alguns experimentos inspirados na situação, mas  em nenhuma delas o "amigo de Wigner" é um ser consciente.

    A situação conhecido como "o amigo de Wigner" é um exemplo do que ocorre quando levamos ao limite a aplicação da chamada interpretação ortodoxa da mecânica quântica, na qual a função evolui linearmente e de forma determinística  mas quando realizamos uma medida, a evolução deixa de ser  linear, causando o que é denominado colapso da função de onda. 


    Sobre a questão do colapso da função de onda, e a questão de medidas, John Bell [4] questiona se 

"O que exatamente qualifica alguns sistemas físicas para desempenhar o papel de "medidor"? A função de onda do universo estava esperando para saltar por milhares de milhões de anos até que uma criatura viva unicelular aparecesse? Ou  ela teve que esperar um pouco mais, por algum sistema mais qualificado ... com um PhD? Se a teoria for aplicada a  qualquer coisa além de operações de laboratório altamente idealizadas, não somos  obrigados a admitir que processos mais ou menos 'semelhantes a medições' estão acontecendo mais ou menos o tempo todo, mais ou menos em todos os lugares? Não temos saltos o tempo todo?"

    Em teorias como a de Broglie Bohm, ou de muitos mundos de Everett não existem contradições com a situação imaginada por Wigner. Assim, talvez seja um indício de que a mecânica quântica necessita ser modificada em seus aspectos fundamentais. Aqui deixamos claro que a mecânica quântica tem sido testada nas mais diversas situações, e até o momento não existem contradições entre as previsões teóricas e os resultados experimentais. Isto implica que uma futura modificação ( se existir) deve ocorrer para situações limites que ainda não temos condições de realizar experimentos precisos. 



    
Notas


[1] Eugene Wigner, 1995 , "Remarks on the Mind-Body Question", in The Collected  works of Eugene Paul Wigner, parte B, Philosophical Reflections and Syntheses", Springer. Eugene Wigner rececebeu o Nobel de Física em 1963, dividindo com Maria Goeppert Mayer e J, Hans D. Jensen.  

[2] Trecho retirado de  [1], página 248,  "When the province of physical theory was extended to encompass microscopic phenomena, through the creation of  quantum mechanics, the concept of consciousness came to the fore again: it was not possible to formulate the laws of quantum mechanics  in a fully consistent way without reference to the  consciousness."

[3] O trecho completo, retirado de [1], página 252, "It is natural to inquire about the situation if one does not make the  observation oneself but lets someone else carry it out. What is the wave  function if my friend looked at the place where the flash might show  at time t? The answer is that the information available about the object  cannot be described by a wave function. One could attribute a wave  function to the joint system: friend plus object, and this joint system  would have a wave function also after the interaction, that is, after my  friend has looked. I can then enter into interaction with this joint system by asking my friend whether he saw a flash. If his answer gives me the impression that he did, the joint wave function of friend + object  will change into one in which they even have separate wave functions (the total wave function is a product) and the wave function of the object is $f_1$. If he says no, the wave function of the object is $ f_2$ i.e., the object behaves from then on as if I had observed it and had seen no flash. However, even in this case, in which the observation was carried out by someone else, the typical change in the wave function occurred only when some information (the yes or no of my friend) entered my consciousness. It follows that the qu/antum description of objects is  influenced by impressions entering my consciousness."





[4] John Bell, Against Measurement , Physics World, Volume 3, Number 8 Citation John Bell 1990 Phys. World 3 (8) 33.

outubro 04, 2024

Violação da Terceira Lei de Newton ?

A  Terceira Lei de Newton, mais conhecida lei de ação e reação, é considerada extremamente importante na física. Movimento de foguetes, e o nosso caminhar são exemplos da aplicação da Terceira Lei de Newton. Violar a Terceira Lei de Newton, implica em violar a lei da conservação do momento linear, o que torna a sua violação um problema sério. 
No entanto, existem situações nas quais a Terceira Lei parece ser violada.  Como isto pode ocorrer? Teríamos que mudar as leis da física? A resposta é não, o que é necessário é entender o problema físico e verificar a aplicação correta da Terceira Lei.

Um exemplo interessante é o caso de duas cargas elétricas   em movimento, neste caso considerando as forças que atuam em cada partícula, aparentemente temos uma violação da Terceira Lei de Newton, pois as forças não estão na mesma direção! No entanto, quando consideramos o campo eletromagnético, e não apenas as cargas,  podemos verificar que não ocorre a violação da Terceira Lei de Newton [1] . 


Existem outras situações além do caso acima envolvendo dois ou mais corpos e sem a presença de um campo eletromagnético, nas quais aparentemente ocorrem a violação da Terceira Lei de Newton. São situação conhecidas como ações não-reciprocas, e surgem principalmente quando o meio que existe entre as partículas não estão em equilíbrio [2].   Mas é importante ressaltar que se considerarmos o sistema partículas-ambiente, não ocorre a violação da Terceira de Lei de Newton, de forma que a violação é aparente. 

Algumas situações de ações não-reciprocas estão em situação com meios que apresentam elasticidade anômala (odd elasticity). Um sistema elástico não anômalo armazena energia de forma reversível. Um exemplo é o sistema de massa-mola, na ausência de forças dissipativas. Assim, sistemas elásticos anômalos ocorrem quando existem forças não conservativas [3]. 

Recentemente um grupo de pesquisadores ampliaram o  conceito de elasticidade anômala nos denominados micronadadores (microswimmer) , apresentando o que denominaram de  elastohidrodinâmica anômala [4] , e estudaram a dinâmica de uma alga (Chlamydomonas) e do esperma humano. Ambos utilizam seus flagelos para se locomover em seu meio e o resultado do estudo, indicam que o movimento é mais rápido do que o esperado, violando a terceira Lei de Newton. Devido a elasticidade anômala, o movimento dos flagelos dissipa menos energia para o meio, o que permitiria o deslocamento mais rápido do que o esperado.

Do ponto de vista da física, estas situações  devem ser entendidas como resultado da opção de utilizarmos uma construção fenomenológica ou uma teoria efetiva, e não necessariamente devido a uma violação real da Terceira Lei de Newton. E para terminar vale a pena citar  o seguinte trecho do  artigo  indicado na nota [2],

(...) a simetria ação-reação para partículas pode ser quebrada quando sua interação é mediada por algum ambiente de não equilíbrio: tal quebra de simetria ocorre, por exemplo, quando o ambiente se move em relação às partículas, ou quando um sistema de partículas é composto de espécies diferentes e sua interação com o ambiente está fora de equilíbrio. (Claro, a terceira lei de Newton vale  para o sistema completo “partículas-mais-ambiente”.) [5]


Notas

[1] Isto porque o campo eletromagnético possui momento linear e angular, o que garante a validade da Terceira Lei de Newton ( e também evita a noção de ação a distância). Ver por exemplo o artigo  
Newton's Third Law and Electrodynamics , de J.M. Keller , Am. J. Phys. 10, 302–307 (1942).


[2]Apesar da situação de não reciprocidade descrever sistemas fora de equilíbrio, para sistemas de muitos corpos, no artigo Statistical Mechanics where Newton’s Third Law is Broken , os autores propõe utilizar um pseudo-hamiltoniano, o que permite utilizar uma descrição de mecânica estatísitca de sistemas em equilíbrio.


[3] Aqui é importante ressaltar que isto NÃO implica que a conservação da energia é violada. Ver por exemplo o artigo Odd Viscosity and Odd Elasticity Annu. Rev. Condens. Matter Phys. 2023. 14:471–510 " Hence, materials exhibiting odd elasticity are typically active or driven, in the sense that
they must contain or have access to energy sources. Elasticity can also be used to model systems
in which the stress σ is not physically a current of linear momentum, and 1W el is therefore not
an energy. In these cases, odd elastic moduli can arise without activity". O artigo (pre-print)  pode ser acessado livremente no repositório do Arxiv.


[4] No original os autores no artigo (acesso livre)   Odd Elastohydrodynamics: Non-Reciprocal Living Material in a Viscous Fluid , apresentam This theory, which we call odd  elastohydrodynamics, therefore provides a unified framework  for the study of nonlocal, non-reciprocal interactions of an elastic material in a viscous fluid.

[5] O trecho completo do artigo é 
However, the action-reaction symmetry for particles can be  broken when their interaction is mediated by some non-equilibrium environment: Such symmetry breaking occurs, for instance, when the environment moves with respect to  the particles, or when a system of particles is composed of different species and their interaction with the environment  is out of equilibrium. (Of course, Newton’s third law holds  for the complete “particles-plus-environment” system.)

setembro 17, 2024

Lentes Gravitacionais

     

Fonte 1: Registro do efeito das Lentes Gravitacionais, os arcos de luz são imagens distorcidas de galáxias distantes. Fonte: NASA 

    A chamada Lente Gravitacional tem origem no fenômeno da deflexão da luz [1] devido ao campo gravitacional de um corpo (a lente) com massa M. Esta deflexão da luz foi inicialmente prevista com a utilização da Gravitação Newtoniana, e foi calculado pela primeira vez por J. Soldner em 1801.  Isto pode ser uma surpresa para algumas pessoas, pois é comum associar este fenômeno com a Teoria da Relatividade Geral desenvolvida por Albert Einstein em 1917. A primeira observação da deflexão da luz pelo Sol foi realizada durante um eclipse solar em Sobral, no interior do Ceará em 1919, e as observações  confirmaram a existência da deflexão da luz pelo Sol e com um valor compatível com a previsão da Relatividade Geral, descartando o valor obtido com a utilização da Gravitação Newtoniana [2]. 

    Utilizando o efeito da deflexão da luz é possível demonstrar que um objeto massivo funcione como uma lente gravitacional [3]. Isto ocorre porque a presença de um corpo massivo curva o espaço tempo ao seu redor,  de forma que  o caminho que a luz percorre sofre um desvio da linha reta, que seria esperado na ausência da massa. Na figura 2 apresentamos uma representação esquemática de uma Lente Gravitacional, sendo a fonte e a lente pontuais (figura não está em escala).


Figura 2. Representação esquemática de uma lente gravitacional. Fonte Wikipedia

    Uma lente gravitacional pode ser resultado da ação de qualquer objeto com massa, e o ângulo de deflexão ( o ângulo $ \alpha $ na figura 2) aumenta com a massa ($ \alpha  \propto \sqrt{M} $) . E quanto mais próximo do objeto ( a distância b na figura 2), maior o ângulo de deflexão. E a massa não precisa ser pontual, permitindo  que galáxias e seus aglomerados possam atuar como uma lente gravitacional. As imagens formadas dependem da posição (incluindo as distâncias)  da fonte, da distribuição de massa do objeto que atua como uma Lente Gravitacional,  Na figura 3, apresentamos no lado esquerdo uma imagem em forma de anel quase completo (compare com a figura 1) e do lado direito quatro imagem de um mesmo objeto, formando uma cruz.


Figura 3. No lado esquerdo o Anel de Einstein e no lado direito a Cruz de Einstein, que são dois tipos de imagens que podem ser produzidas por lentes gravitacionais. Fonte ESO
    
      

    Este efeito não depende do comprimento de onda, de forma que uma lente gravitacional é acromática, que é diferente do caso de uma lente comum (digamos de vidro) na qual o ângulo de deflexão depende do comprimento de onda. Isto ocorre porque no caso do vidro (figura 4), o meio que é responsável pela deflexão é dispersivo, isto é o índice de refração (consequentemente o ângulo de deflexão) vai depender do comprimento de onda, logo as diferentes cores sofrem desvios diferentes. Mas no caso da lente gravitacional é a curvatura do espaço-tempo que causa a deflexão, e isto não depende do comprimento de onda da luz, que torna o processo acromático [4]. 


   

Figura 4. Aberração cromática em uma lente. Fonte By DrBob at the English-language Wikipedia, CC BY SA3.0, wikipedia 

    Devido ao fato da deflexão da luz não depender do seu comprimento de onda, podemos utilizar o espectro obtido para determinar a distância da fonte até o observador, usando a relação entre o chamado redshift cosmológico e a distância. As imagens produzidas por lentes gravitacionais nos permitem estudar a distribuição de massa (incluindo a matéria escura)  de objetos que atuam como uma Lente Gravitacional, detectar objetos que possuem baixa luminosidade. pois as Lentes Gravitacionais amplificam a luminosidade).  

    Efeitos de Lente Gravitacional com estrelas em nossa Galáxia dificilmente podem ser observadas - em particular nosso Sol não produz efeito de Lente Gravitacional que seja possível de ser detectado na Terra, de forma que o que podemos observar são os efeitos de Lente Gravitacional de objetos fora de nossa Galáxia. Este fato   nos permite utilizar estes efeitos também como uma ferramenta de estudo em Cosmologia; Os efeitos de múltiplas Lentes Gravitacionais, flutuações  no brilho de objetos distantes , observações  de galáxias de baixa luminosidade, distribuição de matéria escura, e outros estudos podem ser realizados com a utilização da Lentes Gravitacionais [5] e estes resultados são excelentes testes observacionais na área de Cosmologia. 

    Sendo acromática,  implica que no estudo de lentes gravitacionais ( excluindo o efeito do meio na qual a luz está propagando) podemos sempre utilizar a ótica geométrica? Isto é, desconsiderar as propriedades ondulatórias da luz? A rigor não podemos. Consideremos dois feixes de luz emitidos de regiões muito próximas da fonte. Este feixe sofre a ação de uma lente gravitacional, sendo posteriormente detectada. Dependendo da situação, estes dois feixes são coerentes, de forma que ao serem observados, a princípio é esperado a presença de difração, que é um efeito devido a característica ondulatória da luz. No entanto as condições necessárias para que estes efeitos  sejam observados são muito restritivos, de forma que na prática a aproximação de ótica geométrica no estudo de lentes gravitacionais é perfeitamente adequada, pois com os equipamentos  existentes estes efeitos difrativos não são atualmente possíveis de serem detectados.  



    

Notas

[1] A deflexão ocorre para todos os comprimentos de  onda, mas é comum utilizar o termo luz no sentido mais genérico de ondas eletromagnéticas, e neste texto vamos seguir este padrão. 

[2] Em relação ao valor previsto pela Gravitação Newtoniana é $  \alpha = 0,87  $ segundos de arco,  que é  a  metade do valor previsto pela Relatividade Geral.  Uma informação interessante é que Einstein em 1911 (portanto antes da elaboração da Relatividade Geral), apresentou uma estimativa para a delflexão da luz semelhante ao obtido com a Gravitação Newtoniana. Sobre a expedição em Sobral, ver  por exemplo   Do Eclipse Solar de 1919 ao Espetáculo das Lentes Gravitacionais  de JAS Lima e RC Santos. 

[3] No livro Gravitational Lenses (1992) , P Schneider, J. Ehlers, E.E. Falco,   os autores citam que a primeira utilização do termo "lente gravitacional" foi devido a O. Lodge em 1919, mas no sentido negativo, isto é de que não existiriam as lentes gravitacionais. Ressaltamos que não devemos simplesmente utilizar os conceitos de uma lente ótica para uma lente gravitacional, uma diferença importante sendo que na lente gravitacional, não existe um ponto focal, que é um dos argumentos utilizado por Lodge "it is not permissible to say that the solar gravitational field acts like a lens, for it has no focal lenght" (o artigo pode ser acessado aqui ). Na Lente Gravitacional ao invés de um ponto focal, possuímos uma linha focal.  


[4]  Isto implica que eventuais efeitos dispersivos que venham a ocorrer estão relacionados com o meio pela qual a luz percorre até atingir o observador, não sendo devido ao fenômeno da Lente Gravitacional.  No caso de fontes extensas como as galáxias, as diferentes regiões podem possuir espectros de emissão distintos, e devido ao fato de ser extenso, estas diferentes partes sofrem desvios distintos pela Lente Gravitacional, mas esta diferença é devido a diferença nos ângulos de incidência ( por exemplo os ângulo $ \theta $ na figura 2) e não devido ao comprimento de onda da radiação.


[5] Para um texto não técnico, ver por exemplo  Gravitational lensing: a unique probe of dark matter and dark energy , que é um texto não técnico de RS. Ellis, publicado em 2010..  

julho 31, 2024

O artigo de Werner Heisenberg de 1925

    Nos cursos de física, seja na licenciatura ou no bacharelado a mecânica quântica é normalmente abordada através da equação de Schroedinger, e dificilmente a abordagem de Heisenberg é apresentada. Mas o artigo de Heisenberg é a que marca o surgimento da atual mecânica quântica  pois foi  publicado  em 1925 e o artigo de Schroedinger um ano depois, em 1926.  Nas disciplinas da graduação no máximo é  apresentado algum comentário  de que Heisenberg utilizou uma abordagem de matricial, possivelmente Heisenberg é muito mais associado ao Princípio de Incerteza do que propriamente ao desenvolvimento de mecânica quântica. Qual seria a razão da preferência pela abordagem de Schroedinger?

     Hoje sabemos que as duas abordagens , a de Heisenberg e de Schoedinger são equivalentes. Esta equivalência foi inicialmente demonstrada por Shcroedinger e posteriormente por Von Neumann. 

    O interessante é que Heisenberg, apesar de ter seu nome associado a uma abordagem matricial da mecânica quântica, não sabia que estava trabalhando  com matrizes, pois na época não fazia parte da formação de um físico. Foi Max Born e Pascual Jordan que posteriormente demonstraram  que Heinseberg utilizou  matrizes em seu  artigo.

    Apesar de ser um artigo difícil para ser entendido por alunos de graduação em física e talvez mesmo para estudantes de pós-graduação em física , ler pelo menos algumas   partes do artigo é bastante instrutivo. No artigo "Understanding Heisenberg’s “magical” paper of July 1925: A new look at the calculational details"  (o artigo pode se acessado livremente aqui ) os autores comentam que os físicos teóricos em seus trabalhos mais influentes podem ser separados em dois grupos: os sábios e os mágicos. Os artigos sábios não são difíceis de se entender, e a dos mágicos difíceis de se entender. O artigo de Heisenberg seria " mágica pura". 

    Logo no início do artigo Heisenberg escreve [1]

    "É bem conhecido que as regras formais que são utilizadas na teoria quântica para calcular quantidades observáveis tais como a energia do átomo de hidrogênio  (...) contém como elementos básicos, relações entre quantidades que aparentemente não são a princípio observáveis, por exemplo, a posição e o período de revolução do elétron" e mais adiante  afirma que seria razoável "tentar estabelecer uma mecânica quântica teórica, análoga à mecânica clássica, mas na qual apenas  as relações entre quantidades observáveis ​​ocorrem.’’  Lembrando que em 1925, o modelo teórico utilizado para descrever o átomo era o de Bohr, que misturava um modelo de órbitas clássicas do modelo de Rhuterford com uma imposição de existência de órbitas estacionárias com a sua regra de quantização do momento angular.

Desta forma, Heisenberg apresenta a sua versão da mecânica quântica considerando certas relações que já se conhecia a respeito da frequência de emissão de sistemas atômicos. Outro guia importante seguido por Heisenberg foi o Princípio da Correspondência de Niels Bohr. Este princípio estabelece que para números quânticos grandes a mecânica quântica deve resultar na física clássica.

Heisenberg analisou um sistema em uma dimensão,  considerando uma equação genérica de movimento

$$\ddot x + f(x)= 0$$

 No entanto, como considera que a posição não é uma grandeza observável, reinterpreta a equação de posição de uma maneira " mágica", relacionando com a amplitude de emissão de radiação em uma dada transição ( lembrando que o Modelo.de Bohr já era conhecido).  No artigo Heisenberg escreve que classicamente  temos $$x(t) y(t) = y(t) x(t)$$ mas a mesma relação não seria válida na teoria quântica  lembrando que $$x(t), y(t)$$ não são posições na construção de Heisenberg, mas representam alguma grandeza física. E foi  nesta construção que Heisenberg obtém uma relação que mais tarde Born e Jordan associaria com matrizes. 

As o final do artigo Heisenberg comenta que somente investigações mais detalhadas  poderá decidir se o método apresentado superficialmente no artigo é satisfatório para a construção de uma  mecânica quântica teórica correta. O tempo mostraria que a proposta de Heisenberg estava correta. 

Mas como a abordagem de Schroedinger demostrou ser mas compreensível para os físicos ( seja pela abordagem, que utilizou técnicas mais familiares para os físicos, seja pela escrita menos "mágica"), não se tornou a principal abordagem da mecânica quântica, e sua maior facilidade também tornou a abordagem de Schroedinger mais adequada para o ensino. No entanto, com o advento da computação quântica a abordagem matricial pode se tornar a mais adequada, pois trabalhar com sistemas de dois estados com matrizes é muito mais simples do que a solução da equação de Schroedinger e quem sabe, a abordagem de Heisenberg se torne mais adequada para um curso inicial e portanto mais conhecida.


[1] Uma versão em.ingles do artigo de Heisenberg pode ser acessado neste link.Ou no livro Sorces of Quantum Mechanics .

 





    



    

julho 22, 2024

Terapia Quântica Não Funciona

 Uma simples conta parac mostrar que a Terapia Quântica não funciona. 

Um dos grandes avanços da física é sem dúvida o desenvolvimento da física , que tem seu início com o trabalho de Max Planck em 1900. O seu impacto em nossa sociedade  muito além da física com aplicações nas mais diversas áreas desde a engenharia até a filosofia.



Esta presença em diversos setores na nossa sociedade, traz também algumas aplicações no mínimo duvidosas. Uma delas 4 as das chamadas terapias quântica.

É importante ressaltar que não existem experimentos ou observações que a justifiquem. Os defensores das terapias quânticas argumentam  que existem evidências ( que não existem) ou que as evidências são poucas  devido a estarem além dos limites dos experimentos ( o que não é verdade) ou que ainda não foram realizados os experimentos corretos ( mas não indicam quais seriam os experimentos corretos).
 
Mas existindo ou não os experimentos podemos utilizar como nosso suporte a construção teórica da física quântica, utilizando como nosso guia para indicar o que pode ser observado  para validar ou não a terapia quântica. Sem entrar em detalhes da física quântica, vamos considerar inicialmente o termo vibração ou frequência de vibração que é utilizado nas chamadas terapias quântica, e partindo da hipótese defendida pelos terapeutas quânticos de que física quântica justifica esta construção, vamos verificar se isto é razoável. Ou seja,  vamos utilizar o que a física quântica nos fornece para analisar o que é defendido pelas terapias quânticas é razoável ou não.

Nestas terapias é comum associar ao corpo humano uma frequência na faixa de algumas dezenas de hertz a algumas centenas de hertz, e que as energias associadas a estas vibrações são importantes indicadores da saúde de uma pessoa, de forma que as trocas de energias devido a estas vibrações seriam importantes para a saúde humana.

Já deixando claro que associar uma frequência natural de vibração ao corpo humano, não tem nenhum sentido. Mas vamos assumir que tenha algum sentido, para podermos realizar algumas comparações. Como nos textos sobre Terapias Quânticas nada é dito de forma explícita, precisamos fazer algumas considerações para podermos realizar as nossas comparações.

Quando relacionam a frequência com a energia, possivelmente estão fazendo referência para a seguinte equação

E=hf

da física quântica que relaciona a energia com a a frequência, sendo h a constante de Planck , f a frequência e E a energia. A constante de Planck é cerca de 6,62 x 10⁻³⁴ J.s, sendo J.s=joules por segundo, lembrando que a frequência (hertz) tem como unidade o inverso do segundo (s⁻¹). Substituindo as frequências associadas ao corpo humano , digamos de 100 Hz, obtemos para a energia o valor de

E= 6,62 x 10⁻³² J

De acordo com os pressupostos das terapias quânticas, esta seria a energia que as nossas "vibrações" transportam e esta troca de energia teria forte influência em nossa saúde. Para quem não estuda física, talvez não fique claro o significado desta energia. Assim, vamos comparar com alguma grandeza de energia que é mais próxima de uso cotidiano.

Podemos comparar esta energia com a energia com a quantidade de energia que é considerada ideal para ser ingerida na forma de alimentos, que é em torno de 2000 kcal ou cerca de 8,36 x 10⁶ J
Esta energia (o consumo ideal de energia diária) é cerca de 10³⁸ vezes (38 zeros após o número 1 ou de forma explícita 100000000000000000000000000000000000000 ) vezes maior que a "energia de vibração" de nosso corpo. O que isto significa? Que o valor da chamada "energia de vibração do nosso corpo" é muito menor que a energia necessária para mantermos nosso corpo  funcionando.

Ainda como comparação se ingerirmos um grama de arroz, a sua influência será ainda MUITO MAIOR que a suposta influência da energia de vibração do nosso corpo! Um grama de arroz tem cerca de 10⁴ J ou 10000 J de energia, isto é 10³⁵ vezes maior que a "energia de vibração" do nosso corpo. 

Então do ponto de vista das energia envolvidas, a suposta "energia de vibração" do nosso corpo é completamente desprezível. Comer um grão de arroz (que tem uma massa de cerca de 20 mg ) tem muito mais influência na variação de energia do nosso corpo do que a suposta energia de vibração.
Então as afirmações de que a Terapia Quântica é justificada pela física quântica, não são corretas.
Na verdade a física quântica mostra que a Terapia Quântica não funciona.









julho 18, 2024

Raio N

    Na história da ciência, geralmente, não contamos os caminhos que deram errados, e isto muitas vezes passa a impressão que o avanço é linear, com progressos e mais progressos. Mas isto está bem longe do que ocorre nas ciências.  Uma história  interessante e instrutiva é a descoberta do Raio N.O que é o Raio N? Nunca ouviu falar? Não é surpresa, pois ela não existe. Mas no início do século XX, quando foi anunciada a sua descoberta, foi um grande alvoroço! Para entender um pouco da situação, vamos relembrar o panorama do período, em especial na física.

    Em 1895, Roentgen anunciava a descoberta do raio-X , e nos próximos anos, trabalhos de Becquerel, dos Curie tornava o estudo da radioatividade uma área de intensas pesquisas. Foram descobertos, os raio gama, alfa, beta e uma série de elementos radioativos. Dentro deste cenário de descobertas de novos tipos de radiação, em 1903 um físico francês, reconhecido e respeitado, anuncia a descoberta de um novo tipo de radiação, o Raio N. A letra N é uma homenagem à cidade de Nancy, onde  René  Blondlot, o descobridor do raio N trabalhava. Blondlot não era um físico qualquer. Era respeitado e experiente, e extremamente cuidadoso. As descrições dos seus experimentos para a detecção do Raio N, mostram uma legítima preocupação em determinar as características desta nova radiação.

    Logo após o anúncio da sua descoberta, outros pesquisadores repetiram os experimentos, e conseguiram detectar o raio N. E o mais interessante, foram relatados emissão de raio N por diversos objetos, incluindo o Sol e mesmo por pessoas, que continuavam a emitir mesmo mortos.  O número de publicações sobre o assunto, em um período de um ano e meio após o anúncio da descoberta, aumentou de forma explosiva. Blondlot em 1904 recebeu um prêmio da Academia de Ciências da França pelos seus trabalhos com o raio N. O assunto era um sucesso!

    Mas, outros pesquisadores não conseguiram detectar o raio N. Pesquisadores como  Kelvin, Otto Lummer, William Crookes não conseguiram reproduzir os resultados. A alegação de Blondlot, era que como o efeito era muito sensível, era necessário uma acuidade visual muito boa.

    Em 1904 o físico americano Robert Wood, que também não conseguia  detectar os raios N,  resolveu visitar o laboratório de Blondlot na França, para tentar entender o que era necessário para reproduzir os resultados. Isto mostra como Blondlot era bem considerado. Na França, Blondlot realizou os experimentos na presença de Wood. Para a decepção de Wood, apesar de Blondlot e seu assistente alegarem que estavam observando o fenômeno, para Wood isto não era claro.

    Neste experimento o raio N , de acordo com Blondlot, atravessava um prisma de alumínio e produz um espectro, como no caso da luz ao atravessar um prisma. Este espectro, causaria um aumento no brilho em alguns pontos em uma tela fosforescente, que Blondlot mostrava para Wood, que não conseguia ver nenhum efeito! Ele resolveu fazer uma modificação no experimento, sem que Blondlot e seu assistente percebessem. O laboratório era bem escuro, assim com  cuidado, retirou o prisma do aparelho e pediu  que o experimento fosse novamente realizado. Para a surpresa de Wood  Blondlot e seu assistente continuavam a detectar a cintilação, mesmo sem a presença do prisma! Isto foi suficiente para Wood, ter a certeza de que o efeito não era real.  Wood enviou uma carta para a revista Nature, relatando a sua visita, e a não observação do fenômeno.

    Após a publicação da carta de Wood na Nature, os relatos de detecção do raio N simplesmente deixaram de existir.

    É importante deixar claro que Blondlot não era uma fraude. Mas este caso mostra que mesmo pesquisadores cuidadosos, podem cometer erros de interpretação dos resultados. E a importância da realização de experimentos por grupos independentes, para a verificação dos resultados.

Referências

APS, September 1904: Robert Wood debunks N-rays, 
https://www.aps.org/archives/publications/apsnews/200708/history.cfm

YAMASHITA, M . A lição do caso dos "raios N", Revista Questão de Ciências,  https://revistaquestaodeciencia.com.br/artigo/2023/05/22/licao-do-caso-dos-raios-n

MARTINS, Roberto de Andrade. Os "raios N" de René Blondlot: uma anomalia na história da física. Rio de Janeiro: Booklink; São Paulo, FAPESP; Campinas, GHTC, 2007. (Scientiarum Historia et Theoria, vol. 3)