dezembro 15, 2023

Qual máxima temperatura o corpo humano suporta?

    



     Esta é uma pergunta bastante importante, principalmente com o aumento global da temperatura média na Terra. Nos últimos anos ondas de calor tem sido cada vez mais frequentes, e neste ano de 2023, no mês de outubro foi registrado pela primeira vez uma temperatura média acima de 2,0⁰C em relação ao período pré-industrial. Algumas regiões tem registrado temperaturas extremamente elevadas com temperaturas acima de 40⁰C em muitas regiões.

        O que ocorre com nosso corpo, se a temperatura externa estiver muito alta, como registrado neste ano em vários locais? Lembrando que o ser humano  mantem a sua temperatura corporal relativamente constante, que vai depender da pessoa, mas é cerca de 36⁰C a 37⁰C. em condições normais. Se a temperatura do ambiente for mais alta do que a do nosso corpo, vai ocorrer uma transferência de calor do ambiente para o nosso corpo. Se consideramos que nosso corpo gera uma quantidade de energia, mesmo em repouso, ao receber mais energia do ambiente, a temperatura do corpo vai aumentar SE não tiver um processo de dissipação de energia eficiente. Se a temperatura corporal exceder 40⁰C , sofremos um estresse térmico e entramos em sério risco para a nossa saúde. Desta forma é importante que mesmo que o ambiente esteja com temperatura acima de 40⁰C, nosso corpo consiga transferir de maneira eficiente de manter a sua temperatura corporal próximo da faixa normal. 

    Felizmente nosso corpo possui mecanismos de regulação da temperatura corporal  relativamente eficientes [1]. Um destes mecanismos   é o suor,  e o outro  é o aumento da circulação sanguínea do interior do corpo para a pele. O suor ao evaporar, ajuda a reduzir a temperatura do corpo e o sangue também ajuda a reduzir a temperatura interna, com um fluxo de calor da parte interna do corpo para a superfície do corpo. 

    Estes dois mecanismos resultam em um aumento no nosso metabolismo. Se a variação da temperatura externa estiver dentro de um certo limite, esse aumento no metabolismo não causará problemas para as pessoas.  Não existe ainda um valor exato e que seja válido para todas as condições ambientais, para  os limites inferior e superior considerados adequados para o ser humano. Mas uma faixa conservadora é de cerca de 28⁰C a 32⁰C (temperatura de bulbo seco) [3], nesta faixa nosso metabolismo não fica sobrecarregado para esfriar ou aquecer o nosso corpo .  Fora desta faixa,  ocorre um aumento no nosso metabolismo além do considerando normal. Lembrando que o aumento da circulação sanguínea ocorre devido ao processo de vasodilatação (para  o caso de aumento da temperatura). Aumentando diâmetro, para o fluxo sanguíneo não ser reduzido, o coração passa a funcionar com maior intensidade. E esta condição pode causar problemas, dependendo das condições de cada pessoa.

    Um estudo recente [2] indica que o estresse cardiovascular aumenta com a temperatura, sendo que dependendo da umidade relativa do ar, a temperatura critica  varia de 34⁰C (ar úmido) para 41⁰ C (ar seco) [3], este resultado tendo sido  obtido com  pessoas realizando atividades físicas leves dentro de um ambiente controlado.  Mas outros estudos indicam que mesmo pessoas que estejam em repouso, sofrem do estresse cardíaco, devido a variação na temperatura. Isto quer dizer que mesmo que estejamos apenas descansando, em uma área sem incidência solar, se a temperatura estiver alta, estamos em situação de estresse cardíaco .

      Mas qual seria a razão de que em condições de alta umidade, o estresse ser maior? O que ocorre é que em ambientes úmidos a evaporação se torna menos eficiente [3].    

      Podemos fazer uma estimativa da energia que é dissipada pela evaporação do suor, usando $Q=mL$ em que $m$ é a massa do suor (que vamos aproximar como água pura) e $L$ é o calor específico.   Para determinarmos a massa do suor, podemos utilizar uma estimativa de sudorese da ordem de 1 Litro por  dia ou 1kg por dia. Assim em um dia com a evaporação do suor, cerca de $ Q= (10³ g) ( 580 cal/g) =5,8 . 10^5 cal $ ou cerca de  2,43 MJ [4] são retirados do nosso corpo, ou se pensarmos em potência, seriam cerca de 28 W.  Em situações de grande sudorese, podemos perder uma quantidade maior de água. Por exemplo se perdemos 3 litros de água com suor, a potência dissipada será 3 vezes maior ou cerca de 90 W. Este é um valor para o ar seco. Para ar úmido a situação é outra, e taxa de resfriamento será menor, no entanto nosso organismo continuará a tentar reduzir a sua temperatura  corporal. Lembrando que estando o ambiente com temperaturas elevadas, a fonte externa continuará atuando. Isto é semelhante a manter um equipamento continuamente funcionando no limite,  e nesta situação a probabilidade de ocorrer uma pane no equipamento é maior do que quando está funcionando em situação normal. Assim,  mantendo este processo por muito tempo, uma pessoa pode entrar em um regime de estresse elevado, e ter problemas sérios de saúde. Mesmo estando sem realizar atividades físicas intensas.

    Respondendo a pergunta inicial, apesar de não conhecermos ainda o limite superior exato, sabemos que se a temperatura do bulbo seco for da ordem de 40⁰C (ou talvez um pouco menor), o que tem sido alcançado em vários locais,  nosso corpo começa a sofrer um estresse cardíaco. E este estresse for mantido por muito tempo, pode levar ao óbito, principalmente pessoas mais idosas ou com algum problema de saúde. Além do estresse cardíaco, podem ocorrer outros problemas de saúde, que ainda não conhecemos.  E infelizmente talvez  comecemos a ter mais dados, caso as temperaturas se mantenham neste patamar ou aumentem.

    A recomendação para os dias muito quentes, é evitar  locais com temperaturas elevadas, mesmo na sombra. Tomar muito líquidos. Se não for possível frequentar ambientes com ar condicionado, um ventilador é melhor que não ter ventilador. Mesmo não reduzindo a temperatura do ambiente, o ventilador ajuda no processo de evaporação e convecção, o  que ajuda na troca de calor [6].  

    Mas se a temperatura na Terra continuar a subir, chegará um momento que as temperaturas serão suficientemente elevadas, que não existirá condições de manter, mesmo que artificialmente, a temperatura reduzida para a maioria da população. A solução que devemos tomar, e de forma urgente, é  reduzir drasticamente a produção de resíduos térmicos que são transferidos para a atmosfera.  


Referências

[1] How hot is too hot for the human body? Study offers new insights 

[2] Onset of cardiovascular drift during progressive heat stress in young adults (PSU HEAT project). Rm. Cottle, KG Fischer, ST Wolf, WL Kenney, 22 Jun 2023, 135(2):292-299 https://journals.physiology.org/doi/abs/10.1152/japplphysiol.00222.2023  

[3] Normalmente a temperatura que são anunciadas são de bulbo seco.  Em estações meteorológicas as medidas de temperatura com bulbo seco e bulbo úmido, permitem determinar a umidade relativa do ar. No caso de termos umidade relativa do ar 100%, a temperatura do bulbo úmido é igual ao bulbo seco. Com umidades menores, a temperatura do bulbo úmido é menor que a  temperatura do bulbo seco.

[4] Para saber sobre como a umidade afeta o chamado "conforto térmico", veja por exemplo em Conforto térmico para humanos. É importante também diferenciar a temperatura de bulbo seco com a temperatura de bulbo úmido.

[5] Note que utilizamos como calor latente de evaporação o valor de 580 cal/g ao invés de 540  cal/g. Isto porque a evaporação não está ocorrendo em 100⁰C, e o calor latente de vaporização varia com a temperatura.  Este site possui uma calculadora do calor latente em função da temperatura.

[6] Ver por exemplo em  Ar movimentado por um ventilador é frio? . 

dezembro 07, 2023

Buraco no Sol

 Extra, extra. “Um buraco gigantesco no Sol! Uma cratera gigantesca no Sol! Um buraco sessenta vezes maior que a Terra na superfície do Sol.” Recentemente apareceu nos jornais esta notícia com algumas variações. Será realmente um buraco no Sol?


Figura 1. O buraco coronal, em 03/12/2023. Fonte Nasa




    O Sol é basicamente um gás muito quente, mantido por reações nucleares (fusão nuclear) no seu interior. Este gás é tão quente que os átomos são ionizados (perdem seus elétrons), e esta mistura de átomos ionizados, formam o que denominamos plasmas. Na física sabemos que cargas em movimento geram campos magnéticos, e por outro cargas elétricas em movimento são afetadas por campos magnéticos. Isto gera uma dinâmica extremamente complexo do plasma solar.

    Uma destas consequências é formação de arcos como na figura 2, em que podemos ver a formação de um arco com início e fim na superfície solar.

Figura 2. Uma imagem de um arco na superfície do Sol (fonte Nasa) 


    Neste tipo de arco solar, cada região do arco na superfície do Sol, tem polaridades diferentes (é como colocar limalhas de ferro na presença de um imã, as limalhas se alinham de um polo magnético a outro), e o arco faz a ligação entre estes dois polos magnéticos. Algumas vezes estes arcos são rompidos, ejetando material para o espaço, e que podem atingir a Terra. Uma simulação do que ocorre no Sol, pode ser acessado neste vídeo.

    O chamado buraco coronal aparece quando surgem regiões unipolares na superfície do Sol, isto é, uma única polaridade, e que são denominados campos magnéticos “abertos”[1] . Por serem abertos, as partículas carregadas podem ser transportadas por estas linhas de campo magnético para grandes distâncias. Nesta região do buraco coronal, a densidade do plasma e sua temperatura são menores do que nas suas vizinhanças (fora do buraco coronal) . No entanto, se for observado na faixa da radiação visível (luz), não é possível ver o este buraco coronal. Para que possamos ver o buraco coronal, é preciso observar em frequências maiores que a da luz visível, por exemplo no ultravioleta ou no raio-x mole.

    Um buraco coronal é formado na região da atmosfera solar denominado coroa solar, que é região da atmosfera solar, mais distante. Então é região longe da sua superfície.

    E uma buraco coronal é a mesma coisa que manchas solares?Seria o buraco coronal uma mancha solar gigantesca? Não, pois a mancha solar é formada na chamada fotosfera , que é uma camada da atmosfera mais profunda que podemos observar na faixa da luz visível, portanto sendo formada em uma região diferente do buraco coronal.


Foto 3. Um registro de manchas solares. Fotograma retirado deste video da Nasa.



    Assim os buracos coronais não são “buracos”, “fendas” ou “crateras” na superfície do Sol, mas uma região que é mais fria e menos densa que as regiões vizinhas, e sendo formado devido a existência de um campo magnético aberto. E sua existência não é rara no Sol. 

    Mas estes fenômenos por produzirem um feixe de partículas de alta energia, podem causar perturbações quando atingirem a atmosfera terrestre. Nos casos extremos podem afetar as comunicações na Terra. Esta é uma preocupação em relação a estes tipos de buracos coronais. Mas este que foi anunciado, não deve ser preocupante, não deve causar problemas aqui na Terra. Infelizmente, nossos problemas são gerados pela própria humanidade.




Notas

[1] Utilizamos “abertos” entre aspas, porque estes campos não são de fato abertos, pois as leis do eletromagnetismo não permitem. Então estamos na verdade observado apenas uma parte do campo magnético.






dezembro 01, 2023

A origem do termo fóton

    Possivelmente o primeiro contato que temos com o termo fóton nos cursos de graduação, é quando estudamos física moderna, com a discussão do trabalho de Albert Einstein a respeito do efeito-fotoelétrico.
Ilustração do efeito fotoelétrico . Fonte


     Neste artigo (uma tradução em inglês do artigo pode ser acessado aqui ), é introduzido o conceito de quantum de luz , ou de acordo com  Einstein [1]:

A concepção segundo a qual a luz excitadora é constituída de quanta de energia (hv) permite conceber a produção de raios catódicos [elétrons] pela luz da maneira seguinte. Quanta de luz penetram na camada superficial do corpo; sua energia é transformada, pelo menos em parte, em energia cinética dos elétrons (...) 

    E neste artigo, o termo fóton não é utilizado nenhuma vez. De fato, este termo não tem origem no artigo de Einstein. O primeiro registro do termo fóton, aparece em uma carta que G. Lewis enviou para a revista Nature em 1926 [2].  Nesta carta aos editores, Lewis  inicia comentando  que  "nos  processos  nos quais  um átomo perde energia radiante, e outro átomo nas proximidades recebe a mesma energia, de forma abrupta e  única"  lembra os processos nos quais "uma molécula perde ou ganha um átomo  ou um elétron na sua totalidade, mas nunca uma fração de um ou de outro". E comenta que graças a genialidade de Planck, posteriormente Einstein desenvolveu a ideia do quantum de luz, sendo que mais adiante Lewis   escreve que: 
 
" Tomo a liberdade de propor para este hipotético novo átomo, que não é luz, mas possui um papel essencial em todos processos de radiação, o nome fóton."

    Lewis, apresenta a ideia  de que o número de fótons seria uma grandeza conservada, e ressalta que esta ideia aparentemente traz dificuldades para explicar alguns fenômenos observados (resultados de espectroscopia de sistemas atômicos), mas comenta que tem a esperança que seja possível utilizar o conceito de conservação de fótons para derivar algumas propriedades que são observados, e que não entre em conflito com os dados observados, mas que até o momento "não tinha ainda conseguido" uma construção adequada.  Assim, a proposta do fóton apresentada por Lewis é diferente do conceito de quantum de luz , introduzido por Einstein em 1905, e sendo importante ressaltar que o número de fótons, não é uma grandeza conservada.

    A primeira utilização do termo fóton (de acordo com [3]), no sentido que atualmente utilizamos, foi devido a Arthur Compton, que o utilizou o termo no Congresso de Solvay de 1927.  


V Congresso de Solvay, 1927.


 Os Anais do V Congresso de Solvay, tinha como título "Elétrons e Fótons", mas o termo fóton não aparece em nenhum dos títulos dos trabalhos apresentados no Congresso, mas aparece  nos registros da palestra de A. Compton, que cita a carta de Lewis [4]:

"Em relação a esta unidade de radiação, eu usarei o nome "fóton", sugerido recentemente por G.N. Lewis ...Quando comparado com os termos "quantum de radiação" a "quantum de luz", este nome tem a vantagem de ser curto (...) "

    Posteriormente, ao receber o Prêmio Nobel, em dezembro do mesmo ano, A.H. Compton voltaria a utilizar o termo fóton em sua palestra durante a cerimônia de recebimento do Prêmio Nobel [5]. 

    Desta forma o termo fóton, surge mais de 20 anos após o artigo de Einstein de 1905, e apesar do termo ter sido sugerido para uma outra situação,  foi    A.H. Compton,   que (re)utilizou o termo fóton  para descrever o "quantum de luz", como utilizamos atualmente.
   
    
Notas e referências
[1]Versão em português,  de  Einstein e seus Trabalhos de 1905 e 1915 , de autoria de Ildeu de Castro Moreira, 2005.
[2] Lewis, Gilbert Newton. (1926) “The conservation of photons,” Nature 118 (2981): 874-875
[3] L.B.Okun, 2006. Photon: history, mass, cahrge, Acta Physca Pol.B, v37, 565-573, pode ser acesso neste link.
[4]No original "In referring to this unit of radiation I shall use the name `photon', suggested recently by G. N. Lewis. a This word avoids any implication  regarding the nature of the unit, as contained for example in the name  `needle ray'. As compared with the terms `radiation quantum' and `light quanta',  this name has the advantages of brevity and of avoiding any implied dependence upon the much more general quantum mechanis or quantum theory of atomic structure.". Este artigo  pode ser acessado em  Quantum Theory at the Crossroads: Reconsidering the 1927 Solvay Conference .

[5] A.H. Compton, 1927, X-rays as a branch  of optics, Nobel Lecture, pode se acessado neste link.


novembro 25, 2023

A tensão de Hubble, ou a constante que não é uma constante

     Na cosmologia, um parâmetro importante é a chamada constante de Hubble, que como o título deste texto já informa, não é uma constante. O seu valor varia com o tempo,  mas para as escalas de tempo características da humanidade, a sua  variação é desprezível [1]. Alguns autores preferem utilizar o termo parâmetro de Hubble, mas o termo constante de Hubble é a mais utilizada, e não costuma causar confusões.

    A constante de Hubble apareceu na literatura científica em um artigo de Edwin Hubble em 1929, que ao observar galáxias distantes, obteve um resultado de que elas  estavam sempre se afastando da nossa Galáxia, com  a velocidade de afastamento aumentando com a distância.


Figura 1. Gráfico apresentado por E. Hubble em 1929

    O gráfico acima sugere a existência de  uma relação entre a velocidade de afastamento das galaxias (v) no eixo vertical, em função da sua distância (D) no eixo horizontal, algo como $ v=H D$ [2]. Com a análise destas observações, Hubble obteve um valor de H=500 km/(s. Mpc). Desde 1929, dados mais precisos tem sido obtidos, por exemplo este gráfico apresentado em  Hubble’s Law and the expanding universe 

Figura 2. Fonte :https://www.pnas.org/doi/10.1073/pnas.1424299112

que contém uma amostra de galáxias muito maior do que a utilizado por Hubble em 1929, e um valor muito menor que a obtida por Hubble (ver mais abaixo)

   A constante de Hubble, está relacionado com a taxa de expansão do Universo. E quando falamos "taxa", estamos falando por exemplo como algo varia em relação  a alguma grandeza. A velocidade de um objeto é a taxa da variação de uma distância  percorrida em um certo intervalo de tempo, e a aceleração é a taxa da variação da velocidade em um certo intervalo de tempo.  A constante de Hubble é expressa em km/(s.Mpc), como podemos interpretar esta taxa de variação? E variação do que?  Vamos considerar para simplificar que a constante de Hubble seja 100 km/(s.Mpc). Podemos ler  as unidades como "a taxa de variação da grandeza (km/s) a cada Mpc". A grandeza que varia é a velocidade (taxa de variação da distância pelo tempo) e estamos medindo como a velocidade varia quando variamos a distância. Isto que dizer que a cada 1 Mpc de distância, a velocidade aumenta por  100 km/s.  Se estamos medindo a taxa de variação da velocidade, então a constante de Hubble estaria medindo a aceleração? NÃO.  Vamos imaginar para simplificar que a velocidade de expansão na lei de Hubble  não varie com o tempo. Neste caso, considerando a equação que descreve um movimento sem aceleração podemos escrever $D=vt$, e utilizando a Lei de Hubble para a velocidade, obtemos $D= H D t$, logo $t= 1/H$. Este valor fornece o tempo que decorreu desde o inicio quando os dois objetos estavam juntos até o instante que estavam separados pela distância d. Se consideramors que no inicio do Universo todos os objetos estariam em um único ponto , então 1/H forneceria (nesta aproximação) a idade do Universo e não a sua aceleração. É importante salientar que a nossa construção é aproximada, mas com uma análise mais cuidadosa utilizando as equações da Relatividade Geral, nos indicam que de fato a constante de Hubble , ou melhor a sua inversa 1/H, está relacionado com  idade do Universo. Desta forma, conhecendo o valor da constante de Hubble podemos determinar a idade do Universo.

    Mas para determinarmos de forma adequada como varia a constante de Hubble com o tempo, necessitamos ter algumas informações importantes, em especial o que contém no Universo,  e como estão distribuídos e qual as sua constituição. Atualmente, o modelo mais aceito para a descrição do Universo é o chamado modelo Lambda-CDM, que é uma modelo baseado na Relatividade Geral, com o Universo constituido de matéria  denominada ordinária (nossos átomos), da matéria escura (proposto pela primeira vez por Fritz Zwick em 1933) e da energia escura , detectada inicialmente em 1998 [4].


Figura 3: Os constituintes do Universo

    Na figura 3, apresentamos um gráfico com o percentual atual de cada um dos constituintes em nosso Universo, notemos que a matéria ordinária corresponde a menos que 5% do nosso Universo, e atualmente é dominado pela chamada Energia Escura. Ainda não sabemos o que são a energia escura ou a matéria escura, mas a sua existência (ou a consequência da existência) são observados nos dados coletados em observações astronômicas, sejam as realizadas pelos  observatórios na Terra, ou  no espaço e  em diversas faixas de frequências.

    Uma maneira de verificar a presença da matéria escura e a energia escura, é realizando simulações de como o Universo evoluiu logo após o seu início. Com estas simulações  podemos obter dados sobre estes momentos do Universo primitivo, e o mais importante, podemos observar as consequências destas simulações,  observando o que denominamos Radiação Cósmica de Fundo (detectado acidentalmente pela primeira vez em 1965, por Arno Penzias e Robert Wilson, mas com previsão teórica da sua existência, obtida em 1948 por R. Alpher e R. Hermann. Penzias e Wilson receberam um Nobel pela descoberta, mas Alpher e Hermann não foram lembrados). Observado esta radiação, podemos obter informações mais precisas sobre a constante de Hubble. 


Figura 4. Dados da radiação cósmica de Fundo obtido pelo satélite Planck.

    A figura 4, representa os dados obtidos pelo satélite Planck, lançado pela Agência Espacial Européia (ESO), e conjuntamente com os dados pioneiros do satélite COBE e WMAP , lançados pela Agência Espacial Americana (NASA), permitiram determinar com muita precisão o valor atual da constante de Hubble em cerca de H = 67 km /(s. Mpc) , um valor bem menor do que a obtido inicialmente por Hubble em seu artigo original.

    No entanto, o valor da constante de Hubble obtidas com medidas astronômicas (isto é das galáxias), não são compatíveis com os dados obtidos pelo satélite Planck. 

Figura 5. Evolução do valor da constante de Hubble ao longo dos anos, ver em fonte.


    Na figura 5, apresentamos os dados das determinações da constante de Hubble ao longo dos anos, e notamos que as medidas realizadas pelo WMAP (em verde) e pelo PLANCK (em vermelho), são bem diferentes dos dados obtidos com observações de objetos astrofísicos (as galáxias). Uma hipótese era que as medidas astrofísicas poderiam conter alguns erros devido a calibração ou o modelo utilizado para calibrar as distâncias.

    Mas os dados obtidos pelo telescópio Hubble e recentemente confirmados pelo James Webb, não são compatíveis com os dados obtidos pelo satélite Planck  e excluem a possibilidade de erros de calibração. Os dados recentes do James Webb, mostram que as medidas obtidas com o telescópio Hubble e as medidas obtidas com o telescópio James Webb são compatíveis.

    

Figura 6. Comparação dos dados do James Webb (vermelho) e do Hubble (cinza), ver em fonte.

    Estes dados indicam que o valor da constante de Hubble é cerca de H=73 km/(s.Mpc), indicando uma taxa de expansão superior ao previsto pelos dados obtidos com medidas da radiação cósmica de fundo [5]. 

    O gráfico da figura 7  (ver em fonte ), mostra que as medidas obtidas com a radiação cósmica de fundo (no gráfico aparece CMB measurements) e as medidas obtidas com fontes astrofísicas (no gráfico aparece local distance-ladder).

Figura 7: Evolução das discrepâncias na constante de Hubble desde 2000.

    No gráfico fica bem claro que a partir de 2010, com a melhora dos dados observacionais, a diferença foi se tornando mais evidente. Estes dados indicam que algo não está sendo devidamente considerado nos modelos utilizados para as análise dos dados. Diversas possíveis soluções tem sido propostas nos últimos anos, desde considerações de erros sistemáticos até novas teorias físicas. 

Figura 8. Comparação da previsão do modelo Lambda-CDM com os dados de observações astrofísicas.


    A figura 8, retirado do artigo da Science , mostra a curva de evolução da constante de Hubble com a evolução do Universo, baseado no modelo Lambda-CDM  (curva cheia) e o valor da constante de Hubble obtido com dados do telescópio Hubble/James Webb. O modelo Lambda-CDM estando calibrado com os dados da radiação cósmica de fundo. É importante ressaltar que nos modelos utilizados em Lambda-CDM, são compatíveis com os dados da radiação cósmica de fundo , e também são compatíveis com modelos de formação de galáxias (pelo menos até as observações do James Webb, que indicam algumas possíveis discrepâncias entre a previsão do modelo e a observação de galáxias bem antigas). Isto implica que mudar os parâmetros do modelo Lambda-CDM pode trazer maiores discrepâncias com outros dados observacionais. E isto causa a chamada tensão de Hubble. Um tema bem atual na cosmologia.

    Qual será a reposta correta? Ainda é muito cedo para que possamos ter uma reposta mais consensual, pois no momento existem diferentes propostas em estudos [6]. Em pouco mais de 100 anos, passamos de um Universo estático, para um Universo em expansão,  e compreendendo um pouco mais sobre o nosso Universo, conseguimos descrever nosso Universo até um passado distante de dezenas de bilhões de anos, com grande precisão,  graças ao desenvolvimento de técnicas observacionais e modelos teóricos. 

Sobre possíveis soluções, é interesante ler este atigo da Science, que finaliza com [7]

Muitos cosmologistas acreditam que a tensão de Hubble será resolvida."Alguém encontrá uma solução, diz Golstein. "Eu não espero que em em 100 anos as pessoas ainda estejam focadas na tensão de Hubble. Mas Eskilt diz que a solução em si pode ser tão misteriosa como, digamos, a matéria escura. “Poderíamos estar na mesma posição em que sabemos que existe uma fonte de energia escura primitiva, mas não temos ideia do que seja.

Então talvez a solução deste problema, pode trazer outros problemas para serem resolvidos, mas esta é forma que a Ciência tem avançado: a solução de problemas gerando novos problemas para serem estudados. 

Notas e Referências

[1]Na literatura para indicar que estamos tratando da constante de Hubble no seu valor atual costumamos escrever $H_o$, mas neste texto optamos por simplesmente dizer "constante de Hubble" e omitir o subscrito. 

[2] Mpc é a abreviatura de Megaparsec sendo uma unidade de medida adequada para ser utilizada para informar distâncias entre galáxias. Corresponde a cerca de   3.1 10¹⁹ km,  para termos uma noção desta distância, um raio de luz demoraria cerca de 3,3 milhões de anos para percorrer esta distância, sendo que para percorrer a distância do Sol para a Terra a luz demoraria cerca de 8 minutos.

[3] Para uma dedução simples da Lei de Hubble para uma Universo Homogêneo e Istotrópico (para distâncias pequenas), pode ver o artigo   A Lei de Hubble e a Homogeneidade do Universo, publicado na RBEF em 199.

[4] O termo CDM corresponde a Cold Dark Matter (matéria escura fria) e Lambda a constante cosmológica, que corresponde a parte da energia escura. Em 1917, Albert Einstein introduziu a chamada constante constante cosmológica, com a intenção de conseguir descrever um Universo estático. Com os resultados de E. Hubble, mostrando que o Universo não era estático, a constante cosmológica foi abandonada. Mas a presença de energia escura,  pode ser interpretada como a uma constante cosmológica, mas que ajuda a expandir o Universo. 

[5] Para quem  desejar dados com os erros, a do Hubble/James Webb  H0 = 73.0 ± 1.0 km s−1 Mpc−1  e do Planck H0 = 67.4±0.5 km s−1 Mpc−1 , portanto são dados incompatíveis.


[6] Ver por exemplo   Perivolaropoulos, F. Skara,, Challenges for ΛCDM: An update, New Astronomy Reviews, Volume 95, 2022, 101659, https://doi.org/10.1016/j.newar.2022.101659 ou no  Arxiv com acesso livre.

 [7] No original "Most cosmologists still think the Hubble tension will be resolved. “Someone will find some solution,” Goldstein says. “I don’t expect 100 years from now people will still be focusing on the Hubble tension.” But Eskilt says the solution itself could be as mysterious as, say, dark matter. “We could be in the same position where we know that there is a source of early dark energy, but we have no idea what it is.”

outubro 23, 2023

A fotoionização é um processo que demora quanto tempo?

    Todo estudante de física é apresentado na disciplina de física moderna, com o chamado efeito fotoelétrico ( fotoionização), que é o processo que ocorre quando incidimos uma radiação em um metal e ocorre a emissão de um elétron. O limite do início da emissão, dependendo da frequência da radiação e não da sua intensidade. Para explicar este fenômeno, Albert Einstein introduziu o conceito de quantum de luz, que hoje denominamos como fóton [1].  Um simulador bem interessante é o disponível no site do PHET.  Vale a pena utilizar o simulador, como complementação ao estudo do tema (principalmente nos locais sem um laboratório adequado de física, que infelizmente, é a norma nos cursos de física no Brasil. Nas disciplinas de física moderna, no processo de fotoionização , não consideramos o intervalo de tempo entre a recepção da radiação  e a emissão do elétron. Isto é explicado porque todo processo envolve mais de uma partícula, o que torna a sua abordagem muito além do que abordamos nos cursos de física moderna.  Por ser um processo de muitos corpos, quando a radiação incide no elétron a ser retirado do átomo, a interação deste elétron com os outros elétrons do átomo deve causar um atraso entre a recepção da radiação e a liberação do elétron pelo átomo. No entanto este tempo deve ser muito pequeno, difícil de ser medido experimentalmente, de forma que nos livros textos este tempo é completamente negligenciado de forma geral.

    Mas com o desenvolvimento das técnicas de medidas em atosegundos ($10^{-18} s$) (que rendeu o Nobel de Física de 2023 [2]) a situação passa a ser possível de ser testada experimentalmente. Em um artigo de 2010 Shultze e colaboradores ,  determinam uma diferença de tempo na fotoemissão  de elétrons liberados do orbtal 2p em relação aos elétrons liberados do orbital 2s dos átomos de neon [3]. Neste trabalho, eles reportam uma diferença de $ 21 \pm 5 $  atosegundos, entre a emissão dos elétrons do orbital 2s em relação ao orbital 2p. Um tempo extremamente curto!

    Mas esta diferença no tempo não é compatível com os modelos teóricos . O processo de fotoionização não é um problema de um único elétron, pois ao ionizarmos o átomo de Neon, os elétrons remanescentes ficam submetidos a um potencial elétrico diferente , sendo assim um problema de muitos corpos. De forma que a diferença entre os modelos teóricos e os dados experimentais, indicavam que algo não estava sendo corretamente considerado nos modelos teóricos ou no procedimento experimental. Este impasse durou alguns anos.

    Esta situação somente seria resolvida com a publicação de um artigo em 2017 de  Isinger e colaboradores  . Neste artigo, os autores consideraram o chamado efeito de shake-up no cálculo da diferença entre os tempos de emissão. Este efeito ocorre quando um elétron é retirado das camadas internas de um átomo, deixando um buraco no íon, isto causa uma excitação coletiva no sistema. Neste processo um parte da energia do elétron resultante da fotoionização acaba sendo transferida para este processo de excitação coletiva. No artigo de Isinger, foram analisados o processo de fotoionização de um elétron do orbital 2p conjuntamente com o processo de excitação de um elétron de 2p para 3p (efeito de shake up).

    

Figura 1. Ilustração do shake-up (adaptado de Borrego-Varillas)


    Na figura 1 apresentamos esquematicamente o efeito shake-up. O elétron fotoionizado está representado na parte superior (indicado como "Elétron ionizado" na figura 1) e o elétron excitado de 2p para 3p  esta indicado por "Transição" na figura 1. Os resultados obtidos, levando em consideração o efeito de shake-up está apresentado na figura 2 , na qual o valor teórico está representado pela linha cheia. O eixo horizontal é a energia do fóton

 Figura 2. A curva escura é o modelo teórico. Os círculos amarelos e vermelhos são os dados experimentais do artigo  citado. 

    Os dados da diferença no tempo de emissão $ \tau(2s) -\tau(2p)$ entre os dois níveis (o eixo vertical na figura 2) obtidos por Isinger e colaboradores são os círculos amarelos e os círculos vermelhos (as cores representam os feixes de fótons obtidos com diferentes tipos de filtro). O quadrado é o dado experimental do artigo de Schultze, mostrando  que o resultado não é compatível com o modelo teórico (a linha cheia escura).  

   A existência deste atraso, como resultado do movimento coletivo dos elétrons, é um resultado excepcional. Se os lasers de femtosegundos permitiram o estudo de movimento dos átomos e das moléculas (e rendeu o Nobel de Quimica de 1999), as fontes de atosegundos abrem novas perspectivas para o estudo de movimentos coletivos de elétrons dentro de diferentes sistemas, além do desenvolvimento de novas tecnologias experimentais [3]. 

    E respondendo a pergunta do título: a ionização não é um processo imediato (instantâneo), mas ocorre em tempos de atosegundos e atualmente podem ser medidos experimentalmente. Estes cálculos apesar de serem bastante elaborados, a informação de que o processo não é instantâneo pode e deve constar nos livros textos de introdução à Física Moderna.
    

Referências

[1] O termo atualmente utilizado fóton para o quantum de luz, foi introduzido em 1926 por GN Lewis em outro contexto dizendo que o fóton seria  " hipotético átomo, que não é a luz, mas tem um papel essencial em todos os processos de radiação“, mas posteriormente foi incorporado na literatura da física como atualmente a utilizamos e não a proposta original de Lewis. Ver por exemplo em https://www.aps.org/publications/apsnews/201212/physicshistory.cfm, em que o trecho destacado no texto aparece como “I therefore take the liberty of proposing for this hypothetical new atom, which is not light but plays an essential part in every process of radiation, the name photon.”

[2] Foram agraciados  Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L’Huillier, ver em https://www.nobelprize.org/prizes/physics/2023/summary/ . Para um texto em português, ver no   jornal da unesp ou no site do CREF.


[3] O átomo de Neon tem dez elétrons e sua configuração eletrônica satisfaz $ 1s^2, 2s^2,2p^6$ 

agosto 17, 2023

Metal em forno micro-ondas

    Para quem utiliza forno micro-ondas, é comum escutar o aviso de que NÃO devemos ligar o forno micro-ondas com objetos metálicos na parte interna. No entanto, alguns fornos micro-ondas mais modernos, possuem a função grill  (grelhar) e utilizam uma grelha metálica. No caso da função grelhar nos micro-ondas, o processo utiliza uma fonte de radiação infravermelha (uma resistência elétrica à semelhança dos fornos elétricos convencionais), portanto  não é a mesma fonte que gera as micro-ondas. Então, a princípio não tem problemas colocar um objeto metálico. Mas de acordo com os manuais de alguns deste fornos é possível utilizar a grelha também na função comum de micro-ondas conjuntamente com a função grelhar. Como pode? Será que a informação inicial - não colocar metal - estava errada? Ou os fornos micro-ondas modernos utilizam alguma nova tecnologia que permite utilizar grelhas metálicas? Note que na função usual de micro-ondas, da forma que ocorre o cozimento dos alimentos, não é possível grelhar os alimentos (caso esteja interessado em saber como funciona o processo de cozimento no forno micro-ondas, recomendo ver o texto Aquecimento da água no micro-ondas NÃO se dá por ressonância! e as referências indicadas).

    A informação inicial de que não é recomendável utilizar o forno micro-ondas com objetos metálicos não está errada! E o motivo é explicada pela física. E nenhuma tecnologia pode burlar as leis da física. Então como explicar a utilização da grelha metálica?  Inicialmente, vamos explicar o que ocorre quando colocamos um objeto metálico na presença da radiação de micro-ondas.

    Um metal, é um bom condutor de eletricidade e isto ocorre porque possui elétrons que podem se movimentar dentro do metal com muito mais facilidade do que em materiais isolantes elétricos (como borrachas ou madeiras).  A radiação de micro-ondas é uma onda eletromagnética, isto é, possui um campo elétrico e um campo magnético oscilante. De uma maneira bem simples,  quando esta radiação atinge o metal, surge uma força nos elétrons, que devido a oscilação do campo eletromagnético incidente, começa também a oscilar. A energia da onda eletromagnética é desta forma absorvida pelos elétrons do metal. Como cargas oscilando geram campos eletromagnético, ocorre uma emissão de ondas eletromagnéticas  pelo metal, de forma que o metal funciona como um espelho para a onda eletromagnética. (Em relação a carcaça metálica do forno micro-ondas, incluindo a porta com furos, uma recomendação, novamente é o texto do CREF Difração na grade da porta do micro-ondas)

    Esta onda eletromagnética produzida pelo metal, é devolvida para dentro do forno de micro-ondas. Como o forno continua a produzir a radiação , a energia dentro do forno aumenta drasticamente. Uma parte pode retornar para o circuito interno e queimar o sistema!   Além disso, como nem toda energia retorna como onda eletromagnética,  uma parte da energia é acumulada no metal, uma parte é dissipada como energia térmica.  No caso das paredes do micro-ondas, como a condutividade térmica do metal é alta  a energia térmica é rapidamente distribuída pelo metal e  como sua massa é relativamente alta, o seu aquecimento é muito pequeno. Além disso, com o equipamento devidamente aterrado, as cargas em excesso na carcaça do metal é rapidamente transferida via aterramento.  E a presença de um objeto (alimento) dentro do forno, que consegue absorver a onda eletromagnética evitando  que a energia dentro do forno aumente drasticamente. Por esta razão NUNCA ligue um forno micro-ondas que não esteja devidamente aterrado e sem nada dentro. Existem algumas recomendações de sempre deixar um copo com água dentro do forno micro-ondas, para que caso seja ligado acidentalmente, não estrague o aparelho. Apesar de alguns aparelhos possuírem um circuito de segurança que desliga em caso de sobrecarga, é bom evitar ligar sem nada dentro deixando um copo com água dentro do forno micro-ondas,  principalmente se tiver crianças em casa.

    O metal quando colocado dentro do forno micro-ondas, como citado anteriormente fica quente. No caso de objetos com massa relativamente pequena (muito menor que as paredes do micro-ondas), a energia é distribuída em um volume bem menor, e isto faz com que o metal fique mais quente Por exemplo, se colocarmos um prato ou uma xícara com filetes metálicos, dependendo do tempo dentro do forno micro-ondas, os filete pode simplesmente evaporar. A forma do metal também traz alguns efeitos importantes. Se o metal possuir bordas finas ou pontudas, pode ocorrer a formação de faíscas (pontas finas metálicas possuem campos elétricos mais intensos quando comparados com regiões menos pontudas). Mas isto depende de diversos fatores, o que inclui posição do objeto dentro do micro-ondas, o tipo e a forma do metal (veja por exemplo este vídeo que demonstra o que ocorre quando diversos tipos de metais são colocados dentro de um forno micro-ondas).

    Uma situação interessante é quando colocamos dois copos com água em um forno micro-ondas, uma em um copo de vidro e outra em um copo metálico.  A água do copo de vidro fica aquecida mas a do copo de metal, não aquece como pode ser vista na figura a seguir, retirada do artigo 
Bad food and good physics: the development of domestic microwave cookery , onde dois recipientes com água são colocados em um forno micro-ondas, um becker normal e outro becker com uma camada de folha de alumínio. 

Figura. Diferença no aquecimento de um becker com água. Na esquerda um becker comum e na direita um becker com uma camada de alumínio. Fonte da imagem .)
      

    A água do becker sem a folha de alumínio fica aquecida enquanto o outro becker não tem a água aquecida. Isto ocorre porque a onda eletromagnética é refletida pela folha de alumínio, de forma que não é absorvida pela água dentro do becker.

    Um outro exemplo é este  vídeo onde um cd-rom (que possui trilhas metalizadas) é colocado dentro de um forno micro-ondas, note as faíscas que são produzidas.  Na figura a seguir um quadro extraído do vídeo, mostra  uma faísca e fumaças saindo do CD-ROM. 

Figura. O que ocorre com um CD-ROM dentro de um micro-ondas. Fonte



    Note que nos exemplos acima, foram colocados diferentes tipos de metais com diferentes formas dentro do forno micro-ondas. Em alguns casos, nada em especial foi notado, em outros aparecem descargas elétricas. Então a pergunta é: podemos ou não colocar metais dentro de um forno micro-ondas?  A resposta é depende.

    Com quase certeza você já deve ter colocado um metal dentro do forno micro-ondas, sem saber e isto mesmo antes de aparecer os fornos micro-ondas com a função grelhar e não ocorreu nada de mais. Se você já fez pipoca  ou algum tipo de lanche pronto para micro-ondas, usando aqueles pacotes prontos, você colocou um metal dentro do micro-ondas. Sim, dentro do saco, tem  um polímero com um material condutor, ou seja um metal (em inglês  são denominados susceptor).  E a sua função é semelhante a das grelhas. Ela aquece e faz com que os alimentos em contato sejam grelhados, isto é, fiquem mais crocantes. Mas são especificamente projetados para que possam ser utilizados nos fornos de micro-ondas.
    
    Retornando ao caso dos fornos de micro-ondas que funcionam no modo combinado grelhar+micro-ondas, é importante notar que as grelhas são desenhadas especificamente para que possam ser utilizadas neste modo. Inclusive alguns manuais deixam claro que NÃO se deve colocar nenhum outro objeto metálico dentro do forno micro-ondas. Na função grelhar, a parte do micro-ondas não é utilizado, então não tem problemas de colocar metais, mas lembre-se que o metal vai ficar quente, como ocorre em um fogão comum.
    
    Em resumo, a recomendação para evitar colocar metais dentro de um forno micro-ondas é para evitar eventuais problemas como descargas elétricas que podem danificar o aparelho, pois dependendo da forma, posição e tipo do metal, pode ocorrer uma descarga e danificar o aparelho. Então é mais uma norma bem razoável de segurança. Evite colocar metais dentro do forno micro-ondas, principalmente se não for projetado especificamente para ser utilizado no micro-ondas. E siga as recomendações do fabricante do seu aparelho, lendo SEMPRE todo o manual.


    

    

fevereiro 08, 2023

Esfriando chá com movimento

     Uma questão interessante que pode trazer dúvidas para um estudante: se agitarmos uma xícara com chá quente com uma colher, ela vai esfriar mais rapidamente, mas pela primeira lei da termodinâmica ao realizarmos trabalho no chá (com o movimento da colher), o chá deveria esquentar. Por que  não esquenta?

    Antes de responder, o interessante é verificar se de fato ocorre um resfriamento mais rápido ou não. Para verificar, realizei medidas da variação da temperatura em um vidro Becker,  com a água inicialmente em 86⁰C , sendo realizado medidas por 10 minutos. Na figura 1, fotos ilustrativas  do aparato experimental. Comparei a situação sem agitação e com agitação contínua. Devido a diferenças entre os sensores existentes no laboratório, optei por usar sempre o mesmo sensor para medir a temperatura na xícara. Como as medidas não foram realizadas simultaneamente, a temperatura do ambiente foi monitorado e durante as medidas as variações não foram significativas, de forma que podemos considerar a temperatura ambiente constante em ambas as situações (com agitação e sem agitação).

Figura 1. Uma visão geral do experimento (foto a esquerda), do líquido sendo agitado (foto direita superior) e as temperaturas do ambiente e do líquido (foto direita inferior).


    Os resultados das medidas nas temperaturas com agitação e sem agitação estão apresentados nos gráficos da figura 2, onde fica claro que ocorre uma variação da temperatura mais rapidamente  com agitação do que sem agitação. A diferença final de temperatura comparando os casos com e sem agitação, foi cerca de 4⁰ C (a precisão do sensor de acordo com  o manual é de +/- 0,5 ⁰ C), sendo a temperatura mais baixa sendo atingida com a agitação.



Figura 2. Variação da temperatura nas xícaras com e sem agitação. 


Figura 3. Neste gráfico incluímos a temperatura do ambiente . Note que as variações na temperatura ambiente são muito menores que a do liquido.



    Mas como compatibilizar com a primeira lei da Termodinâmica, em especial com o experimento de Joule? (Veja por exemplo em  Energia Mecânica e Calor  ). Entendendo quais os processos envolvidos em cada caso! Não fixar apenas na agitação do sistema. (Um caso interessante de que a agitação ajuda a esfriar é o caso relatado em  Resfriando Rapidamente a Cerveja? , ressaltando que a parte que esfria é a cerveja.)  No caso do experimento de Joule, o sistema a ser aquecido com agitação deve estar isolado do ambiente (a única entrada é a da energia  externa que entra no sistema, mas idealmente não sai do sistema), de forma que toda energia que é fornecida ao sistema, e que vem de fora é mantida no sistema. Neste caso a energia interna do sistema aumenta, mas note que não estamos CRIANDO energia, pois o excesso vem de uma fonte externa. Aqui uma ressalva importante, se o sistema for por exemplo água e gelo em equilíbrio, a energia externa não vai aumentar a temperatura, mas acelerar a mudança de fase. Isto é, o aumento da energia interna nem sempre implica no aumento da temperatura.

    No caso da xícara, o sistema não é fechado, ocorrendo uma troca de energia com o ambiente. Esta troca ocorre pela superfície de contato do líquido com o ambiente se a xícara for um bom isolante térmico vai ocorrer principalmente na superfície livre do líquido com o ambiente, caso contrário com toda superfície de contato do liquido, incluindo a que está em contato com a xícara. 

    Ao agitarmos o líquido, ocorre uma transferência da energia mecânica para o líquido, mas a agitação faz com que diferentes partes do líquido entre em contato com o ambiente. Em líquido sem agitação   inicialmente o líquido na superfície superior esfria (e dependendo do material da xícara, a parte em contato com a xícara esfria significativamente), e depois as camadas mais internas. O esfriamento das camadas internas pode ocorrer ou por condução de calor ou por convecção, dependendo das condições do sistema.  Com a agitação, misturamos as diferentes camadas e colocamos as camadas mais quentes internas  em contato com o ambiente (mais frio)  de forma mais rápida do que ocorreria sem a agitação. Esta troca de calor com o ambiente é muito mais rápido do que energia fornecida ao sistema com a agitação (que é um processo ineficiente para aumentar a temperatura do sistema), de forma que o resultado final é o sistema (nosso chá) perder energia para o ambiente de forma mais rápida com a agitação do que sem a agitação.

      Também não podemos esquecer que ao analisarmos o processo de esfriamento, precisamos considerar a evaporação, que não é desprezível em muitas situações.

    Um outro fator que ajuda a resfriar, é com a utilização de uma colher metálica. Por ser um bom condutor térmico, o metal da colher ajuda na troca de calor com o ambiente, e quanto maior a área da colher, melhor este processo.  Apenas como informação , algumas pessoas 8ndicam que uma boa maneira  para ajudar a esfriar o líquido é colocando sal! O sal em contato com a água, sofre um processo de dissociação, e este processo consome energia, logo, ajuda a reduzir a temperatura da água. Mas  chá com sal,  não costuma ser uma boa combinação. De qualquer forma, como não realizei o experimento, não sei se realmente reduz a temperatura de forma significativa com a colocação do sal. Assim, o melhor é deixar esfriar normalmente (com ou sem agitação) e apreciar sua xícara de chá, com tranquilidade.

janeiro 21, 2023

Ruido em um carro com janela aberta

     O que causa um ruido em alguns carros que andam na estrada com a janela   aberta [1]?  Não o ruído contínuo do vento entrando no carro,  nem o  ruído devido a problemas de vedação ou de peças soltas. Mas o   ruido intenso periódico e de baixa frequência que surge principalmente quando o carro se desloca com velocidade  que inicia em torno dos 60 km/h  e que vai aumentando com a velocidade. Um ruído que desaparece ao fecharmos as janelas.    O que causa este ruido periódico ?

    Nos gráficos da figura 1, apresentamos o gráfico  do sinal sonoro que foi registrado dentro do carro (com um celular, portanto não é um equipamento muito preciso). No lado esquerdo,  com as janelas fechadas e no lado direito, com a janela traseira aberta.  O eixo horizontal é o tempo e o eixo vertical a intensidade do som.  Ao abrir a janela, ocorre uma mudança na característica do som registrado no celular (e percebemos de forma bem intensa esta variação).
    

Figura 1. Trecho do sinal registrado em um celular.

    Este ruído ocorre devido ao fenômeno de ressonância. De maneira bem simplificada, com todas as janelas fechadas e o carro andando, o ar passa sem entrar no carro. Ao abrirmos  uma janela,  o ar de fora é "empurrado" para dentro do carro. O ar empurrado é comprimido contra as paredes internas do carro. Este ar comprimido, depois volta a expandir (o ar tem um comportamento semelhante a uma mola) sendo empurrado para fora. Mas o ar externo continua a entrar e volta a comprimir o ar interno ao carro. Este processo de expansão e compressão pode ocorrer de maneira aperiódica, mas dependendo das condições surge um movimento periódico, e dizemos que  o sistema entra em ressonância [2]. Vamos denominar este ruído periódico dentro do carro de ruído ressonante (para quem tiver curiosidade, o termo usual em inglês é wind buffeting (ou buffeting noise) que em uma tradução livre seria golpe de vento), a frequência deste ruído é bem próxima do limite inferior da sensibilidade auditiva (20 Hz).

    Este tipo de fenômeno - a ressonância - é muito comum e importante em instrumentos musicais. Talvez o instrumento musical mais simples, onde o fenômeno de ressonância surge é quando assopramos  sobre o gargalo de uma garrafa. O interior do carro seria o análogo do interior da garrafa, e o vento externo o análogo da pessoa assoprando no gargalo. O  interessante no caso do ruído ressonante nos carros  é  que  carros com melhor aerodinâmica, produzem  ruído ressonante mais intenso. A ressonância depende também do volume da cavidade (no caso o interior do carro) e do tamanho da abertura da cavidade (no caso do carro, a janela). A absorção das paredes internas também afeta a ressonância da cavidade. Um exemplo desta ressonância é a chamada Ressonância de Helmholtz [3].

    O ruído é mais intenso com apenas uma janela aberta, se abrirmos as duas janelas,  o ruido diminui (mas dependendo da velocidade e da sensibilidade auditiva, podemos não sentir esta diferença), como indica o figura abaixo (fonte Buffeting noise of automobile at running speeds ) mostrando as diferenças na frequência e na pressão com  uma janela aberta (pontos em azul) e duas janelas abertas (círculos em  vermelho)

Figura 2. Variação devido a abertura de uma ou duas janelas traseiras. Fonte Buffeting noise of automobile at running speeds . 

    Na figura 3, apresentamos um resultado da medida do espectrograma (para quem não sabe o que é um espectograma, basicamente é a intensidade do ssinal em função da frequência) retirado do artigo Side window buffeting: a smartphone investigation on a car trip para determinar a frequência de ressonância de Helmholtz [3] dentro de um carro. Existe um pico em torno dos 20 Hz (ver figura da esquerda). Na figura da direita, é apresentado a região de frequência  da predominância do ruído, a primeira coluna com as janelas fechadas, a do meio com uma única janela aberta e a da direita com as duas janelas abertas. Note que ao abrir as duas janelas a faixa azul claro aumenta de largura, em relação ao caso de uma única janela aberta, e surgem ruídos em frequências mais altas, que também pode ser visto na figura 1.

   

Figura 3 No lado esquerdo o espectro de potencia indicando a presença da ressonancia de Helmholtz. Na direita espectograma com a janela fechada, uma aberta e as duas abertas. Fonte Side window buffeting: a smartphone investigation on a car trip 

        Neste artigo os autores modelam o sistema como um ressonador de Helmoltz, e comparam o resultado teórico com medidas experimentais. Para o carro andando na faixa de 110 -160 km/h , os autores obtiveram experimentalmente para o ruído uma frequência  bem próxima do previsto usando o modelo de ressonância de Helmholtz. Mas devido a incertezas na modelagem - como os próprios autores ressaltam - não podemos afirmar que o ruido ressonante é EXCLUSIVAMENTE devido ao fenômeno de ressonância de Helmholtz.


    Na figura 4 (do artigo Numerical analysis and passive control of a car side window buffeting  noise based on Scale-Adaptive Simulation ) apresentamos no lado esquerdo a pressão em função da frequência  e no lado direito a  pressão em função do tempo sentida pelo motorista quando a janela traseira da direita está aberta. 


    Na figura 4, o gráfico  da direita representa o ruido periódico de baixa frequência que sentimos com a janela aberta (no caso da figura, uma única janela na parte traseira do carro). Note a formação de um ruido que aumenta e diminui com o tempo (na figura da direita) e com um pico próximo dos 20 Hz (figura da esquerda). 

    Na figura 5 , reproduzimos novamente o lado direito da figura 4 e  um recorte do lado direito da figura 1, para que possamos comparar o registro realizado pelo autor (no lado direito) e o resultado da simulação do artigo previamente citado. 

Figura 5 Comparação de uma simulação numérica e o registro gravado.

     Respondendo então a  pergunta inicial, é abertura de uma das janelas (em geral para carros com boa aerodinâmica e o vidro traseiro), causa o surgimento de uma ressonância de baixa frequência, e que percebemos como um desconforto auditivo (semelhante ao que algumas pessoas sentem dentro do avião durante a decolagem ou aterrissagem).  

     Independente das causas do ruido ressonante, a sua redução ou supressão é bem simples: fechar as janelas ou abrir todas as janelas. Ou diminuir a velocidade.

Notas

[1] Dependendo do modelo do carro,  pode ocorrer apenas com os vidros traseiros abertos e não com os vidros dianteiro abertos, e também pode ocorrer com carros equipados com teto solar.

[2] Uma descrição um pouco mais precisa é a formação de instabilidades na região de contato entre a camada de ar em movimento fora do carro com a camada de ar dentro do carro. Esta instabilidade forma quando a velocidade relativa entre estas camadas assume um certo valor critico. Nesta situação, são formados vórtices que se deslocam ao longo do fluxo. Estes vórtices ao atingirem uma parede, acabam se rompendo, gerando uma frente de pressão que se propaga dentro da cavidade. Ao atingir a entrada da cavidade (no caso a janela), novas vórtices são produzidos e o processo se repete. Quando a periodicidade atinge um certo valor (a frequência natural da cavidade), ocorre a ressonância, que é o ruido ressonante. Ver por exemplo An Experimental Investigation of Sunroof Buffeting Characteristics of a Sedan de Yin Zhi He, Zhi Gang Yang publicado em Applied Mechanics and Materials. Trans Tech Publications, Ltd., November 2012.

[3] Para quem desejar conhecer um pouco mais sobre ressonância de Helmholtz, a sugestão é ler The Sound of Udu, ou acessar as transparências da palestra do Professor Carlos Aguiar aqui , onde ele apresenta algumas atividades práticas para o estudo de acústica, incluindo a ressonância de Helmhotz.  Outro artigo é The Helmholtz resonator revisited de H. Dosch e M, Hauck publicado na European Journal of Physics.  Um artigo interessante também é Violão: aspectos acústicos, estruturais e históricos, M. E. Zaczeski et all, publicado na Revista Brasileira de Ensino de Física.