Uma simples conta para mostrar que a Terapia Quântica não funciona.
julho 22, 2024
Terapia Quântica Não Funciona
julho 07, 2024
Princípio da Incerteza
O princípio da incerteza, é um princípio fundamental da moderna física quântica, tendo sido apresentado pela primeira vez por Werner Heisenberg em um artigo 1927 [1], considerando o que ocorreria ao utilizar um microscópio hipotético utilizando raio gamma para observar um elétron. Sendo o raio gama uma radiação com menor comprimento de onda do que a da luz, este hipotético microscópio permitiria determinar com uma precisão $\delta x $ muito menor a posição do elétron do que seria possível com um microscopio ótico. Utilizando o conceito de fóton, a radiação gamma ao interagir com o elétron, causa um desvio no mesmo ( este efeito já havia sido estudado mas com raio x por Arthur Compton) resultando em uma imprecisão no momento linear $\delta p $ devido a imprecisão inicial na posição do elétron. No artigo Heisenberg demostra que estas imprecisões, utilizando a mecânica quântica resultam na desigualdade [2]
$$\delta x \delta p \ge \hbar/2 .$$
E destaca que [1]
Assim, quanto maior a precisão na determinação da posição, menor será a precisão na determinação do momento.
Ou dito de forma mais usual, a medida da posição tem como consequência uma perturbação imprevisível e não controlável na medida do momento linear. Da forma apresentada por Heisenberg, temos uma relação entre pertubações devido a realização de medidas no sistema.
Esta é a maneira que o Princípio da Incerteza é apresentado em alguns livros textos muito utilizados no Brasil, principalmente nas disciplinas iniciais. Por exemplo, a figura 1 é do livro de Física Quântica, de R. Eisberg e R. Resnick, que ilustra exatamente a abordagem de Heisenberg.
Figura 1. Uma representação da incerteza segundo Heisenberg (Fonte: Fisica Quântica, Eisberg/Resnick) |
No entanto, a equação do Princípio da Incerteza é apresentado nos livros, utilizando uma versão desenvolvida por E.H. Kenard em 1927, generalizando o resultado de Heisenberg,
$$\Delta x \Delta p \ge \hbar/2 $$
Mas qual a diferença entre as duas? Seriam apenas de notação? Existe uma diferença importante a primeira (a de Heisenberg) expressa as precisão das medidas (uma limitação nas medidas) e a segunda expressa o desvio padrão (decorrente das limitações na preparação do estado utilizado nas medidas) [3]. É possível obter a primeira equação a partir da segunda, mas a inversa não é possível. A equação obtida por Kenard é rigorosamente alicerçada no formalismo da mecânica quântica, a de Heisenberg não é deduzida a partir do formalismo da mecânica quântica. A figura 2, retirado de [3], ilustra a diferença ente o desvio padrão (neste texto $ \Delta q $ é representado por $ \Delta x $) e incerteza na medida. O que denominamos Princípio da Incerteza , é a segunda equação , e não a primeira.
Figura 2. Diferença entre o desvio padrão e incerteza na medida. Fonte [3]. |
Uma questão que pode surgir é como podemos ter uma incerteza menor que o desvio padrão, não teríamos problemas com a violação do Princípio da Incerteza? Ou a interpretação de "incerteza de medida" como desenvolvido por Heisenberg não seria correta?
Em relação a esta questão, M. Ozawa [4] apresentou uma dedução da relação original
$$\delta x \delta p \ge \hbar/2 $$
de Heisenberg, mas com um procedimento mais rigoroso, obtendo [5]
$$\delta x \delta p +\Delta x \delta p +\Delta p \delta x \ge \hbar/2 $$
Uma consequência interessante desta relação é que passa a ser possível realizar medidas precisas na posição, que viola a desigualdade proposta por Heisenberg. E dois artigos publicados em 2012 [6], utilizando técnicas diferentes, mostraram a violação da Princípio da Incerteza proposto por Heisenberg, mas satisfazendo a generalização proposta por Ozawa. Estes resultados demonstram que é possível reduzir as incertezas nas medidas SEM violar o Princípio da Incerteza.
Para evitar confusões, o que os experimentos demonstram é a violação da relação [7] ,
$$\delta x \delta p \ge \hbar/2 $$
e não da relação
$$\Delta x \Delta p \ge \hbar/2 $$
de forma que o Princípio da Incerteza, que relaciona os desvios padrões continuam válidas. O que os experimentos e o artigo de Ozawa mostram é que a proposta de que o Princípio da Incerteza limita as precisões das medidas como costuma ser apresentado em alguns livros textos, não é correta. Algo que precisa ser corrigido!
Notas e referências
[1] O artigo de Heisenberg traduzido para o inglês, está reproduzido no livro Quantum Theory and Measurement, John Archibald Wheeler (Editor), Wojciech Hubert Zurek (Editor), Princeton University Press,
[2] A equação no artigo de Heisenberg é deduzido considerando um pacote de onda gaussiana, mas aqui estamos considerando um estado genérico. No caso de pacote gaussiano, a incerteza é minima.
[3] Veja por exemplo o artigo de Ballentine, Statistical Intepretations of Quantum Mechanics ou a referência [4].
[4] Ver M. Ozawa, Universally valid reformulation of the Heisenberg uncertainty principle on noise and disturbance in measurement
[5] No artigo de Ozawa, a dedução é realizada para um par arbitrário de operadores .
[6] Os artigos publicado no PRL Violation of Heisenberg’s Measurement-Disturbance Relationship by Weak Measurements ou com acesso livre aqui e o artigo publicado na Nature Experimental demonstration of a universally valid error–disturbance uncertainty relation in spin measurements com acesso livre aqui .
[7] Lembrando que as medidas não envolveram posição e momento, mas a ideia é semelhante para os pares de grandezas utilizadas em cada caso. Se você conhece sobre operadores e comutadores, a fórmula geral do Princípio da Incerteza para é dado por
$$ \Delta \hat A \Delta \hat B \ge \frac{1}{2}| \langle [\hat A, \hat B] \rangle | $$
para dois operadores arbitrários. Note que para operadores que comutam, o limite inferior é zero.
junho 25, 2024
Gravidade sem massa!
Gravidade sem massa. Esta é uma chamada que encontramos em alguns sites. Mas será possível? O artigo que tem sido citado é The binding of cosmological structures by massless topological defects de R. Lieu, publicado na revista Monthly Notices of Royal Astronomical Society.
Antes de responder se é possível ou não, vamos lembrar que é possível ter massa e mesmo assim a força gravitacional em outro corpo ser zero. Isto ocorre quando temos uma casca esférica de massa M, e neste caso na região interna a força de atração gravitacional será zero em qualquer ponto dentro da região esférica. Isto decorre devido simetria esférica e o fato da força variar com o inverso do quadrado da distância. Então se é possível ter campo gravitacional igual a zero mesmo com massa, será que possível ocorrer o inverso, isto é , existência de campo gravitacional sem massa? A resposta é NÃO se a massa for sempre positiva. No entanto SE existir massa negativa, é possível um sistema ter massa total NULA. Mas tendo massa total nula, a força não deveria ser nula? A resposta é: depende da situação. Um exemplo fora da gravitação é o caso de um sistema elétrico com carga total nula. Mesmo nestes casos, podemos ter campo elétrico não nulo, sendo o exemplo usual um sistema de dipolo elétrico. Notemos que apesar da carga TOTAL ser nula, as cargas elétricas existem. No caso das massas, mesmo a massa total sendo nula (devido a existência de massa positiva e massa negativa), as massas ainda existem.
O que artigo de Lieu propõe é justamente a existência de massa negativa com uma distribuição específica, de forma que quando combinado com a massa positiva, o campo gravitacional é nulo [1]. Esta distribuição é na forma de cascas esféricas (as conchas) com espessuras infinitesimais, sendo que uma componente descreve uma região de massa positiva e outra de massa negativa, e PODERIAM ser formados em processos que ocorreram no Universo primordial. São denominados DEFEITOS TOPOLÓGICOS, que eram um dos candidatos para explicar a formação de galáxias, mas por não serem compatíveis com os dados observacionais, foram desconsiderados, mas aparentemente tem retornado para serem aplicados em outras situações.
Mas retornando a questão inicial, SE existir massa negativa, é possível ter campo gravitacional mesmo que a massa TOTAL seja nula. No entanto não é correto afirmar que não existe massa, seria o mesmo que dizer que no caso de um dipolo elétrico não existem cargas elétricas. Então, dizer que o artigo propõe a existência de campo gravitacional mesmo sem a presença de massa, é uma meia verdade: as massas existem (massa positiva e negativa).
A motivação de Lieu para estudar a existências de massas negativas (ou dos defeitos topológicos) é estudar as relações entre as teorias gravitacionais e suas relações com a matéria escura [2], e dentro deste contexto, ele propõe a existências destas conchas formadas com uma combinação de massa positiva e massa negativa, e analisa algumas das suas consequências, em especial aplicando na dinâmica de galáxias e seus aglomerados. Se massas negativas existem ? Não existem indicações sobre a sua existência. No entanto, em ciências as diferentes hipóteses devem ser analisadas, pois mesmo as que não sejam realistas, podem nos fornecer alguns indícios dos caminhos a serem seguidos ou evitados.
Notas
[1] Para quem possui familiaridade com a delta de Dirac, esta parte do cálculo de Lieu é relativamente simples de ser seguido. Basicamente ele propõe uma combinação de uma componente descrita pela delta de Dirac com uma componente que é proporcional a derivada da delta de Dirac. Esta segunda componente descrever a parte com massa negativa. A utilização da delta de Dirac impõe que a massa esteja distribuída em cascas esféricas. Estas cascas esféricas resultam em uma força de atração (na concha) que varia com o inverso do raio, o que resulta em curvas de rotação plana, que são observados nas galáxias e para a sua explicação, são utilizadas a existência da matéria escura.
[2] A escolha entre a existência da matéria escura ou de massa negativa ou qualquer outra alternativa, deve naturalmente estar baseado em dados observacionais e uma robustez teórica. Observacionalmente ainda não existem dados que permitam abandonar a existência da matéria escura, mas apesar das observações cosmológicas favorecerem a existência da matéria escura, é uma componente que ainda não foi detectada diretamente, o que justifica a procura por outras possibilidades.
junho 24, 2024
Luz com massa?
A luz tem massa? Esta é uma dúvida de muitas pessoas quando escutam que a luz é desviada pela gravidade. Afinal, aprendemos que "massa atrai massa" de acordo com a gravitação universal. Se não tem massa , como pode ocorrer a atração? E um artigo recente tem sido divulgado em alguns sites como tendo determinado que a luz tem massa. Seria então esta a explicação correta? A luz tendo massa é atraída pelo campo gravitacional?
Vamos começar pelo artigo citado, e uma leitura atenta mostra que o artigo não afirma que a luz tem massa, mas estabelece um LIMITE SUPERIOR para a sua massa e não o valor da massa. Notemos que se o experimento tivesse determinado um LIMITE INFERIOR para a massa, seria um indício que a luz tem massa. Muitos outros experimentos também estabeleceram estes limites superiores, o que o artigo recente traz é a utilização de dados obtidos com observação de pulsares (um tipo de estrela) e utilizando uma formulação na qual desde o início é considerado que a luz tem massa (em geral se inicia com massa zero e são acrescentados termos de pertubação). E aqui é importante ressaltar que medir qualquer grandeza com precisão absoluta não é possível, e quando a própria grandeza tem valor nulo, a situação é mais complicada. Isto considerando apenas questões de medidas de dados observacionais /experimentais. Se considerarmos o Princípio da Incerteza, é possível mostrar que o limite superior máximo é da ordem de 10⁻⁶⁶ g (ver por exemplo The mass of the photon), de forma que experimentalmente não temos condições de determinar se a massa é zero ou não, sempre existirá uma incerteza no seu valor. Estimativas para a massa da luz tem sido calculadas por diversos autores, por exemplo, Louis de Broglie em 1940 estimou um limite superior para a massa do fóton em 10⁻⁴⁴ g e Scroedinger em 1945 estimou o valor de 10⁻⁴⁷ g (citado em Must the Photon Mass be Zero? de Bass e Schroedinger, 1955), de forma que o assunto é estudado faz muitos anos.
É importante ressaltar que o artigo NÃO obteve um valor para a massa da luz, mas estabeleceu um limite superior para o seu valor , caso tenha massa.
Mas se a luz não tem massa, como explicar que a força da gravidade atue na luz? Uma explicação muito comum é utilizar a relação da chamada equivalência entre massa e energia, a famosa equação E=mc². No entanto, uma explicação mais adequada, e talvez mais fundamental é outra. Isto porque mesmo sem a utilização da relação entre massa e energia, podemos determinar a existência de deflexão da luz ao passar perto de um corpo massivo.
Consideremos o caso de um objeto com massa m perto de um corpo com massa M, e utilizando as leis de Newton, temos que
Notemos que a massa m aparece nos dois lados da equação. A princípio o m do lado esquerdo é a massa inercial e o m do lado direito é a massa gravitacional. O fato das massas inercial e gravitacional serem iguais, a aceleração de qualquer objeto é a mesma, independente da sua massa, isto é, a sua massa não importa. Isto implica que mesmo objetos sem massa, são sensíveis ao campo gravitacional. A diferença - no caso da gravitação newtoniana - é que sendo a massa zero, ela não produz campo gravitacional. Utilizando a equação acima, podemos calcular o desvio da luz na presença de um corpo com massa M (para quem tiver curiosidade, no livro Curso de Física de Berkeley Volume 1 Mecânica, este cálculo é realizado detalhadamente ). A igualdade entre a massa inercial e a massa gravitacional (ver por exemplo o texto Gravitação: gráviton e fóton no CREF) é conhecido como o Princípio Fraco da Equivalência. Mas voltando ao desvio da luz, o cálculo utilizando a gravitação newtoniana, quando o objeto central é o Sol, nos fornece um valor que é a metade do valor previsto pela Relatividade Geral. Mas o mais importante é que o desvio da luz (independente do seu valor) ocorre devido a igualdade entre a massa inercial e a massa gravitacional, e não devido a equivalência entre a massa e energia. (No caso da Relatividade Geral, a fonte da curvatura do espaço-tempo é uma grandeza que descreve o conteúdo de energia e massa, de forma que a curvatura pode ser gerada pela presença de uma massa ou de energia, mesmo sem massa).
E se a luz tiver massa? Quais seriam as consequências? Se luz tiver massa a lei de Coulomb não seria mais "inverso do quadrado da distância" , a polarização da luz seria diferente, seria necessário incluir uma componente longitudinal para a onda eletromagnética e outras consequências (ver por exemplo este artigo ).
E a luz tendo massa, possivelmente necessitaremos de uma ou mais novas teorias, mas estas novas teorias necessariamente devem descrever as mesmas observações que são descritas pelas teorias atuais, podendo é claro, prever novas consequências ainda não observadas. Em todo caso, as diferenças entre esta possível nova teoria e as atuais, pelo menos dentro das situações experimentais e observacionais que conhecemos, deverão ser muito pequenas! E com quase toda certeza, para muitas situações continuaremos a utilizar as teorias que atualmente utilizamos Um exemplo é a utilização da mecânica newtoniana mesmo após o advento da teoria da relatividade e da mecânica quântica. O que sabemos hoje é os limites da sua aplicação, e por ser relativamente mais simples em muitas situações, optamos por utilizar a mecânica newtoniana. Possivelmente o mesmo deve ocorrer caso seja detectado uma massa para o fóton. Mas no momento, os indícios são que a sua massa é zero.
abril 22, 2024
Câmera Pinhole
Figura 1. A camêra pinhole. Fonte wikipedia, licença Creative Commons |
Figura 2. Efeito do tamanho do buraco na imagem projetada. |
Figura 3. Efeito de deslocar o plano da imagem. |
Figura 4. Formação da imagem que passa pelo furo. Fonte Fernando Lang e Ronaldo Axt |
Figura 6. Exemplo de imagem obtida com câmera pinhole. |
M. Young, The pinhole camera,Physics Teacher, 27: 648–655, 1989
abril 11, 2024
A Teoria das Ondas Piloto na Mecânica Quântica
Ondas Piloto e a Dupla Fenda Fonte |
A moderna mecânica quântica tem início em 1925, com a publicação do trabalho de W. Heisenberg e um ano depois, Erwin Schroedinger pública o artigo apresentando a equação de onda. E neste mesmo ano ocorre o Congresso de Solvay, que começa a estabelecer o que denominamos a interpretação ortodoxa da Mecânica Quântica (que é tradicionalmente ensinado nos cursos de graduação em física).
A dualidade onda-partícula, é um dos conceitos mais importantes dentro da abordagem da mecânica quântica. Esta dualidade estabelece que um objeto dependendo da medida pode se comportar como onda OU como uma partícula, um exemplo tradicionalmente apresentado é o da fenda dupla, no qual observamos um padrão de interferência característico de ondas, mas se determinarmos por qual fenda ocorreu a passagem, o obtermos um resultado com características de partículas.
No entanto, alguns anos antes, Louis De Broglie publica uma série de artigos [1], e apresenta a chamada Teoria de Ondas Pilotos. Nestes trabalhos Louis De Broglie, defende a igualdade entre Princípio de Maupertius e o Princípio de Fermat [2]. Nos trabalhos de Louis De Broglie, existem a onda E a partícula. A onda funcionando como um guia ( onda guia) para a partícula. Foi a partir dos trabalhos de Louis De Broglie, que Schroedinger obteve a sua equação, mas retirou o conceito de partícula, mantendo apenas o conceito de onda.
Após 1926 [3], a ideia da Teoria de Ondas Pilotos, praticamente foi esquecida. Somente seria retomada em 1952, com a publicação de um artigo por David Bom. Por este motivo, hoje falamos da Mecânica Bohmniana ou Teoria de Bohm [4].
Mas o que é a Teoria das Ondas Pilotos?
Na Teoria das Ondas Piloto, a função de onda é descrita pela equação de Schroedinger, a mesma que é ensinada nos cursos de graduação. A diferença é que agora existe também a partícula, sendo que o movimento da partícula não é descrito pela Equação de Schrodinger, mas por uma outra equação. que relaciona a velocidade da partícula com a função de onda, que é obtida com a solução da equação de Schroedinger, e servem como uma onda guia (onda piloto) para a partícula. Nesta formulação, as partículas possuem posição e momento linear (ou a velocidade) bem definidos, e são consideradas como as "variáveis escondidas " [3] da teoria (não aparecem na função de onda).
De acordo com a teoria de ondas pilotos, as trajetórias das partículas são reais, mas devido as condições iniciais que são aleatórias, não é possível determinar com precisão qual a sua trajetória real. Com as teoria de ondas piloto, os resultados obtidos com a mecânica quântica ortodoxa, podem ser reproduzidos, com a grande vantagem de que não é necessário introduzir o colapso da função de onda, isto é, o chamado problema da medida, deixa de existir.
Uma questão interessante é que na Teoria de Ondas Pilotos, uma partícula livre NÃO segue uma trajetória retilínea, isto porque a dinâmica não é a Newtoniana, e de acordo com De Broglie (citado em [1] ):
"O quanta de luz [átomo de luz] ... não propaga sempre em uma linha reta ...parece necessário modificar o princípio da inércia"
Em muitas situações nas quais classicamente (isto é, movimentos descritos pela física newtoniana) temos movimento, na Teoria de Ondas Pilotos, a partícula possui velocidade nula! De forma que fica claro que na proposta das ondas pilotos, estamos trabalhando com uma nova dinâmica (no congresso de Solvay de 1927, o título do trabalho apresentado por Dr Broglie foi "The New Dynamics of quanta" ), de forma que as concepções newtonianas deixam de ser válidas.
A teoria de ondas piloto ou mecânica bohmniana, é uma das alternativas para a mecânica quântica tradicional. Mas dificilmente faz parte da formação dos profissionais de física. Para os defensores da mecânica bohmniana, existem muitos motivos que justificam a sua utilização, mas fora destes círculos é normalmente ignorada. Talvez, na véspera de completarmos 100 anos da mecânica quântica, uma introdução aos conceitos básicos da teoria de ondas pilotos seria uma boa atitude nos cursos de graduação em física.
Notas e referências
[1] Sobre os artigos de Louis de Broglie, ver por exemplo G. Bacciagalluppi e A. Valentini, Quantum Theory at Crossroads, com acesso livre nos arxiv. A tese de doutorado de L. De Broglie, traduzido para o inglês pode ser acessado neste link.
[2] O Princípio de Maupertius, é utilizado para obter a trajetória partículas, e o Princípio de Fermat para obter a trajetória da luz. De Broglie, faz esta identidade considerando a proposta de Einstein de considerar a luz como uma partícula (o efeito fotoelétrico).
[3] Em 1927, foi realizado o quinto Congresso de Solvay, quando começa a ser estabelecido o que denominamos Interpretação de Copenhaguem da Mecânica Quântica. Ver [1], que faz um detalhamento do V Congresso Solvay.
[4] Ver por exemplo Rodrigo Siqueira-Batista , Mathias Viana Vicari, José Abdalla Helayël-Neto, David Bohm e a Mecânica Quântica: o Todo e o Indiviso, Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 44, e20220102 (2022), DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2022-0102 (o acesso é livre)
abril 01, 2024
Descongelando no forno micro-ondas
Quem já utilizou o forno micro ondas para descongelar um alimento, deve ter notado que o processo ocorre com alguns momentos o aparelho ficando ligado e outros momentos ficando desligado. Qual a razão deste liga e desliga? Não seria mais rápido ficar ligado todo tempo?
Inicialmente é importante saber como um forno micro ondas aquece os alimentos, uma referência é [1], da qual extraímos o trecho "A forma como o micro-ondas aquece os alimentos na realidade é um fenômeno conhecido como aquecimento dielétrico. Uma molécula polar, como a água, quando inserida em um campo elétrico tende a girar de maneira a se alinhar com o campo. Quando o campo elétrico inverte o seu sentido periodicamente, como nas ondas eletromagnéticas produzidas pelo forno, as moléculas giram em sentido alternado em busca de se realinhar com o campo. "
Como a radiação gerada é absorvida por moléculas de água, ligar o forno micro-ondas sem nenhuma quantidade de água, pode causar danos ao forno, pois a energia fornecida não será absorvida e pode retornar para o circuito interno do equipamento. Então evite ligar o forno micro-ondas sem um pouco de água dentro. E é justamente devido ao comportamento da água que o processo de descongelamento ocorre com o liga e desliga do forno micro-ondas.
Um fator importante é a constante dielétrica da água [2] . No caso da água, o seu valor vai depender de diversos fatores, mas em particular do estado físico da água, sendo que o seu valor no estado de gelo é muito menor que o caso da água no estado líquido. A energia absorvida depende do valor da constante dielétrica, logo, a água no estado líquido absorve muito mais energia do que a água no estado de gelo. Isto tem muita influência no processo de descongelamento dos alimentos.
Quando utilizamos o forno micro-ondas, assumindo que toda água esteja na forma de gelo, o forno micro ondas irá aquecer muito lentamente o alimento, quando comparado com o caso do alimento descongelado, e neste caso precisaríamos manter o forno micro ondas ligado por mais tempo, aumentando o consumo de energia. E talvez o fator mais importante é que como o descongelamento não ocorre de forma igual, durante o processo teremos um pouco de água na forma líquida, e o local com água irá absorver mais energia que os locais com gelo. Mantendo o forno micro-ondas ligado, então ao colocarmos um alimento congelado, podemos ter ao final do processo um alimento com algumas partes ainda frias, enquanto algumas partes podem estar quentes e talvez excessivamente cozida. Algo que talvez já tenha experimentado ao esquentar salgados congelados com o forno micro-ondas, com algumas partes ficando frias e outras quentes.
Para tornar o processo mais homogêneo, o forno micro-ondas deve ser desligado periodicamente. Algumas partes do alimento, formam uma região com água na forma líquida ( o gelo já derreteu). Este líquido em contato com outras regiões ainda congeladas, faz com com que outras partes ainda com gelo comecem a derreter. E este processo ocorre de forma lenta, sem que ocorra um cozimento do alimento, principalmente se o forno micro-ondas estiver desligado. Então na etapa que o forno está desligado, é a água já na forma líquida que ajuda a derreter o gelo. Notemos que neste caso, a temperatura do líquido é reduzida, de forma que quando o forno for novamente ligado, não vai ficar suficientemente quente para começar a cozinhar o alimento. Repetindo este processo, o degelo ocorre de forma mais uniforme. Em geral, cada fabricante possui etapas pré-programadas para o degelo, a recomendação é que utilize esta programação.
Notas e Referências
[1] Aquecimento da água no micro-ondas NÃO se dá por ressonância! em https://cref.if.ufrgs.br/?contact-pergunta=aquecimento-da-agua-no-micro-ondas-nao-se-da-por-ressonancia
[2] Tecnicamente, depende da parte imaginária da constante dielétrica. A do gelo é cerca de 4 ordens de grandeza menor que a da água na forma líquida. Este valor depende da temperatura e da frequência da radiação,
março 17, 2024
Gatos na mecânica quântica
Figura 1. O Gato de Cheshire -John Tenniel - domínio público |
O gato mais popular da mecânica quântica é o de Schrodinger, mas existe um outro que apesar de não ser tão popular, podemos dizer que tem um sorriso mais permanente. É o gato de Cheshire, um dos tantos personagens do livro Alice de Lewis Carroll.
"Bem! Muitas vezes vi um gato sem sorriso”, pensou Alice; “mas um sorriso sem gato! É a coisa mais curiosa que já vi na minha vida!” [1]
Como seu parente mais famoso, o gato de Cheshire também aparece na mecânica quântica, mas no artigo dos autores Yakir Aharonov, Sandu Popescu, Daniel Rohrlich e Paul Skrzypczyk, Quantum Chesire Cats de 2012. A ideia de forma geral seria de que na mecânica quântica uma propriedade de um objeto pode ser separado do mesmo e ter existência independente do objeto. O Gato de Cheshire seria um exemplo, ele desaparece mas seu sorriso permanece.
No artigo Quantum Cheshire Cats, os autores escrevem, [2]
Não admira que Alice esteja surpresa. Na vida real, supondo que os gatos realmente sorriam, o sorriso é uma propriedade do gato – não faz sentido pensar em um sorriso sem gato. E isso vale para quase todos propriedades físicas.
Os autores apresentam uma proposta de experimento utilizando um interferômetro, no qual um feixe de fótons inicial é separado em duas trajetórias distintas que posteriormente se cruzam. Na figura 2 apresentamos uma representação esquemática do efeito, na qual o fóton entra pelo lado esquerdo (representado com o Gato com Sorriso), e passa por divisor de feixe, sendo que a polarização do fóton ( sorriso) segue a trajetória inferior e o fóton (gato sem o sorriso) segue a trajetória superior, no final os feixes são recombinados resultando no fóton original (gato com sorriso).
Figura 2. Ilustração artística do efeito do Gato de Cheshire. Fonte |
Este processo depende de um procedimento denominado medida fraca, que é de forma simplificada uma medida que interfere muito fracamente com o sistema, não causando o chamado colapso da função de onda [1] e comparam os estados denominados pré-seleção e pós-seleção.
Figura 3. Descrição esquemática do experimento proposto em Quantum Chesire Cats |
No artigo Observation of a quantum Cheshire Cat in a matter-wave interferometer experiment, de 2014, Denkmayr, T., Geppert, H., Sponar, S. et al. realizaram o experimento utilizando neutrons ao invés de fótons, e argumentam que conseguiram demonstrar o efeito do Gato de Cheshire:,ou seja, é possível detectar o spin do neutron no caminho que o neutron não está passando, que é um resultado compatível com a proposta do artigo Quantum Chesire Cats, isto é, a propriedade spin do neutron segue um caminho distinto do caminho do neutron.
Existem outros experimentos que indicam a existência do efeito do Gato de Cheshire, o que indicaria mais uma consequência bem contra intuitiva da mecânica quântica, isto é, podemos separar uma propriedade do objeto, a propriedade seguindo uma trajetória e o objeto uma outra trajetória.
Uma questão importante é de que os resultados das medidas fracas correspondem a uma média de diversas medidas e não são consequências de medidas em sistemas individuais, o que faz com que alguns físicos considerem que não existe uma separação entre o "gato" e o seu "sorriso". No artigo Contextuality, coherences, and quantum Cheshire cats , os autores Jonte R Hance, Ming Ji e Holger F Hofmann, utilizam a teoria da contextualidade da mecânica quântica (que de maneira simplificada significa que os resultados de uma medida dependem da ordem que é realizada, ou do contexto das medidas realizadas no sistema [3]), para analisar a existência do Efeito do Gato de Cheshire. O resultado é que [4]
"... esclarecemos como o paradoxo quântico do gato de Cheshire deveria ser interpretado – especificamente que o argumento de que a polarização se torna “desincorporada” (...) em última análise, apenas um sistema contextual.
Isto implica que ao realizamos medidas de maneiras diferentes, obtemos resultados diferentes e que o Efeito do Gato de Cheshire somente ocorreria em uma situação muito específica de diferentes medidas realizadas no sistema. De forma que não seria um paradoxo real, mas consequência da propriedade de contextualidade da mecânica quântica.
Ainda é cedo para afirmar qual é a correta explicação para o Gato de Cheshire na mecânica quântica, mas como no caso do Gato de Schroedinger, este experimento mostra como a análise de efeitos quânticos é bem distinto do que ocorre em situações cotidianas, descritas pela física clássica, e que apesar de ser uma teoria centenária, como excelentes resultados teóricos e experimentais, muita coisa ainda precisa ser estudada. Mas é assim que caminha a ciência.
Notas e Referências
[1] No original “All right,” said the Cat; and this time it vanished quite slowly, beginning with the end of the tail, and ending with the grin, which remained some time after the rest of it had gone.
“Well! I’ve often seen a cat without a grin,” thought Alice; “but a grin without a cat! It’s the most curious thing I ever saw in my life!”, texto disponível no Projeto Gutemberg
[3] Para um artigo de revisão sobre contextualidade em mecânica quântica, ver
Kochen-Specker contextuality, Costantino Budroni, Adán Cabello, Otfried Gühne, Matthias Kleinmann, and Jan-Åke Larsson, Rev. Mod. Phys. 94, 045007 – Published 19 December 2022. Com acesso livre no arxiv. Veja também A Pseudo Telepatia Quântica , publicada no Cref ou em Fisica Sete e Meia .
[4] No artigo, o trecho completo (na conclusão) aparecer como "In this paper, we have clarified how the quantum Cheshire cat paradox should be interpreted—specifically that the argument that the polarisation becomes ‘disembodied’ results from only considering one specific pairing of the three mutually-incompatible properties in what is ultimately just a contextual system."
março 08, 2024
O Problema dos Três Corpos
Figura 1. Os cinco pontos de Lagrange no Sistema Sol-Terra (fonte NASA) |
Uma característica interessante do Problema de Três Corpos, é o resultado obtido por H. Poincaré no final do século XIX, é que o sistema apresenta o chamado comportamento caótico (para uma descrição do que é a Teoria do Caos, veja por exemplo este texto do CREF ). Isto significa que existem configurações nas quais as órbitas dos corpos não possuem movimentos regulares, de forma que o seu comportamento a longo prazo se torna imprevisível. Esta simulação no Youtube ilustra o que ocorre nas órbitas caóticas.
Figura 2:Ilustração das órbitas de três corpos para um sistema caótico Fonte |
O Problema de Três Corpos, mesmo após cem anos, ainda é um assunto que tem atraído atenção de pesquisadores, sejam físicos, astrônomos, ou matemáticos ( para uma aplicação específica em física, veja [3]). O que hoje sabemos que é um sistema que apresenta um comportamento caótico, mas que dependendo das condições iniciais pode apresentar movimentos periódicos. Mas é importante ressaltar que para observar comportamento caótico, o tempo de observação pode ser muito longo, de forma que dependendo do intervalo de tempo, o comportamento pode ser muito semelhante a um sistema regular.
Apenas por curiosidade, no livro O Problema do Três Corpos, de Cixiun Li utilizado para produzir a série homônima, não é exatamente um Problema de Três Corpos, mas não vou adiantar o enredo para quem não leu o livro ou está esperando a série.
Nota
[1] Solução no sentido de possuirmos uma função que descreva a posição e a velocidade de cada um dos corpos em qualquer instante do tempo. Lembrando que podemos resolver numericamente o problema.
[2] No caso de Mercúrio, o chamado avanço do periélio corresponde a cerca de 575 segundos de arco por século e boa parte deste avanço pode ser explicado devido a influência da atração gravitacional de outros planetas. Mas uma pequena parcela somente pode ser explicada utilizando a Teoria da Relatividade Geral no lugar a Gravitação Newtoniana.
[3] Uma aplicação do problema de Três Corpos na astronomia, é Restricted Problem.of Three Bodies With Newtonian+Yukawa Potencial, https://www.worldscientific.com/doi/10.1142/S021827180400492X ou em https://www.researchgate.net/publication/252081554_Restricted_Problem_of_Three_Bodies_with_Newtonian_Yukawa_Potential
março 01, 2024
Torrando pão no micro-ondas
O aparelho de micro-ondas é um eletro doméstico extremamente útil, e diversos alimentos podem ser preparados com o mesmo, em especial é muito útil para aquecer alimentos ( ver Aquecimento da água no micro-ondas NÃO se dá por ressonância! caso queria entender como ocorre o aquecimento dos alimentos, para um artigo sobre ). Mas existem alguns alimentos que não são adequados, por exemplo aquecer um ovo, que dependendo da situação pode levar a explosão do mesmo (ver por exemplo em Ovo explode no forno micro-ondas ) e também objeto que se possível não devem ser colocados dentro do forno micro-ondas (ver Sobre metal no forno de micro-ondas para alguns cuidados ao utilizar metais dentro do forno micro-ondas).
É comum utilizar o forno micro-ondas para aquecer pães que deixamos no congelador e neste caso é comum deixar por pouco tempo, cerca de 10 a 15 segundos. Caso o tempo seja maior, algumas vezes o pão fica extremamente borrachudo. E a diferença de tempo é usualmente pequena entre ficar comestível e ficar borrachudo. Isto é interessante, pois quando aquecemos o pão no forno ou em uma frigideira, o pão não costuma ficar borrachudo. Por que isto ocorre?
Na figura 1, mostramos no lado esquerdo uma fatia de pão de forma aquecido em uma frigideira e no lado direito o pão aquecido no forno micro-ondas. Notemos que no caso da frigideira, a parte interna não está torrada, mas no caso do forno micro-ondas a parte interna está torrada. Na foto não é possível perceber, mas na fatia aquecida com a frigideira a parte interna está macia e a parte externa crocante, no caso do micro-ondas, a parte interna está torrada e a parte que não está torrada, está bastante borachuda!
Figura 1 . No lado esquerdo a fatia aquecida no forno micro-ondas e no lado direito aquecido na frigideira.
Um ponto importante a ser notado é que no caso do pão no micro-ondas, a parte torrada não está distribuída de forma homogênea na parte interna, devido a presença de ondas estacionárias. Isto fica mais perceptível na figura 2, com três fatias de pão de forma colocadas uma encima da outra para aquecer no forno micro-ondas.
Figura 2. Três fatias de pão aquecidas no forno micro-ondas. |
Notas
Um artigo muito interessante é Bad food and good physics: the development of domestic microwave cookeryh , Kerry Parker and Michael Vollmer 2004 Phys. Educ. 39 82. O exemplo do pão foi retirado deste artigo.
fevereiro 15, 2024
O termômetro
O termômetro é o aparelho utilizado para medir a grandeza temperatura, e o seu papel no desenvolvimento da termodinâmica, não pode ser desprezado. Mas qual a origem do termômetro?
O conceito de objetos quente ou frio, tem origem muito anterior ao desenvolvimento do termômetro e da noção de temperatura. Que o ar e a água expandiam ao serem aquecidos, eram conhecidos desde a Grécia antiga, um exemplo sendo a máquina a vapor de Heron de Alexandria (cerca de 60 AC) ou um termoscópio rudimentar de Filão de Bizâncio (280-220 AC). No entanto, não tinham o propósito de medir temperaturas.
Figura 1. A máquina de Heron de Alexandria (Fonte) |
Talvez para surpresa de muitas pessoas, o termo temperatura não foi inicialmente elaborado para alguma aplicação em física ou química. Cláudio Galeno (cerca de 129 a 227 DC) , filósofo e médico grego, baseava seus tratamentos nas quatro qualidades propostas por Aristóteles calor, frio, seco e umidade. A combinação/mistura destas quatro qualidades, definiria segundo Galeno, as diferenças entre as pessoas. O termo mistura em latim é escrito "tempera", que dá origem ao termo temperatura. Galeno propunha e existência de uma temperatura neutra, que não seria nem quente nem frio, e que poderia ser obtido com uma mistura igual de água fervendo e gelo, propondo o que seria o primeiro padrão de medida da temperatura, e a partir desta temperatura neutra, Galeno apresentou 4 graus de calor e 4 graus de frio [1]. Mas para a medida da temperatura, não existia nenhum aparelho, de forma que "quente" ou "frio", eram grandezas subjetivas.
Não se sabe exatamente quem inventou ou usou pela primeira vez um termômetro (no sentido de medir temperatura com alguma escala). Existem algumas indicações apontando diferentes autores em diferentes épocas, sendo comum os seguintes autores : Santorio Santorii (Sanctorius) (1561- 1636), que tem o primeiro registro escrito (1611) sobre o termômetro; Galileu Galilei, apesar de não termos registros escritos, existem algumas indicações que teria inventado um termômetro antes de Santorio, talvez no período de 1592 a 1603; Robert Fludd (1574- 1637) e Cornelius Drebbel 1(572-1633) são outros prováveis inventores do termômetro. Não existem registros que eles tivessem conhecimento do trabalho dos outros, de forma que com grande possibilidade, foram desenvolvidos de maneira independente. Lembrando que no período, a comunicação era bem demorada. Mas o termômetro, como conhecemos atualmente, com líquido ou gás em um recipiente fechado, foi desenvolvido em 1641, por Ferdinando II, Grão Duque da Toscana (1610-1670). Os termômetros anteriores eram construídos utilizado recipientes abertos.
Figura 2. Termômetro de Fludd, 1626. (Fonte ) |
Uma vez tendo sido construído o termômetro, o próximo importante passo foi a de definir qual a melhor substância para ser utilizado, e qual o melhor padrão a ser utilizado para calibrar um termômetro. Alguns padrões propostos: temperatura dentro de um porão profundo, temperatura da grutas sob o Observatório de Paris, cera derretida, temperatura do corpo humano, temperatura do sangue, temperatura da manteiga derretida , água fervendo , mistura de água gelo e sal, dia mais quente do verão e outros [2]. Entre as substâncias, as preferências eram água, vinho, ar e mercúrio.
Daniel Gabriel Fahrenheit (1686-1736), foi o responsável por estabelecer a utilização do mercúrio como a substância ideal para os termômetros, e utilizou como padrão a temperatura do corpo humano e a ponto de congelamento de uma mistura em partes iguais de água, gelo e sal amôniaco, em 96⁰ F e 0 ⁰ F, respectivamente. Note que Fahrenheit NÃO escolheu como pontos fixos a temperatura de ebulição e a temperatura de congelamento da água, em 212 ⁰F e 32⁰F, respectivamente [3]. Os termômetros construídos por Fahrenheit e com o padrão escolhido, tornaram os termômetros confiáveis, com diferentes aparelhos resultando em medidas iguais nas mesmas condições, o que antes não era possível (o termômetro de vinho (alcool) , que era o mais comum, resultava em medidas diferentes nas mesmas situações). Os valores utilizados por Fahrenheit, possivelmente tem origem em uma escolha para evitar o uso números decimais "Fahrenheit prosseguiu dizendo (....) achava que a escala de Roemer com suas frações era ao mesmo tempo inconveniente e deselegante; então, em vez de 22 1/2 ⁰ dividido em quartos, ou seja, 90, ele decidiu considerar 96° como calor do sangue" [4].
A escala Celsius que utilizamos no Brasil, foi desenvolvida por Andres Celsius, que utilizou como ponto fixo o ponto de ebulição da água e o ponto de congelamento em 0⁰ C e 100⁰ C, respectivamente. Na escala original, os pontos fixos de Celsius são invertidos em relação ao que utilizamos atualmente.
Notas e Referências
[1] T J Quinn and J P Compton 1975, The Foundations of Thermometry Rep. Prog. Phys. 38 151; F. Sherwood Taylor M.A. Ph.D. , 1942, The origin of the thermometer, Annals of Science, 5:2, 129-156
[2] H. Chang 2007, Inventing Temperature, Oxford Univerity Press.
[3] A escolha do ponto de ebulição da água, não foi simples, até porque a definição precisa de ponto de ebulição não era bem estabelecida. Termos como ebulição branda, ebulição agitada, ebulição violenta eram comuns de serem utilizadas, além de que a utilização de um recipiente de vidro ou de metal, resultava em valores diferentes. Uma discussão interessante sobre estas dificuldades pode ser lida na referência [2].
[4]O trecho completo "Fahrenheit went on to say, in his letter to Boerhaave, that in 1717 he felt Roemer's scale with its fractions to be both inconvenient and inelegant ; so instead of 22 1/2 ⁰ divided into quarters, that is, 90, he decided to take 96° as blood heat. Retaining the same zero, the melting point of ice became 32°, instead of 7 1/2 ⁰ divided into quarters, or 30. This scale he continued to use and was using at the time the letter was written (that is, in 1729) ; he added that he had been confirmed in his choice because he found it to agree, by pure coincidence, with the scale marked on the thermometer hanging in the Paris Observatory. " Fonte: Friend, J. The Origin of Fahrenheit's Thermometric Scale. Nature 139, 395–398 (1937). https://doi.org/10.1038/139395a0
[5] Veja por exemplo https://cref.if.ufrgs.br/?contact-pergunta=sobre-a-determinacao-do-zero-absoluto . Uma curiosidade é que para sistemas fora do equilíbrio ou em equilíbrio meta estável, é possível atribuir uma temperatura negativa, mas que não representa uma temperatura menor que 0 K. Em um laser, o processo chamado inversão de população, corresponde a um sistema com temperatura negativa, que a rigor é uma temperatura que é obtida após a temperatura +infinito.