fevereiro 14, 2022

O paradoxo de Zenão e a Mecânica Quântica

    Aquiles resolveu desafiar para  uma corrida, sua  amiga tartaruga, e como imaginava que era muito mais rápido que a tartaruga, resolveu dar uma vantagem para ela. Era uma corrida de apenas 100 metros, e Aquiles disse para a tartaruga "eu espero você chegar na marca de 50 metros, antes de começar a correr". Para ajudar a verificar a lisura na aposta, Aquiles convidou seu amigo Zenão para ajudar na organização. Nas casas de apostas, Aquiles era o favorito! Ninguém queria apostar na tartaruga.  Mas ao saber das condições da corrida, Zenão resolveu apostar sua fortuna na tartaruga. Quando soube disso, Aquiles ficou furioso com seu amigo! "Ah Zenão, como você faz isso comigo? Acha que vou perder a corrida para a tartaruga?". Zenão olhou para Aquiles, e suspirando respondeu "Sim, amigo. Você vai perder." E antes que Aquiles ficasse mais furioso, explicou o seu raciocínio. 

"Para você alcançar a tartaruga, que inicia 50 metros na frentes, antes você precisa percorrer a metade da distância, que é 25 metros. Mas para atingir a distância de 25 metros, você precisa antes percorrer a metade desta distância, que é 12 metros e meio". Aquiles que já estava furioso, ficou mais ainda. " E dai? Qual o problema". Zenão olhou tristemente seu amigo, e continuou a explicar "Pois então, meu amigo, você sempre terá que vencer a metade da distância. E como para cada trecho, sempre podemos achar a metade, este processo continua indefinidamente, e vamos ter infinitos pedaços. Nunca vai conseguir atingir a tartaruga, meu amigo."         Aquiles ficou mais furioso e gritou "Eu sou mais rápido que uma flecha! Não vou perder para uma tartaruga!". Zenão, continuou a olhar tristemente para o seu amigo. "Aquiles, a flecha quando está em voo, ocupa sempre o mesmo espaço, o mesmo espaço que ocupa quando está em repouso. Logo a flecha não se movimenta". Zenão apenas complementou "O movimento é uma ilusão." Aquiles que antes estava nervoso, ficou sem saber o que dizer, mas Aristoteles que estava assistindo tudo, murmurou rapidamente "é tudo uma falácia".

  Apresentamos acima,  de uma forma bem livre, os chamados Paradoxos de Zenão,  um filósofo grego , que viveu no período de (490-430 AC), e que foi discípulo de um outro filósofo grego, Parmênides. A ele são atribuídos diversos paradoxos relativo ao movimento, que são descritos nos escritos de Aristóteles [1].  E o que os Paradoxos de Zenão tem a ver com a mecânica quântica?

    Um artigo que trouxe o tema para a física foi publicado em  1977, e nele  Misra e Sudarshan [2] argumentam que 

    " Uma partícula instável que é observada continuamente para verificar se ela decaiu ou não decaiu, nunca será detectada como decaida. Como isso lembra o famoso paradoxo de Zenão sobre a impossibilidade do movimento de uma flecha em voo, denominamos este resultado de paradoxo de Zenão na teoria quântica."

    Antes de continuar, um spoiler : não existe paradoxo de Zenão quântico. O termo que é utilizado atualmente é Efeito Zenão Quântico, pois não existe nenhum paradoxo no problema. O resultado é  uma consequência da  mecânica quântica [3], não sendo necessário nenhuma modificação na sua estutura.

    Mas o que é o Efeito Zenão Quântico? Em palavras simples é o efeito de inibir mudanças em um sistema, quando são efetuadas medidas no sistema em estudo. Em um sistema quântico podemos calcular a probabilidade de ocorrer algum evento, por exemplo, o decaimento de um sistema. O procedimento é relativamente simples,   e basicamente necessitamos determinar as interações existentes no sistema (o que normalmente torna o desenvolvimento  bem mais complexo). Conhecendo as interações, determinamos como o sistema evolui com o tempo, e com isto podemos calcular qual a probabilidade de ocorrer algum evento em particular. O que o Efeito Zenão Quântico descreve é a supressão o decaimento devido a interação deste sistema com um outro sistema, quando consideramos intervalos de tempo relativamente pequenos. No limite, esta interação (observações) impediria um sistema de mudar, o que levou os autores do artigo [2] a citar o paradoxo de Zenão. 


Figura 1. Ilustração do Efeito Zenão Quântico (figura adaptada de [3]).


    A figura 1, ilustra o Efeito Zenão Quântico,    no eixo vertical apresentamos a probabilidade de não ocorrer um decaimento e no eixo vertical representamos  o tempo. O gráfico em traço representa  o que ocorre sem a realização de medidas[4] e em vermelho quando são efetuadas medidas periódicas, a cada período $\tau$, uma medida é realizada  no gráfico são cinco medidas,indicamos com uma flecha os instantes das medidas $\tau, 2\tau, 3\tau, 4\tau, 5\tau $.  Notemos que a probabilidade de não ocorrer o decaimento, diminui mais lentamente quando se realizam as medidas (o gráfico em vermelho)  em relação ao caso sem medidas (gráfico em traço). (O gráfico é adaptado do artigo [3] )

        Desde 1980, diversos experimentos tem comprovado o Efeito Zenão Quântico, utilizando técnicas bem distintas, como polarização de fótons, condensados de Bose Einstein, ions e outras técnicas.  Um assunto que iniciou mais como uma questão conceitual, mas hoje pode nos  ajudar por exemplo  a controlar o que denominamos decoerência quântica em computação quântica. E o que seria a decoerência quântica e computação quântica? Um assunto que vamos tratar nos nossos próximo textos. 

Referências

[1] Para quem desejar conhecer um pouco mais sobre Zenão, é o site https://opessoa.fflch.usp.br/FiFi-19 de uma disciplina ministrada pelo Professor Osvaldo Pessoa Jr, vale a pena dar uma lida. Outro site é https://plato.stanford.edu/entries/paradox-zeno/ ,   Huggett, Nick, "Zeno’s Paradoxes",The Stanford Encyclopedia of Philosophy(Winter 2019 Edition), Edward N. Zalta (ed.).  

Em  http://classics.mit.edu/Aristotle/physics.6.vi.html , é possível acessar uma versão em inglês do livro Física de Aristóteles. No site um trecho que cita Zenão é "Zeno's reasoning, however, is fallacious, when he says that if everything when it occupies an equal space is at rest, and if that which is in locomotion is always occupying such a space at any moment, the flying arrow is therefore motionless. This is false, for time is not composed of indivisible moments any more than any other magnitude is composed of indivisibles."

[2] Do original "An unstable particle observed continuously whether it has decayed or not will never befound to decay! Since this evokes the famous paradox of  Zeno denying the possibility of motion to a flying arrow,  we call this result the Zeno's paradox in quantum theory." B. Misra e E.C.G. Sudarshan, J.Math.Phys 18, 756 (1977). 

[3]P. Facchi e S. Pascazio, J. Phys. A: Math. Theor. 41 (2008) 493001, Topical Review. acesso livre em https://arxiv.org/abs/0903.3297

[4] O termo medida não significa necessariamente a presença de um observador,  mas a interação com um sistema externo (que pode ser um aparelho de medida ou outro sistema quântico).  


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