dezembro 15, 2023

Qual máxima temperatura o corpo humano suporta?

    



     Esta é uma pergunta bastante importante, principalmente com o aumento global da temperatura média na Terra. Nos últimos anos ondas de calor tem sido cada vez mais frequentes, e neste ano de 2023, no mês de outubro foi registrado pela primeira vez uma temperatura média acima de 2,0⁰C em relação ao período pré-industrial. Algumas regiões tem registrado temperaturas extremamente elevadas com temperaturas acima de 40⁰C em muitas regiões.

        O que ocorre com nosso corpo, se a temperatura externa estiver muito alta, como registrado neste ano em vários locais? Lembrando que o ser humano  mantem a sua temperatura corporal relativamente constante, que vai depender da pessoa, mas é cerca de 36⁰C a 37⁰C. em condições normais. Se a temperatura do ambiente for mais alta do que a do nosso corpo, vai ocorrer uma transferência de calor do ambiente para o nosso corpo. Se consideramos que nosso corpo gera uma quantidade de energia, mesmo em repouso, ao receber mais energia do ambiente, a temperatura do corpo vai aumentar SE não tiver um processo de dissipação de energia eficiente. Se a temperatura corporal exceder 40⁰C , sofremos um estresse térmico e entramos em sério risco para a nossa saúde. Desta forma é importante que mesmo que o ambiente esteja com temperatura acima de 40⁰C, nosso corpo consiga transferir de maneira eficiente de manter a sua temperatura corporal próximo da faixa normal. 

    Felizmente nosso corpo possui mecanismos de regulação da temperatura corporal  relativamente eficientes [1]. Um destes mecanismos   é o suor,  e o outro  é o aumento da circulação sanguínea do interior do corpo para a pele. O suor ao evaporar, ajuda a reduzir a temperatura do corpo e o sangue também ajuda a reduzir a temperatura interna, com um fluxo de calor da parte interna do corpo para a superfície do corpo. 

    Estes dois mecanismos resultam em um aumento no nosso metabolismo. Se a variação da temperatura externa estiver dentro de um certo limite, esse aumento no metabolismo não causará problemas para as pessoas.  Não existe ainda um valor exato e que seja válido para todas as condições ambientais, para  os limites inferior e superior considerados adequados para o ser humano. Mas uma faixa conservadora é de cerca de 28⁰C a 32⁰C (temperatura de bulbo seco) [3], nesta faixa nosso metabolismo não fica sobrecarregado para esfriar ou aquecer o nosso corpo .  Fora desta faixa,  ocorre um aumento no nosso metabolismo além do considerando normal. Lembrando que o aumento da circulação sanguínea ocorre devido ao processo de vasodilatação (para  o caso de aumento da temperatura). Aumentando diâmetro, para o fluxo sanguíneo não ser reduzido, o coração passa a funcionar com maior intensidade. E esta condição pode causar problemas, dependendo das condições de cada pessoa.

    Um estudo recente [2] indica que o estresse cardiovascular aumenta com a temperatura, sendo que dependendo da umidade relativa do ar, a temperatura critica  varia de 34⁰C (ar úmido) para 41⁰ C (ar seco) [3], este resultado tendo sido  obtido com  pessoas realizando atividades físicas leves dentro de um ambiente controlado.  Mas outros estudos indicam que mesmo pessoas que estejam em repouso, sofrem do estresse cardíaco, devido a variação na temperatura. Isto quer dizer que mesmo que estejamos apenas descansando, em uma área sem incidência solar, se a temperatura estiver alta, estamos em situação de estresse cardíaco .

      Mas qual seria a razão de que em condições de alta umidade, o estresse ser maior? O que ocorre é que em ambientes úmidos a evaporação se torna menos eficiente [3].    

      Podemos fazer uma estimativa da energia que é dissipada pela evaporação do suor, usando $Q=mL$ em que $m$ é a massa do suor (que vamos aproximar como água pura) e $L$ é o calor específico.   Para determinarmos a massa do suor, podemos utilizar uma estimativa de sudorese da ordem de 1 Litro por  dia ou 1kg por dia. Assim em um dia com a evaporação do suor, cerca de $ Q= (10³ g) ( 580 cal/g) =5,8 . 10^5 cal $ ou cerca de  2,43 MJ [4] são retirados do nosso corpo, ou se pensarmos em potência, seriam cerca de 28 W.  Em situações de grande sudorese, podemos perder uma quantidade maior de água. Por exemplo se perdemos 3 litros de água com suor, a potência dissipada será 3 vezes maior ou cerca de 90 W. Este é um valor para o ar seco. Para ar úmido a situação é outra, e taxa de resfriamento será menor, no entanto nosso organismo continuará a tentar reduzir a sua temperatura  corporal. Lembrando que estando o ambiente com temperaturas elevadas, a fonte externa continuará atuando. Isto é semelhante a manter um equipamento continuamente funcionando no limite,  e nesta situação a probabilidade de ocorrer uma pane no equipamento é maior do que quando está funcionando em situação normal. Assim,  mantendo este processo por muito tempo, uma pessoa pode entrar em um regime de estresse elevado, e ter problemas sérios de saúde. Mesmo estando sem realizar atividades físicas intensas.

    Respondendo a pergunta inicial, apesar de não conhecermos ainda o limite superior exato, sabemos que se a temperatura do bulbo seco for da ordem de 40⁰C (ou talvez um pouco menor), o que tem sido alcançado em vários locais,  nosso corpo começa a sofrer um estresse cardíaco. E este estresse for mantido por muito tempo, pode levar ao óbito, principalmente pessoas mais idosas ou com algum problema de saúde. Além do estresse cardíaco, podem ocorrer outros problemas de saúde, que ainda não conhecemos.  E infelizmente talvez  comecemos a ter mais dados, caso as temperaturas se mantenham neste patamar ou aumentem.

    A recomendação para os dias muito quentes, é evitar  locais com temperaturas elevadas, mesmo na sombra. Tomar muito líquidos. Se não for possível frequentar ambientes com ar condicionado, um ventilador é melhor que não ter ventilador. Mesmo não reduzindo a temperatura do ambiente, o ventilador ajuda no processo de evaporação e convecção, o  que ajuda na troca de calor [6].  

    Mas se a temperatura na Terra continuar a subir, chegará um momento que as temperaturas serão suficientemente elevadas, que não existirá condições de manter, mesmo que artificialmente, a temperatura reduzida para a maioria da população. A solução que devemos tomar, e de forma urgente, é  reduzir drasticamente a produção de resíduos térmicos que são transferidos para a atmosfera.  


Referências

[1] How hot is too hot for the human body? Study offers new insights 

[2] Onset of cardiovascular drift during progressive heat stress in young adults (PSU HEAT project). Rm. Cottle, KG Fischer, ST Wolf, WL Kenney, 22 Jun 2023, 135(2):292-299 https://journals.physiology.org/doi/abs/10.1152/japplphysiol.00222.2023  

[3] Normalmente a temperatura que são anunciadas são de bulbo seco.  Em estações meteorológicas as medidas de temperatura com bulbo seco e bulbo úmido, permitem determinar a umidade relativa do ar. No caso de termos umidade relativa do ar 100%, a temperatura do bulbo úmido é igual ao bulbo seco. Com umidades menores, a temperatura do bulbo úmido é menor que a  temperatura do bulbo seco.

[4] Para saber sobre como a umidade afeta o chamado "conforto térmico", veja por exemplo em Conforto térmico para humanos. É importante também diferenciar a temperatura de bulbo seco com a temperatura de bulbo úmido.

[5] Note que utilizamos como calor latente de evaporação o valor de 580 cal/g ao invés de 540  cal/g. Isto porque a evaporação não está ocorrendo em 100⁰C, e o calor latente de vaporização varia com a temperatura.  Este site possui uma calculadora do calor latente em função da temperatura.

[6] Ver por exemplo em  Ar movimentado por um ventilador é frio? . 

dezembro 07, 2023

Buraco no Sol

 Extra, extra. “Um buraco gigantesco no Sol! Uma cratera gigantesca no Sol! Um buraco sessenta vezes maior que a Terra na superfície do Sol.” Recentemente apareceu nos jornais esta notícia com algumas variações. Será realmente um buraco no Sol?


Figura 1. O buraco coronal, em 03/12/2023. Fonte Nasa




    O Sol é basicamente um gás muito quente, mantido por reações nucleares (fusão nuclear) no seu interior. Este gás é tão quente que os átomos são ionizados (perdem seus elétrons), e esta mistura de átomos ionizados, formam o que denominamos plasmas. Na física sabemos que cargas em movimento geram campos magnéticos, e por outro cargas elétricas em movimento são afetadas por campos magnéticos. Isto gera uma dinâmica extremamente complexo do plasma solar.

    Uma destas consequências é formação de arcos como na figura 2, em que podemos ver a formação de um arco com início e fim na superfície solar.

Figura 2. Uma imagem de um arco na superfície do Sol (fonte Nasa) 


    Neste tipo de arco solar, cada região do arco na superfície do Sol, tem polaridades diferentes (é como colocar limalhas de ferro na presença de um imã, as limalhas se alinham de um polo magnético a outro), e o arco faz a ligação entre estes dois polos magnéticos. Algumas vezes estes arcos são rompidos, ejetando material para o espaço, e que podem atingir a Terra. Uma simulação do que ocorre no Sol, pode ser acessado neste vídeo.

    O chamado buraco coronal aparece quando surgem regiões unipolares na superfície do Sol, isto é, uma única polaridade, e que são denominados campos magnéticos “abertos”[1] . Por serem abertos, as partículas carregadas podem ser transportadas por estas linhas de campo magnético para grandes distâncias. Nesta região do buraco coronal, a densidade do plasma e sua temperatura são menores do que nas suas vizinhanças (fora do buraco coronal) . No entanto, se for observado na faixa da radiação visível (luz), não é possível ver o este buraco coronal. Para que possamos ver o buraco coronal, é preciso observar em frequências maiores que a da luz visível, por exemplo no ultravioleta ou no raio-x mole.

    Um buraco coronal é formado na região da atmosfera solar denominado coroa solar, que é região da atmosfera solar, mais distante. Então é região longe da sua superfície.

    E uma buraco coronal é a mesma coisa que manchas solares?Seria o buraco coronal uma mancha solar gigantesca? Não, pois a mancha solar é formada na chamada fotosfera , que é uma camada da atmosfera mais profunda que podemos observar na faixa da luz visível, portanto sendo formada em uma região diferente do buraco coronal.


Foto 3. Um registro de manchas solares. Fotograma retirado deste video da Nasa.



    Assim os buracos coronais não são “buracos”, “fendas” ou “crateras” na superfície do Sol, mas uma região que é mais fria e menos densa que as regiões vizinhas, e sendo formado devido a existência de um campo magnético aberto. E sua existência não é rara no Sol. 

    Mas estes fenômenos por produzirem um feixe de partículas de alta energia, podem causar perturbações quando atingirem a atmosfera terrestre. Nos casos extremos podem afetar as comunicações na Terra. Esta é uma preocupação em relação a estes tipos de buracos coronais. Mas este que foi anunciado, não deve ser preocupante, não deve causar problemas aqui na Terra. Infelizmente, nossos problemas são gerados pela própria humanidade.




Notas

[1] Utilizamos “abertos” entre aspas, porque estes campos não são de fato abertos, pois as leis do eletromagnetismo não permitem. Então estamos na verdade observado apenas uma parte do campo magnético.






dezembro 01, 2023

A origem do termo fóton

    Possivelmente o primeiro contato que temos com o termo fóton nos cursos de graduação, é quando estudamos física moderna, com a discussão do trabalho de Albert Einstein a respeito do efeito-fotoelétrico.
Ilustração do efeito fotoelétrico . Fonte


     Neste artigo (uma tradução em inglês do artigo pode ser acessado aqui ), é introduzido o conceito de quantum de luz , ou de acordo com  Einstein [1]:

A concepção segundo a qual a luz excitadora é constituída de quanta de energia (hv) permite conceber a produção de raios catódicos [elétrons] pela luz da maneira seguinte. Quanta de luz penetram na camada superficial do corpo; sua energia é transformada, pelo menos em parte, em energia cinética dos elétrons (...) 

    E neste artigo, o termo fóton não é utilizado nenhuma vez. De fato, este termo não tem origem no artigo de Einstein. O primeiro registro do termo fóton, aparece em uma carta que G. Lewis enviou para a revista Nature em 1926 [2].  Nesta carta aos editores, Lewis  inicia comentando  que  "nos  processos  nos quais  um átomo perde energia radiante, e outro átomo nas proximidades recebe a mesma energia, de forma abrupta e  única"  lembra os processos nos quais "uma molécula perde ou ganha um átomo  ou um elétron na sua totalidade, mas nunca uma fração de um ou de outro". E comenta que graças a genialidade de Planck, posteriormente Einstein desenvolveu a ideia do quantum de luz, sendo que mais adiante Lewis   escreve que: 
 
" Tomo a liberdade de propor para este hipotético novo átomo, que não é luz, mas possui um papel essencial em todos processos de radiação, o nome fóton."

    Lewis, apresenta a ideia  de que o número de fótons seria uma grandeza conservada, e ressalta que esta ideia aparentemente traz dificuldades para explicar alguns fenômenos observados (resultados de espectroscopia de sistemas atômicos), mas comenta que tem a esperança que seja possível utilizar o conceito de conservação de fótons para derivar algumas propriedades que são observados, e que não entre em conflito com os dados observados, mas que até o momento "não tinha ainda conseguido" uma construção adequada.  Assim, a proposta do fóton apresentada por Lewis é diferente do conceito de quantum de luz , introduzido por Einstein em 1905, e sendo importante ressaltar que o número de fótons, não é uma grandeza conservada.

    A primeira utilização do termo fóton (de acordo com [3]), no sentido que atualmente utilizamos, foi devido a Arthur Compton, que o utilizou o termo no Congresso de Solvay de 1927.  


V Congresso de Solvay, 1927.


 Os Anais do V Congresso de Solvay, tinha como título "Elétrons e Fótons", mas o termo fóton não aparece em nenhum dos títulos dos trabalhos apresentados no Congresso, mas aparece  nos registros da palestra de A. Compton, que cita a carta de Lewis [4]:

"Em relação a esta unidade de radiação, eu usarei o nome "fóton", sugerido recentemente por G.N. Lewis ...Quando comparado com os termos "quantum de radiação" a "quantum de luz", este nome tem a vantagem de ser curto (...) "

    Posteriormente, ao receber o Prêmio Nobel, em dezembro do mesmo ano, A.H. Compton voltaria a utilizar o termo fóton em sua palestra durante a cerimônia de recebimento do Prêmio Nobel [5]. 

    Desta forma o termo fóton, surge mais de 20 anos após o artigo de Einstein de 1905, e apesar do termo ter sido sugerido para uma outra situação,  foi    A.H. Compton,   que (re)utilizou o termo fóton  para descrever o "quantum de luz", como utilizamos atualmente.
   
    
Notas e referências
[1]Versão em português,  de  Einstein e seus Trabalhos de 1905 e 1915 , de autoria de Ildeu de Castro Moreira, 2005.
[2] Lewis, Gilbert Newton. (1926) “The conservation of photons,” Nature 118 (2981): 874-875
[3] L.B.Okun, 2006. Photon: history, mass, cahrge, Acta Physca Pol.B, v37, 565-573, pode ser acesso neste link.
[4]No original "In referring to this unit of radiation I shall use the name `photon', suggested recently by G. N. Lewis. a This word avoids any implication  regarding the nature of the unit, as contained for example in the name  `needle ray'. As compared with the terms `radiation quantum' and `light quanta',  this name has the advantages of brevity and of avoiding any implied dependence upon the much more general quantum mechanis or quantum theory of atomic structure.". Este artigo  pode ser acessado em  Quantum Theory at the Crossroads: Reconsidering the 1927 Solvay Conference .

[5] A.H. Compton, 1927, X-rays as a branch  of optics, Nobel Lecture, pode se acessado neste link.