Figura 1. O Gato de Cheshire -John Tenniel - domínio público |
O gato mais popular da mecânica quântica é o de Schrodinger, mas existe um outro que apesar de não ser tão popular, podemos dizer que tem um sorriso mais permanente. É o gato de Cheshire, um dos tantos personagens do livro Alice de Lewis Carroll.
"Bem! Muitas vezes vi um gato sem sorriso”, pensou Alice; “mas um sorriso sem gato! É a coisa mais curiosa que já vi na minha vida!” [1]
Como seu parente mais famoso, o gato de Cheshire também aparece na mecânica quântica, mas no artigo dos autores Yakir Aharonov, Sandu Popescu, Daniel Rohrlich e Paul Skrzypczyk, Quantum Chesire Cats de 2012. A ideia de forma geral seria de que na mecânica quântica uma propriedade de um objeto pode ser separado do mesmo e ter existência independente do objeto. O Gato de Cheshire seria um exemplo, ele desaparece mas seu sorriso permanece.
No artigo Quantum Cheshire Cats, os autores escrevem, [2]
Não admira que Alice esteja surpresa. Na vida real, supondo que os gatos realmente sorriam, o sorriso é uma propriedade do gato – não faz sentido pensar em um sorriso sem gato. E isso vale para quase todos propriedades físicas.
Os autores apresentam uma proposta de experimento utilizando um interferômetro, no qual um feixe de fótons inicial é separado em duas trajetórias distintas que posteriormente se cruzam. Na figura 2 apresentamos uma representação esquemática do efeito, na qual o fóton entra pelo lado esquerdo (representado com o Gato com Sorriso), e passa por divisor de feixe, sendo que a polarização do fóton ( sorriso) segue a trajetória inferior e o fóton (gato sem o sorriso) segue a trajetória superior, no final os feixes são recombinados resultando no fóton original (gato com sorriso).
Figura 2. Ilustração artística do efeito do Gato de Cheshire. Fonte |
Este processo depende de um procedimento denominado medida fraca, que é de forma simplificada uma medida que interfere muito fracamente com o sistema, não causando o chamado colapso da função de onda [1] e comparam os estados denominados pré-seleção e pós-seleção.
Figura 3. Descrição esquemática do experimento proposto em Quantum Chesire Cats |
No artigo Observation of a quantum Cheshire Cat in a matter-wave interferometer experiment, de 2014, Denkmayr, T., Geppert, H., Sponar, S. et al. realizaram o experimento utilizando neutrons ao invés de fótons, e argumentam que conseguiram demonstrar o efeito do Gato de Cheshire:,ou seja, é possível detectar o spin do neutron no caminho que o neutron não está passando, que é um resultado compatível com a proposta do artigo Quantum Chesire Cats, isto é, a propriedade spin do neutron segue um caminho distinto do caminho do neutron.
Existem outros experimentos que indicam a existência do efeito do Gato de Cheshire, o que indicaria mais uma consequência bem contra intuitiva da mecânica quântica, isto é, podemos separar uma propriedade do objeto, a propriedade seguindo uma trajetória e o objeto uma outra trajetória.
Uma questão importante é de que os resultados das medidas fracas correspondem a uma média de diversas medidas e não são consequências de medidas em sistemas individuais, o que faz com que alguns físicos considerem que não existe uma separação entre o "gato" e o seu "sorriso". No artigo Contextuality, coherences, and quantum Cheshire cats , os autores Jonte R Hance, Ming Ji e Holger F Hofmann, utilizam a teoria da contextualidade da mecânica quântica (que de maneira simplificada significa que os resultados de uma medida dependem da ordem que é realizada, ou do contexto das medidas realizadas no sistema [3]), para analisar a existência do Efeito do Gato de Cheshire. O resultado é que [4]
"... esclarecemos como o paradoxo quântico do gato de Cheshire deveria ser interpretado – especificamente que o argumento de que a polarização se torna “desincorporada” (...) em última análise, apenas um sistema contextual.
Isto implica que ao realizamos medidas de maneiras diferentes, obtemos resultados diferentes e que o Efeito do Gato de Cheshire somente ocorreria em uma situação muito específica de diferentes medidas realizadas no sistema. De forma que não seria um paradoxo real, mas consequência da propriedade de contextualidade da mecânica quântica.
Ainda é cedo para afirmar qual é a correta explicação para o Gato de Cheshire na mecânica quântica, mas como no caso do Gato de Schroedinger, este experimento mostra como a análise de efeitos quânticos é bem distinto do que ocorre em situações cotidianas, descritas pela física clássica, e que apesar de ser uma teoria centenária, como excelentes resultados teóricos e experimentais, muita coisa ainda precisa ser estudada. Mas é assim que caminha a ciência.
Notas e Referências
[1] No original “All right,” said the Cat; and this time it vanished quite slowly, beginning with the end of the tail, and ending with the grin, which remained some time after the rest of it had gone.
“Well! I’ve often seen a cat without a grin,” thought Alice; “but a grin without a cat! It’s the most curious thing I ever saw in my life!”, texto disponível no Projeto Gutemberg
[3] Para um artigo de revisão sobre contextualidade em mecânica quântica, ver
Kochen-Specker contextuality, Costantino Budroni, Adán Cabello, Otfried Gühne, Matthias Kleinmann, and Jan-Åke Larsson, Rev. Mod. Phys. 94, 045007 – Published 19 December 2022. Com acesso livre no arxiv. Veja também A Pseudo Telepatia Quântica , publicada no Cref ou em Fisica Sete e Meia .
[4] No artigo, o trecho completo (na conclusão) aparecer como "In this paper, we have clarified how the quantum Cheshire cat paradox should be interpreted—specifically that the argument that the polarisation becomes ‘disembodied’ results from only considering one specific pairing of the three mutually-incompatible properties in what is ultimately just a contextual system."