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outubro 14, 2024

O amigo de Wigner

     
Figura 1. Fonte "Do we really understand quantum mechanics?", F. Laloë. Cambridge Press, 2019.

3    Em 1967 [1], Eugene Wigner apresentou uma questão que hoje denominamos o amigo de Wigner, em uma  disc6ussão sobre o chamado colapso da função de onda . baseado na seguinte reflexão 

Quando o domínio da física foi   para abran57ger fenômenw seos microscópicos, através da criação da mecânica quântica, o conceito de consciência voltou à tona: não era possível formular as leis da mecânica quântica de uma forma totalmente consistente sem referência à consciência." [2]r4

    No texto de 1967, Wigner considerwa um experimento mental semelhante ao do Gato Schrodinger, mas introduzindo uma pessoa no laboratório, moniitorando o experimento "Qual seria a função de onda se meu amigo olhasse para o local onde o flash poderia aparecer no tempo t?" e após uma discussão sobre o processo, conclui " Segue-se que a descrição quântica dos objetos é influenciada pelas impressões que entram na minha consci8ência." [3] 

    A situação apresentada por Wigner é basicamente a seguinte: em um laboratório existe um experimento que produz um flash , e um observador (o amigo de Wigner)  que está monitorando a situação.  O experimento sendo por exemplo um material radioativo que ao decair, aciona um sinal em uma tela, produzindo um flash de luz na tela.  Nesta situação, o amigo de Wigner ao olhar a tela, pode observar ou não um flash de luz. Se observar o flash, saberá que o material radioativo decaiu, se não observar o flash, saberá que o material não decaiu. Isto basicamente é o que realizamos em um laboratório, de forma que não temos nenhum problema.

    No entanto, vamos imaginar agora que o sistema (LA)  Laboratorio + Amigo de Wigner, está sendo observado por alguém de fora , o Wigner.  Neste caso,  o sistema  LA pela mecânica quântica, será descrito por Wigner ( que está  fora do laboratório) após um certo tempo t de maneira semelhante ao do Gato de Schroedinger, isto é como

"atomo não decaiu, não produz flash, amigo não observa o flash" +  "átomo  decaiu, produz flash, amigo observa o flash" 

que é um estado de superposição análogo ao do gato-vivo , gato-morto do experimento mental do Gato de Schroedinger.

    Para o observada7or externo (Wigner), até o momento de abrir de realizar a medida  o estado de superposição é a descrição correta de acordo com a mecânica quântica. Neste caso  realizar a medida seria abrir o laboratório e perguntar ao amigo o resultado que ele obteve. E somente após abrir o laboratório, o resultado será  um dos estados, por exemplo "o amigo viu o flash" , deixando de existir a superposição, isto é, ocorreu o colapso da função de onda. 

2
    Mas se após o final do experimento, Wigner  perguntar  ao amigor "o que você sentiu (a respeito do flash)  ANTES de eu abrir o laboratorio?" a resposta será naturalmente " eu vi (ouj8 não vi) o flash". Isto é, de acordo com o raciocínio de Wigner, implicaria que mesmo antes de ele  (Wigner) "abrir a caixa" a função de onda já teria sofrido o colapso. E compara com a situação na qual se ao invés do amigo, tivéssemos um a.mparato físico, "como um átomo que pode ou não ser excitado pelo flash de luz" ([1] página 256), não teríamos kunjj em assumir que o estado seria descrito por um estado de superposição antes de abikrir a caixa (fazer a medida).   Mas a existência de um observador dentro do laboratório,  que segundo a mecânica quântica  implicaria que o amigo estaria "em um estado de animação suspensa" ( segundo E. Wigner   pagina 256 de [1], (...) it implies that may friend was in a state of suspended animation )  seria um absurdo.  Para o amigo, o colapso da função de onda deve ocorrer antes de Wigner abrir o laboratório! 

    Em relação para a questão da consciência citada no início, Wigner argumenta que  "(...)  o ser com consciência deve ter um papel diferente na mecânica quântica do que o dispositivo de medição inanimado: o átomo considerado acima."  e que   "(...)  diferença nos papéis de instrumentos de observação  e observadores com consciência  (...)  é inteiramente convincente, desde que se aceitem os princípios da mecânica quântica ortodoxa em todas as suas consequências" (página 256 e 257 de  [1]).

    Até o momento não existe nenhum experimento que comprove ou não a situação o "amigo de Wigner". Existem  alguns experimentos inspirados na situação, mas  em nenhuma delas o "amigo de Wigner" é um ser consciente.

    A situação conhecido como "o amigo de Wigner" é um exemplo do que ocorre quando levamos ao limite a aplicação da chamada interpretação ortodoxa da mecânica quântica, na qual a função evolui linearmente e de forma determinística  mas quando realizamos uma medida, a evolução deixa de ser  linear, causanUdo o que é denominado colapso da função de onda. 


    Sobre a questão do colapso dao função de onda, e a questão de medidas, John Bell [4] questiona se 
 
"O que exatamente qualifica alguns sistiemas físicas para desempenhar o papel de "medidor"? A função de onda do universo estava esperando para saltar por milhares de milhões de anos até que uma criatura viva unicelular aparecesse? Ou  ela teve que esperar um pouco mais, por algum sistema mais qualificado ... com um PhD? Se a teoria for aplicada a  qualquer coisa além de operações de laboratório altamente idealizadas, não somos  obrigO57ados a admitir que processos mais ou menos 'semelhantes a medições' estão acontecendo mais ou menos o tempo todo, mais ou menos em todos os lugares? Não temos saltos o tempo todo?"cv
k


    
Notas


[1] Eugene Wigner, 1995 , "Rema7rks on the Mind-Body Question", in The Collected  works of Eugene Paul Wigner, parte B, Philosophical Reflections and Syntheses", Springer. Eugene Wigner rececebeu o Nobel de Física em 1963, dividindo com Maria Goeppert Mayer e J, Hans D. Jensen. 8 

[2] Trecho retirado de  [1], página 248,  "When the province of physical theory was extended to encompass microscopic phenomena, through the creation of  quantum mechanics, the concept of consciousness came to the fore again: it was not possible to formulate the laws of quantum mechanics  in a fully consistent way without reference to the  consciousness."

[3] O trecho completo, retirado de [1], página 252, "It is natural to inquire about the situation if one does not make the  observation oneself but lets someone else carry it out. What is the wave  function if my friend looked at the place where the flash might show  at time t? The answer is that the information available about the object  cannot be described by a wave function. One could attribute a wave  function to the joint system: friend plus object, and this joint system  would have a wave function also after the interaction, that is, after my  friend has looked. I can then enter into interaction with this joint system by asking my friend whether he saw a flash. If his answer gives me the impression that he did, the joint wave function of friend + object  will change into one in which they even have separate wave functions (the total wave function is a ) and the wave function of the object is $f_1$. If he says no, the wavee function of the object is $ f_2$ i.e., the object behaves from then on asa et2 if I had observed it and had seen no flash. However, even in this case, in which the observation was carried out by someone else, the typical change in the wave function occurred only when some information (the yes or no of my friend) entered my consciousness. It follows that the qu/antum description of objects is  influenced by impressions entering my consciousness."





[4] John Bell, Against Measurement37s , Physics World, Volume 3, Number 8 Citation John Bell 1990 Phys. 4a 3 (8) 33.

janeiro 03, 2024

A Pseudo Telepatia Quântica

   

Xu et al 




       O nome infeliz de pseudo telepatia quântica, descreve uma consequência bastante interessante da mecânica quântica, sendo ilustrada em uma situação de um jogo que permite um grupo vencer  sempre, se  utilizarmos a mecânica quântica, mas com regras da física clássica, não seria possível vencer sempre.

   Este jogo é o denominado Jogo do Quadrado Mágico (Quadrado Mágico de Mermin-Peres) , que utiliza um tabuleiro de três linhas e três colunas, tendo dois jogadores, digamos Antônio e Bruna  e um juiz , digamos Xavier. A dinâmica do jogo sendo a seguinte. Inicialmente Xavier escolhe qual linha Antônio  deve preencher e qual coluna Bruna deve preencher. Esta escolha é realizada de forma aleatória, e Antônio não sabe qual coluna Bruna via preencher e nem Bruna sabe qual linha Antônio vai preencher. O preenchimento das linhas e colunas devendo ser feita com o número 1  ou o número -1, com a condição de que o produto dos números da linha de Antônio seja sempre +1 e da coluna de Bruna seja sempre  -1. Isto significa que Antônio pode escolher os seguintes conjuntos (1,1,1), (1,-1,-1), (-1,1,-1), (-1,-1,1) e Bruna um dos conjuntos (1,1,-1), (1,-1,1), (-1,1,1) ,(-1,-1,-1). O jogo é uma disputa entre Antônio e Bruna contra Xavier. 

    E como é decidido o vencedor? Note que sempre vai existir um quadrado que será igual entre a linha escolhida por Antônio e a coluna escolhida por Bruna. Se o dígito neste quadrado for igual para Antônio e Bruna, os dois vencem, caso contrário Xavier vence a partida. Digamos que Xavier envie a informação linha 2 para Antonio e coluna 3 para Bruna. Na figura 1, indicamos a posição da linha e da coluna que devem ser preenchidas, com fundo branco e o quadrado comum em vermelho. É importante ressaltar que Antonio não sabe qual coluna Bruna vai preencher e Bruna  não sabe qual linha Antônio vai preencher.



Figura 1. No lado esquerdo um jogo que Antônio e Bruna são vencedores, no lado direito um jogo que Xavier é o vencedor. O # indica +1 para a escolha de Antônio  e -1 para escolha de Bruna. Lembre da regra do produto para as linhas e para as colunas 

    Digamos que Antônio escolhe os números  (1,1,1) , note que o produto é igual a +1 como exigido. Para preencher a sua linha e Bruna escolhe (1,1,-1) para a sua coluna, notando que o produto dos números é -1, como exigido pela regra. Neste caso Antônio e Bruna vencem, pois a intersecção da segunda  linha com a coluna três, é igual a 1  Mas se a escolha de Bruna fosse (-1,-1,-1)   quem venceria o jogo seria Xavier, porque na intersecção Antônia escolheu +1 e Bruna -1, logo são números diferentes.

    A regra permite que antes de começar o jogo, Antônio e Bruna podem conversar e decidir que estratégia seguir no jogo. Mas uma vez iniciado o jogo, Antônio e Bruna não podem mais trocar informações. Em um jogo normal (obedecendo a física clássica), é possível escolher uma estratégia na qual Antônio e Bruna vencem na maioria das vezes, mas não existe uma estratégia que permite Antônio e Bruna vencerem sempre. 

    Por exemplo, uma estratégia que Antônio e Bruna podem adotar  é preencher previamente a tabela com todas as possíveis combinações que resultem em uma vitória, isto é que o produto dos números da linha do Antônio seja +1 , o produto dos números da coluna de Bruna seja -1 e  o número no quadrado comum para a linha de Antonio e a coluna de Bruna tenham o mesmo número. O problema com esta estratégia é que sempre um dos quadrados estará em conflito. Um exemplo é apresentado na figura 2. Note que podemos trocar as ordens das colunas ou das linhas, de forma que o quadrado em conflito pode estar em qualquer lugar da tabela 3x3. Isto quer dizer que NÃO existe uma estratégia que garanta vitórias em 100% dos casos (é possível mostrar que no máximo é possível obter 8 vitórias em 9 jogos, o que não é muito ruim para Antônio e Bruna).



Figura 2. O quadrado vermelho tem que ser -1 para Antônio e +1 para Bruna.
    
    Isto quer dizer que classicamente, não é possível preencher o todos os quadrado com números +1 e -1 de tal forma que o produto em cada linha seja +1 e o produto em cada coluna seja -1. Desta forma não existe estratégia que permita vencer sempre o jogo.

    No entanto, se Antônio e Bruna utilizarem recursos da Mecânica Quântica,   podem vencer  sempre! Isto é possível produzindo um estado emaranhado de duas partículas, e enviando dois para  Antônio e dois para Bruna.

       Qual o procedimento a ser seguido? Quando Antônio recebe a informação de qual linha deve preencher, ele vai aplicar o operador correspondente da sua linha no seu par de partículas, e Bruna faz a mesma coisa utilizando o operador que estão na coluna informada por Xavier.  Após aplicar o respectivo operador nas seus pares de partículas, Antônio e Bruna realizam medidas no estado obtido, provocando o colapso da função de onda. Cada  um obtém dois números e o terceiro deve ser preenchido de acordo com a regra da paridade (para Antônio o produto tem que ser +1 e para Bruna tem que ser -1).  Por serem estados emaranhados, os resultados de Antônio e de Bruna estarão correlacionados e o quadrado em comum sempre terá o mesmo número! De forma que Antônio e Bruna sempre vencem! [1]


    Na prática, devido a existência de ruídos , o entrelaçamento pode ser perdido. Mas em situações em que seja possível controlar o ruído, o número de vitórias de Antônio e Bruna será sempre maior que o caso clássico. Este fato foi demostrado experimentalmente em 2022. Comparando o resultado clássico máximo de 8/9 (cerca de 88,89%) Xu et all, obtiveram  um percentual de cerca de 93,84% de vitórias para Antônio e Bruna, demonstrando que no caso quântico o percentual de vitórias é maior que o máximo permitido pela física clássica [2].  

    O Quadrado Mágico de Mermin-Perez, é mais do que uma curiosidade. Na verdade, inicialmente foi introduzida para discutir a questão da existência de variáveis escondidas na Mecânica Quântica , com uma extensão do Teorema de Bell. A verificação experimental  obtida por Xu et all, é um forte indício de que a nossa interpretação de que o Universo é realista, isto é, as suas propriedades existem independente de observarmos ou não, como defendia Einstein , Podolsky e Rosen (veja por exemplo em  Teorema de Bell e  Teletransporte Quântico ) não é compatível com a Mecânica Quântica.


Notas e Referências

Aqui nas notas, apresentamos alguns detalhes dos artigos, caso alguém queira mais detalhes. Mas o texto é independente destes detalhes, então para quem desejar, pode ignorar estas notas.

[1] Para quem tiver curiosidade, os operadores unitários são 
Fonte Brassard et all ou sua versão livre em Brassard

Os operadores $A_i$ são utilizados por Antônio e corresponde a linha $i$, e os $B_i$ são os utilizados por Bruna e correspondem a coluna $i$. E o estado inicial sendo 
o primeiro e o terceiro par sendo de Antônio e o segundo e o quarto de Bruna. Aqui o estado 0 representa+1 e  o estado 1 representa -1. No artigo é dado um exemplo de Xavier escolher a linha 2 para Antonio e a coluna 3 para Bruna, logo é calculado
Fonte  Brassard

que pode ser obtido após um longo e tedioso cálculo (só precisa realizar produto de matrizes e depois organizar os resultados).  Neste estado Antônio e Bruna realizam a medida para determinar seus bits clássicos, notemos que existem 8 possíveis resultados. Os dois primeiros quibts correspondem agora a de Antônio e o terceiro e o quarto a Bruna. Por exemplo, ao realizar a medida podemos obter o primeiro estado , no nosso caso seria (+1,+1) para Antônio e (+1,+1) para Bruna. Antônio completaria sua linha com +1 e Bruna com -1. Note que o quadrado comum tem o mesmo valor.Para todos os outros valores, sempre vai obter que o quadrado em comum tem o mesmo valor. Uma outra opção é a primeira lina e a primeira coluna, neste caso obtemos

Escolhendo a primeira linha e a primeira coluna.

 Note no primeiro caso Antonio obtém (+1,+1) e  Bruna (+1,+1) , no segundo caso Antônio obtém (+1,+1) e Bruna (+1,-1) e assim sucessivamente. O mais  importante é que o quadrado em comum sempre são iguais, e o quadrado restantes, cada um preenche com o número adequado para validar a sua paridade, 


[2] No artigo de Xu et al  (para acesso livre  ver em arxiv ) as matrizes o estado inicial são diferentes ao do proposto por Brassard , mas é um resultado que testa experimentalmente com bastante precisão, a validade da ideia da pseudo telepatia quântica. Eles utilizam o estado 
e como operadores 
Fonte Xu et all

Neste caso os operadores em cada linha comutam de dois a dois e o mesmo vale para as colunas. E o produto dos operadores em cada linha é igual ao operador unidade e  o produto dos operadores nas colunas é igual a menos a o operador unidade. Note que no quadrado em comum, Antôno e Bruna utilizam o mesmo operador. Sendo possível mostrar que neste caso temos 


indicando que no quadrado comum, os valores serão iguais.



outubro 06, 2022

Teletransporte Quântico

    O teletransporte quântico é uma das consequências  fascinantes  da física quântica, e  foi um dos temas que motivou o Prêmio Nobel de Física de 2022. Mas  o que seria o teletransporte quântico? Para quem conhece as séries e os filmes de Jornadas nas Estrelas, o nome teletransporte é bem conhecido, imortalizado na frase "Beam me up, Scotty", ou em uma versão livremente traduzida como "Dois para subir, Scotty" . Ao final da qual um objeto é teletransportado de um local a outro.  Mas seria o teletransporte quântico a mesma coisa?

    Vamos pelo começo! Para entender o significado do termo teletransporte quântico, precisamos entender alguns conceitos importantes da física quântica. Uma delas é os chamados estados emaranhados, explicado no texto  Estados Emaranhados Em Mecânica Quântica .  Estes estados foram propostos pela primeira vez, por Erwin Schroedinger, em um artigo que ele apresenta o famoso experimento mental do Gato de Schroedinger (para uma versão traduzida para o inglês, ver  aqui), no qual ele apresenta uma superposição de estados do Gato Morto e Gato Vivo, que existiria até o instante que alguém realizasse uma medida. 

    Einstein, Rosen e Podolsky  publicaram em 1935, um artigo (que pode ser acessado aqui ) onde utilizam a ideia dos estados emaranhados, para propor que a mecânica quântica seria uma teoria incompleta.  Durante muitos anos, não foi possível responder de forma experimental se os argumentos de Einstein, Rosen e Podolsky seriam corretos ou não, de forma que a questão ficou por muitos anos esquecida, ou apenas como uma curiosidade. Mas nos finais dos anos de 1960, um grupo de físicos retomariam o tema e começaram a estudar com mais detalhes este assunto, em especial, os trabalhos de John Bell foram fundamentais para o ressurgimento do interesse sobre o assunto  (sobre  este assunto, uma leitura é o texto A Desiguldade de Bell   que foi publicado no blog).

    Caso não tenha ainda lido sobre o que são os estados emaranhados, vamos fazer uma rápida descrição. Imagine que você tenha dois dados (verde  e vermelho, como na figura 1), e ao jogar os dados , os números são sempre iguais em ambas as faces: se no primeiro dado aparece a face 6, no segundo também será 6 e assim para quaisquer outro número existente no dado: qualquer que seja a face que aparece no dado que foi jogado (digamos o verde) , no dado vermelho  a face resultante será a mesa. Estes dados na linguagem da mecânica quântica estão entrelaçados ou emaranhados. (Esta é uma construção simplificada, mas ajuda a entender o conceito do emaranhamento). 

Figura 1 Dados entrelaçados (adaptado de https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Two_red_dice_01.svg )




    No teletransporte quântico, o que se faz  é preparar um par de dados emaranhados e enviar um dos pares para um local distante, e deixar ele guardado.  Nos experimentos, ao invés de dados, são utilizados por exemplo fótons, que são as partículas da luz. Fazendo a analogia com um dado, o fóton tem apenas "duas faces", isto é, podem resultar em "dois números", como as faces de uma moeda (cara ou coroa ou usualmente representados como  os  estados  0 e 1).  Um outro ingrediente importante para o nosso processo é a possibilidade de construir os estados de superposição, isto é, o um estado no qual o fóton está em uma combinação do estado 0 e do estado 1 (este é o famosos estado do gato de Schroedinger, que na descrição da física quântica está em um estado que é  a mistura (superposição) do gato vivo e o gato morto). 

Figura 2. Autor By Dhatfield - Own work, CC BY-SA 3.0, fonte: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4279886


     O objetivo do teletransporte é fazer com que um fóton que esteja em um local, seja enviado para um outro local distante. Para ilustrar este processo, vamos imaginar dois laboratórios, um cuja responsável é a Ana e um outro  laboratório cujo responsável é a Bruna.  Inicialmente, quando Ana e Bruna estão juntas,  são  produzidos dois fótons que vamos denominar de A e B , e que estão em um estado emaranhado.  O fóton A sendo mantido  no laboratório de Ana e o outro fóton Bruna leva para o seu laboratório  (com cuidado para não romper o entrelaçamento).  Estes dois fótons emaranhados são peças importantes para o processo de teletransporte, e devem ser mantidos com cuidado.

     Algum tempo depois, Ana deseja enviar um fóton  (que vamos chamar de X) para Bruna. Ana não sabe em qual estado está este fóton e sendo conhecedora de mecânica quântica, sabe que  ao realizar a medida no fóton, vai obter resultados probabilísticos e não vai ser possível saber qual o estado do fóton X (que em geral será estará em um estado com a superposição dos estados 0 e 1).  Mas Ana quer que Bruna tenha o mesmo fóton X.   Como fazer para passar as informações do fóton X para Bruna, de forma que o fóton seja exatamente o X?  A resposta é: faça um teletransporte quântico.

    Para poder realizar o teletransporte, Ana deve inicialmente construir um novo estado no qual a informação do fóton X fica emaranhado com o fóton A. Como os fótons A e B estão emaranhados, ao produzir o novo estado do fóton X emaranhado com o fóton A, isto também afeta o fóton B no laboratório  de Bruna, que lembremos está distante.  Agora Ana está pronta para realizar a segunda parte do processo de teletransporte, e   neste estado emaranhado,  mede o estado do fóton A, não a do fóton X. Neste processo de medida Ana vai obter um resultado (neste caso podemos mostrar que existem quatro possibilidades, e isto decorre do fato de termos dois fótons cada um com dois possíveis estados) e este resultado deve ser enviado para Bruna. Este envio é realizado por exemplo, enviando uma mensagem eletrônica, ondas de rádio ou qualquer outro processo usual (dizemos que está enviando uma informação clássica, o que significa que a informação não pode ser transportada mais rapidamente que a luz).

    De posse do resultado enviado pela Ana, Bruna faz um conjunto de medidas em seu fóton B que deixou guardado com cuidado, e que vamos lembrar, foi produzido em um estado emaranhado com o fóton A  de Ana. Ao final deste procedimento, Bruna obtém o mesmo fóton X de Ana, finalizando o processo de teletransporte. Dizemos então que o fóton original X de Ana foi teletransportado para  Bruna. É importante deixar bem claro que NÃO ocorreu nenhum transporte de matéria  de Ana para Bruna, mas o transporte de informações quânticas  (informações sobre o estado do fóton X que foi emaranhado com o fóton A no laboratório de Ana), e que o teletransporte não ocorre com velocidade acima da luz, pois para que o teletransporte seja efetivado, as informações  (informações clássicas) dos procedimentos que Ana realizou em seu laboratório, devem ser enviados para Bruna, e isto sempre é realizado com velocidades menor ou igual ao da luz no vácuo. Somente a partir destas informações enviadas por Ana, é possível a Bruna finalizar o teletransporte 

    O teletransporte pode ser imaginado como o envio de um fax? Isto é um envio de instruções  de como obter o fóton X para a Bruna, que obtém então uma cópia de X? Não, pois quando Ana realiza as medidas em seu fóton A,  o fóton X (que está emaranhado com A) após a medida não  será o mesmo (na verdade no nosso exemplo tem 25% de não ser modificado)! Este fato está ligado ao chamado Problema do Colapso da Função de Onda em mecânica quântica, sendo um tema bastante atual de pesquisa. E na física quântica, podemos mostrar que não podemos fazer cópias de um sistema, isto é expresso pelo chamado Teorema de Não Clonagem. O fóton X foi para todo efeito, teletransportado do laboratório de Ana para o laboratório de Bruna, ou em linguagem menos precisa: deixou de existir no laboratório de Ana e apareceu no laboratório de Bruna. 

    Este processo de teletransporte, apesar de ser muito pouco intuitivo  foram observados em experimentos, com fótons e mesmo com átomos. E sua realização experimental, é sem dúvida alguma um grande trunfo indicando a validade da física quântica.

        Um prêmio Nobel sem dúvida alguma, muito merecido.

   
    

janeiro 31, 2022

O colapso da função de onda

 
    Os sucessos   da mecânica quântica, são um forte indício de que as leis fundamentais na física, sejam quânticas. Das quatro interações fundamentais que conhecemos [1], três delas possuem uma formulação quântica com excelentes comprovações experimentais, e a quarta interação que é a gravitação, ainda aguarda por testes experimentais, mas os indícios que necessitamos de uma teoria de gravitação quântica, são bem convincentes. No entanto, existem questões importantes na mecânica quântica que ainda não sabemos como responder. 
    
    Na mecânica quântica, a resolução da equação de Schroedinger tem  o objetivo  de obter   a função de onda  e a partir dela descrever as propriedades  do sistema em estudo.  Na visão usual (a chamada interpretação de Copenhagen) a função de onda descreve de maneira completa o sistema em estudo,  e a equação de Schroedinger nos permite determinar como a equação de onda evolui com o tempo.   Isto é semelhante ao que é realizado na física clássica, como por exemplo na mecânica clássica. Com a solução da equação de Newton, podemos obter uma equação que descreve a trajetória da partícula, e a partir dela, obter  todas as informações da dinâmica da partícula. Mas estas  semelhanças são superficiais, pois existem diferenças fundamentais [2] entre a mecânica quântica e a mecânica clássica (a física clássica) , e algumas destas diferença   vamos apresentar a seguir, concentrando no chamado colapso da função de onda.

    
    Uma questão importante é  como a partir da função de onda, podemos obter alguma informação sobre o sistema? Na mecânica quântica, para cada grandeza física atribuímos um operador. De forma bem simplificada, um operador  é um conjunto de regras a ser aplicado em um outro objeto, e no caso específico  da mecânica quântica, o operador é aplicado em uma função de onda.  Usando a construção que introduzimos no texto sobre estados emaranhados, podemos representar a ação do operador (que representamos com a letra Z na figura 1) como

Figura 1. Representação de um operador atuando em uma função de onda.


e que devemos entender como "o operador Z atua na função de onda" [3]. E qual o resultado desta ação do operador na função de onda? Obtemos como resultado, o valor da grandeza física representada pelo operador.  No exemplo da figura 1a o resultado da atuação do operador é " a moeda é cara" e  na figura 1b  o resultado é "a moeda é coroa" [4].  Se repetirmos a medida imediatamente após a primeira medida, no caso 1a o resultado vai continuar a ser "moeda  é cara" e no caso 2a , "moeda é coroa". ( É importante reafirmar que no  nosso exemplo "moeda é cara" ou "moeda é coroa", representa um sistema que possui apenas duas possibilidades de resultado, e representa um sistema quântico. É  uma analogia com a  grandeza denominado spin que utilizamos na mecânica quântica. O conceito de spin, algumas vezes é introduzido na disciplina de química no ensino médio, quando estudamos os átomos.)

    Agora vamos considerar o caso de superposição , como a da figura 2.  Lembrando que na mecânica quântica, a função de  onda deve considerar todas as possibilidades que o sistema  pode apresentar. No nosso caso, como temos as duas possibilidades "moeda é cara" e "moeda é coroa", além das duas funções de onda apresentadas na figura 1, devemos ter  uma outra que contemple a possibilidade de ter AMBAS as possibilidades.   Quando  efetuamos a medida (representada pelo operador Z) neste estado de superposição,  temos duas possibilidades de resultados: moeda é cara ou moeda é coroa, cada um com 50% de chances de ocorrer. Esta  é em essência a interpretação probabilística da mecânica quântica.   Mas se repetirmos a  medida ("atuar com o operador Z")  imediatamente depois de uma medida, algo diferente vai ocorrer. Se o resultado  da primeira medida for "moeda é cara" , a medida imediatamente depois resultará com 100% de certeza em "moeda é cara", e se o resultado da primeira medida for "moeda é coroa", a medida imediatamente depois resultará com 100% de certeza em "moeda é coroa".  Aquela incerteza inicial (poderia ser cara ou coroa) agora deixou de existir!  O diagrama da figura 2, ilustra esta situação

Figura 2 Medida inicial no estado de superposição e medida imediatamente depois


    Após a primeira medida no estado com superposição,  obtido um resultado (moeda é cara ou moeda é coroa) as medidas imediatamente depois, mantém o mesmo resultado. Isto é, na segunda medida já não temos a mesma função de onda inicial (a com superposição). Para que isto ocorra, a função de onda inicial foi modificada, já não sendo a função de onda com a superposição inicial de "moeda é cara" e "moeda é coroa" [4].  Dizemos que ocorreu um colapso na função de onda.

    Este colapso da função de onda, é na construção padrão da mecânica quântica, um postulado. Não é algo que decorre por exemplo da utilização da equação de Schroedinger. É um postulado que mostra compatibilidade com os dados experimentais de forma excepcional, mas se pensarmos em termos de fundamentos da mecânica quântica, é uma lacuna ainda a ser preenchida: não sabemos como ou porque ocorre o colapso da função de onda.  
 
    Uma situação que talvez ilustre  a noção do colapso da função de onda de  forma mais interessante, é quando desejamos por exemplo determinar aonde está  a partícula, usando um exemplo  apresentado por Einstein (ver figura 3) no Congresso de Solvay de 1927 [5]. Considere uma partícula descrito pela equação de Schroedinger, e que incide em um anteparo com um pequeno furo. Nesta situação, após o furo (suficientemente pequeno) a função de onda ira se espalhar como uma onda esfericamente simétrica, centrada no furo. Em um local depois do anteparo com o furo, temos uma tela que  serve como detector (no local que a partícula atingir, a tela apresenta um brilho), representado na figura 3 pela lina vermelha. O que será detectado é a presença de um único ponto na tela. Uma vez que um ponto na tela detecte a presença da partícula, nenhum outro ponto na tela pode brilhar (e não ocorre, lembre que estamos tratando de um situação de uma partícula por vez). De acordo com a descrição ortodoxa da mecânica quãntica, o que  ocorre é que uma vez que a partícula é detecada, a função de onda sofre um colapso, isto é, a  função de onda que ANTES da detecção estava em todo espaço, ao ser detectada (medida) se torna localizada em torno do ponto de detecção (representado por um ponto amarelo na figura 3). 



Figura 3 A caixa de Einstein



Na figura 4 apresentamos esquematicamente no eixo horizontal uma posição no detector, e no eixo vertical o valor  do módulo quadrado da função de onda , representado como $| \Psi|^2$. Após sair do furo  como a probabilidade de ser detectado na tela é a mesma para qualquer ponto , temos uma reta horizontal para o módulo quadrado da função de onda (gráfico (a) na figura 4). Após a detecção, que ocorre em um único ponto na tela,  a função de onda (ou melhor, com o módulo quadrado da função de onda) deve ficar concentrada em torno deste ponto (gráfico (b) na figura 4).

Figura 4. Representação do módulo quadrado da função de  onda antes (a) e depois (b) da deteção.

    Einstein ao apresentar esta construção, argumentava que se a função de onda fosse uma descrição completa, era difícil aceitar este processo de colapso, por outro lado se representasse uma coleção de partículas , não haveria este problema, e que neste caso implicaria que a mecânica quântica não seria uma teoria completa (mais tarde em 1935, Einstein , Rosen e Podolsky, publicariam um artigo sobre o tema, e em 1964 J. Bell apresentaria uma proposta de como testar experimentalmente esta hipótese , veja o texto anterior do blog [6]). Atualmente existem resultados experimentais, que demonstram fortemente que a proposta da mecânica quântica não ser uma teoria completa, não se sustenta.  

    Existem diferentes propostas para tentar explicar o que causa o colapso da função de onda,  de forma que não seja um postulado, mas uma consequência do modelo teórico.  Mas devido as dificuldades experimentais, ainda não temos condições de dizer quais destas propostas estão corretas.  Talvez nos próximos anos,  pelo menos algumas propostas possam ser descartadas com dados experimentais mais precisos. Entender o colapso da função de onda, talvez explique também  as razões de não observamos em nosso cotidiano a superposição de estados e os estados emaranhados, típicos de sistemas quânticos. 

 

[1] Alguns dados experimentais, indicam que talvez exista uma outra interação que ainda não conhecemos. Mas por enquanto, ainda são hipóteses a serem testadas com mais rigor.

[2]     No  livro A philoshopical essay on probabilities (1814, em francês), Pierre Simon de Laplace, introduz o que atualmente denominamos "Diabo de Laplace", que seria capaz de determinar com precisão o futuro do Universo (caso tivesse acesso a todas as condições iniciais), expressando uma visão determinista do Universo presente na mecânica Newtoniana. Na mecânica quântica, o Demônio da Laplace não conseguiria fazer esta determinação.

[3]  Caso esteja curioso como seria escrito na forma de equação, seria algo como $ \hat Z \Psi_V$ ou $ \hat Z \Psi_A$, onde $\Psi_V$ seria a função de onda da moeda vermelha e $\Psi_A$ a função de onda da moeda azul (cara) ,  No caso da figura 2, seria algo como $\hat Z  \Psi_A \Phi_V  + \Psi_V  \Phi_A$, onde $\Psi_V,\Psi_A$ corresponde a função de onda da primeira moeda e $\Phi_A, \Phi_V$ corresponde a função de onda da segunda moeda.  

[4] Modificada para que tipo de função de onda? Para o que denominamos autofunção do operador que representa a grandeza física, no caso uma função de onda onde "a moeda é cara"  (figura 1a) ou "a moeda é coroa" (figura 2a).

[5] T. Norsen, Einsten's boxex, Am.J.Phys, 73 (20, 164 (2005), que pode ser acessado livremente em https://arxiv.org/abs/quant-ph/0404016 .