janeiro 31, 2022
O colapso da função de onda
janeiro 24, 2022
Estados emaranhados em mecânica quântica
Figura 1. Em (a) a moeda é cara, em (b) moeda é coroa e em (c) a representação do estado de superposição permitido pela mecânica quântica. |
Figura 2. Representação de duas possibilidades para o caso de duas moedas. |
janeiro 17, 2022
Cristal do tempo
Figura 1 - Todos os pontos em um plano são iguais. |
Figura 2- Uma distribuição irregular |
Figura 3. Um arranjo simétrico |
Figura 4. A distância entre dois átomos não varia se todos os átomos forem deslocados pela mesma distância R. Compare a figura (a) com a figura (b). |
janeiro 10, 2022
O Elevador de Einstein em uma garrafa de água
O elevador de Einstein é uma construção mental extremamente interessante, e de acordo com o próprio Einstein, foi fundamental para o desenvolvimento da Teoria da Relatividade Geral, e nas palavras de Einstein foi "o pensamento mais feliz da minha vida " [1]. Ele imaginou a situação de uma pessoa caindo do telhado de uma casa e sua percepção dos fenômenos físicos durante a queda. Este experimento mental, expressa um fato observacional importante: a de que todos os corpos caem com a mesma aceleração na presença de um campo gravitacional (devemos considerar uma situação onde o atrito com o ar é desprezível, veja o excelente video do Brian Cox [2], comparando a queda de uma bola de boliche e um conjunto de penas, em um ambiente com atrito reduzido com o ar). Sobre o Elevador de Einstein, vamos considerar duas situações, que descrevo a seguir.
Na primeira situação vamos considerar que uma pessoa aqui na superfície da Terra, em um laboratório sem absolutamente nenhuma visão para fora. Para manter uma tradição entre os físicos, vamos chamar esta pessoa de Alice. Em seu laboratório, ela realiza diversos experimentos de física, e em um experimento de queda livre de um corpo, mede a aceleração durante a queda, obtendo o valor igual a $g=9,81 m/s^2$. Alice precisa determinar se esta aceleração é devido a existência de um campo gravitacional ou é devido a estar em um foguete acelerado em relação a um referencial inercial. Mas Alice não consegue decidir fazendo apenas experimentos locais, independente do experimento que realize.
Agora vamos mudar para uma outra pessoa (e para manter a tradição da física, será o Bob) em um laboratório igualmente sem visão para fora, mas localizado distante de qualquer outro objeto, no espaço. Outra condição é que este laboratório esteja acelerado (é um laboratório foguete, e com os motores ligados), com aceleração igual a g. Neste laboratório, Bob executa diversos experimentos de física, e em experimentos de queda livre observa que todos os objetos possuem uma mesma aceleração igual a $g=9,81m/s^2$. Bob, como a Alice, precisa determinar se esta aceleração é devido a existência de um campo gravitacional ou é devido a estar em um foguete acelerado em relação a um referencial inercial. Mas Bob não consegue decidir fazendo apenas experimentos locais, independente do experimento que realize.
Nesta primeira situação, ambos não conseguem concluir se estão na presença de um campo gravitacional ou no espaço distante, em um foguete acelerado. Nenhum experimento local vai poder dizer se é um caso ou outro.
Na segunda situação, o laboratório foguete de Bob, ainda longe de qualquer outro objeto, ficou sem combustível e não está mais acelerado. Nesta situação, o laboratório foguete se comporta como um referencial inercial perfeito: um objeto deixado inicialmente em repouso, continuará em repouso, até que seja aplicado uma força externa. E agora ao soltar um objeto, ele não cai. Será que Bob pode afirmar com certeza que está em um foguete com motores desligados e longe de qualquer objeto que gere um campo gravitacional? Ou Bob deve afirmar que está em queda livre nas proximidades de um corpo massivo?
E Alice? Bem, o laboratório dela, que na verdade está dentro de um poço e preso no teto por cabos de aço, por um infeliz problema, começa a cair do andar que estava (os cabos de aço se romperam). Alice que estava repousando, acorda durante a queda e percebe ao soltar um objeto, que ele não cai em direção ao chão, como acontecia. Ainda sem saber que o laboratório estava em queda livre, ela conclui que está em um ambiente sem gravidade! E os objetos que estão parados, continuam parados em seus locais. Para Alice, ela está em um referencial longe de qualquer outro objeto, em um referencial realmente inercial! (Ela prefere não pensar na situação trágica de seu laboratório estar caindo , pobre Alice)
Nesta segunda situação, tanto Alice como Bob, concluem estar em um referencial inercial. E qualquer experimento local que realizem dentro do laboratório, não poderá dizer se o laboratório está em queda livre em um campo gravitacional (Alice) ou no espaço longe de qualquer outro objeto em um foguete não acelerado (Bob). Nenhum experimento vai poder dizer se é um caso ou o outro. A única coisa que sabem é que localmente, o seu laboratório é um referencial inercial.
Considerando as duas situações apresentadas acima, Einstein considerou importante que ao escrever uma lei da física, ela não deveria depender do sistema de referencias escolhido. As leis devem ser as mesmas em qualquer referencial, seja inercial ou não. Foi a partir desta construção mental, que permitiu a Einstein começar a elaborar a Teoria Geral da Relatividade. Ele procurou uma forma de obter as equações que descrevem os fenômenos físicos, em uma forma que não dependia do tipo de sistema de referências escolhido, seja um referencial inercial ou não. Quem lembra das aulas de física, ao serem apresentados às leis de Newton, o inicio deve ter sido algo como "dado um referencial inercial ...". Isto é, um tipo particular de referencial é escolhido. A Teoria da Relatividade Geral, não começa com uma escolha particular de referencial. Ela é escrita de forma a ser válida em qualquer referencial [3].
Antes de continuarmos, é preciso fazer uma observação importante, de que a equivalência exata entre um referencial acelerado e um referencial fixo em um local com campo gravitacional, só ocorre em uma situação muito particular e artificial: um campo gravitacional homogêneo. Mas o que significa ser homogêneo? Significa que em qualquer ponto que escolhermos, o campo gravitacional deve ser o mesmo, em sentido, direção e módulo (intensidade). No caso da Terra, ou qualquer outro objeto real, isto não ocorre. Mas isto não invalida o experimento mental do elevador de Einstein, pois um termo importante que é utilizado é o termo "experimento local", que significa basicamente "uma região suficientemente pequena" [4]. No exemplo de Alice que está em queda livre, se ela realizar um experimento que compara com muita precisão o campo gravitacional em dois pontos distantes, ela irá notar que existem diferenças e poderá concluir corretamente que está na presença de um campo gravitacional e que ela está em queda livre. Esta ressalva é importante, pois no caso de Alice em queda livre, o campo gravitacional não sumiu, ela é a responsável pela queda livre. O que ela vai medir é que os objetos não tem peso no seu laboratório em queda livre, que é diferente de afirmar que não existe campo gravitacional. Podemos imaginar que uma terceira pessoa (que vamos chamar de Charles), longe de Alice e Bob, e que observa ambos, pode dizer que Alice está na presença de um campo gravitacional, e que Bob não está na presença de um campo gravitacional. Isto porque o campo gravitacional é real, e vai existir independente do tipo de movimento do observador [5]!
Mas qual a relação com uma garrafa com água? A relação é um experimento que pode ser feito facilmente (mas prepare uma toalha!) em casa. Pegue uma garrafa plástica , pode ser de 500 ml, 1 litro ou mais. Faça um pequeno furo na lateral inferior da garrafa. Quando enchemos a garrafa com água, o furo vai fazer com que a água saia da garrafa. Por que ela sai? A coluna da água acima do nível do furo, exerce uma pressão, que vai depender da altura do furo até a superfície livre da água. Na superfície da água, pressão é igual a da pressão atmosférica, que é a mesma do lado de fora do buraco. Mas na parte interna, a pressão é a da pressão atmosférica acrescida da pressão devido à coluna de água, ou seja, ela é maior que a da parte externa. Esta diferença de pressão, faz com que a água saia pelo buraco. (Ah não esqueça de fazer o experimento com a garrafa SEM a tampa, caso contrário, não vai funcionar.)
Agora o ponto importante: a pressão da coluna de água, depende da densidade da água, da distância do buraco até a superfície superior da água e da aceleração da gravidade. Então, se fizermos o experimento em um local que não tenha campo gravitacional, não deve sair água pelo furo. Humm, mas como podemos verificar isso? Será que necessitamos de equipamentos sofisticados para fazer o experimento? Não precisamos de nada sofisticado! Acabamos de comentar sobre uma situação onde um objeto em queda livre, se comporta como se localmente a aceleração da gravidade fosse nula. Então, esperamos que se soltarmos a garrafa em queda livre, no referencial da garrafa, a situação seja semelhante ao caso sem a presença da aceleração da gravidade, logo a água não deve sair pelo buraco. Será? O melhor é experimentar! Faça o experimento em casa, ou veja este vídeo, onde Brian Greene demonstra o experimento [6]. Note que inicialmente com a garrafa parada a água sai pelo furo, e ao soltar a garrafa, logo no início da queda, a água deixa de sair do furo, como esperado! O que está acontecendo? Cada porção da água, está caindo com a mesma aceleração g, assim como o furo na garrafa (e claro a garrafa também), de forma que em relação ao referencial em queda livre, a água e o furo, estão caindo junto! A figura 1, são fotos do experimento que fiz em casa. No lado direito é possível ver a água saindo pelo furo, enquanto a garrafa está parada e no lado direito, a garrafa em queda livre e já não percebemos o jato saindo pelo furo.
Figura 1. O elevador de Einstein em uma garrafa de água. |
Um experimento simples de fazer, e que demonstra um dos princípios fundamentais da física moderna! Este princípio recebe o nome de Princípio da Equivalência. Para os físicos existe o Princípio Fraco da Equivalência e o Princípio Forte da Equivalência. O Princípio Forte estabelece que as leis da física devem ser as mesmas em qualquer referencial, seja inercial ou não. Para quem lembrar das aulas de física na escola, deve lembrar das leis de Newton , válidas em referenciais inerciais. O Princípio forte é uma generalização, incluindo todos os tipos de referenciais. Ah, claro que podemos utilizar as leis de Newton em referenciais não inerciais, mas precisamos tomar alguns cuidados. Utilizamos referenciais não inerciais cotidianamente, pois a Terra não é um referencial inercial (ela translada em torno do Sol e ainda tem a rotação diurna), mas dependendo da situação, a Terra é uma aproximação muito boa de um referencial inercial. O que vai acontecer é que, irão aparecer algumas forças que denominamos inerciais (alguns textos utilizam forças fictícias). Em situações onde as forças inerciais são muito pequenas, elas podem ser desprezadas e a Terra pode ser considerada como um referencial inercial. Um exemplo de força inercial é a força CENTRÍFUGA, que somente aparece em referencias não inerciais. Para uma discussão interessante sobre força centrífuga, recomendo visitar https://cref.if.ufrgs.br/?contact-pergunta=forca-inercial-centrifuga . Aliás, o CREF [7] é um sítio que vale sempre a pena visitar.
O Princípio Fraco da Equivalência, estabelece a igualdade entre a massa inercial e a massa gravitacional. Mas o que seria massa gravitacional??? A massa inercial é aquela que aprendemos nas aulas de física, é a grandeza relacionado com a inércia de um objeto (é comum associar a massa inercial com a medida da quantidade de matéria, mas isto não é muito correto, pois existem situações onde existe algo semelhante a inercia mas não tem matéria!). E a massa gravitacional é uma grandeza física que representa como um objeto responde à presença de um campo gravitacional, e a rigor não é a mesma coisa que a massa inercial. A massa inercial aparece quando escrevemos por exemplo a segunda lei de Newton , onde a força resultante é definida como o produto da massa inercial pela aceleração. A massa gravitacional aparece quando colocamos um objeto em um campo gravitacional. Lembram quando escrevemos a equação do peso, como $ P=mg,$ onde $g$ é a aceleração da gravidade? A massa que aparece na equação é a massa gravitacional e não a massa inercial. Confuso? Se você lembrar das aulas de eletricidade, deve lembrar da lei de Coulomb. Na presença de um campo elétrico $E$, a força que o campo elétrico exerce em um corpo com carga elétrica $q$, é escrita como $ F= q E$. A carga elétrica é a grandeza que nos diz como o objeto reage na presença de um campo elétrico, e de maneira análoga a massa gravitacional é como o objeto reage na presença de um campo gravitacional. Seria algo como a "carga gravitacional". O grande mistério da física é por que a massa inercial é igual à carga gravitacional (ou massa gravitacional). Esta igualdade faz com que a aceleração dos objetos em queda livre, seja sempre a mesma, independente da sua massa inercial!
O Princípio da Equivalência tem sido testado muito, e até o momento não existem resultados robustos que mostrem que o Princípio esteja errado. Existem experimentos ou observações realizados com grandes objetos - como as estrelas e buracos negros, galáxias - ou objetos menores como átomos, nêutrons e mesmo neutrinos e o Princípio da Equivalência tem sido comprovado em todos os experimentos e observações. Experimentos recentes realizados no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), indicaram que a matéria e a anti-matéria (no caso prótons e anti-prótons) se comportam da mesma maneira na presença de um campo gravitacional, com um teste extremamente preciso da validade do Princípio Fraco da Equivalência [8].
Existem alguns trabalhos que teoricamente fazem previsão da violação do Princípio Fraco da Equivalência, mas em situações muito extremas e que ainda não temos condições de fazer experimentos para verificar as previsões. Talvez futuramente, possamos determinar com maior precisão SE existem situações em que o Princípio pode ser violado, e fazer testes experimentais para validar as previsões. Por enquanto, desde escalas cosmológicas até escalas dos núcleos atômicos, o Princípio da Equivalência é comprovado com resultados bem robustos. Podemos continuar a brincar com nossa garrafa com água [9].
Para um texto muito interessante sobre o Princípio da Equivalência, recomendo a leitura do artigo EINSTEIN, A FÍSICA DOS BRINQUEDOS E O PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA [10], vale a pena a leitura!
[1] Volume 7: The Berlin Years: Writings, 1918-1921. Link em https://einsteinpapers.press.princeton.edu/vol7-trans/152
[2] https://www.youtube.com/watch?v=E43-CfukEgs (video Brian Cox)
[3] Einstein comenta sobre a preferência da física newtoniana de escolher um referencial inercial, deixando claro que não podemos considerar como uma falha da física newtoniana, mas argumenta que uma teoria na qual qualquer referencial seja considerado equivalente, seria epistemologicamente mais satisfatória. O resultado foi a Teoria Geral da Relatividade. Ver em [1], o comentário, que é: "It should by no means be claimed that the basically unsubstantiated preference of inertial systems over other coordinate systems constitutes an error of classical mechanics. The preference of certain sates of motion (namely, of inertial systems) in nature could be a final fact that we have to accept without being able to explain it (or reduce it to some cause). However, a theory in which all states of motion of coordinate systems are—in principle—equal has to be appreciated from an epistemological point of view as being far more satisfying. For the following consideration we want to use this equivalence as a basis under the name of "general postulate〉 principle of relativity. "
[4] O termo "pequeno", depende da precisão dos equipamentos de medida que venha a ser utilizado. Mas não vamos nos preocupar com isso no momento.[5] Para quem estiver curioso, a maneira de determinar se é um referencial acelerado ou um campo gravitacional, é medindo o chamado desvio geodésico ou o efeito de maré. Esta grandeza está relacionada com a medida do campo gravitacional em dois pontos separados no espaço. Este efeito de maré NÃO pode ser eliminado em um referencial em queda livre ou qualquer outro referencial, pois está relacionando com a existência da curvatura do espaço-tempo. O desvio geodésico está relacionado com uma grandeza que denominamos tensor de curvatura de Riemann, que fornece as informações sobre a curvatura do espaço-tempo, que é como a gravitação se manifesta de acordo com a Teoria da Relatividade Geral.
[6]https://www.youtube.com/watch?v=0jjFjC30-4A (Entrevista Brian Greene minuto 4:20 )
[7] CREF - Centro de Referência para o Ensino de Física https://cref.if.ufrgs.br/ [8] M.J. Borchet et all, , A 16-parts-per-trillion measurement of the antiproton-to-proton charge-mass ratio, Nature, 601,53-57, 2022. https://www.nature.com/articles/s41586-021-04203-w[9] Existem alguns resultados observacionais que argumentam que são observados violações no Princípio Forte da Equivalência, por exemplo em observações que modelam a dinâmica de galáxias , e que favorecem uma classe de teoria denominada MOND (modelo de gravitação newtoniana modificada), mas são dados que ainda não são considerados consensuais. E também os modelos MOND não são consensuais. Estes modelos são alternativas para a existência da matéria escura, mas diversos dados observacionais em diferentes situações e modelos teóricos robustos, favorecem a existência da matéria escura , de forma que MONDs não parece ser modelos corretos.
[10] A. Mederiros, C.F. de Mederiros, Einstein, a Física dos brinquedos e o Princípio da equivalência, Cad.Bras.Ens.Fis, v22 (3), 2005. https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/6373/5899
janeiro 03, 2022
Buracos Negros tem cabelos?
Buracos negros e cabelos? Buracos Negros talvez seja um daqueles objetos da física que já pertencem ao imaginário de muitas pessoas. Um buraco negro na visão simplificada é a de um objeto que tem uma gravidade tão intensa que nem a luz escapa da sua superfície, e que tudo nas vizinhanças de um buraco negro seriam inexoravelmente capturados, acabando por cair em sua direção. Uma espécie de um super ralo espacial. Esta visão não está completamente errada, mas é bem incompleta e imprecisa. Se por algum motivo, nosso Sol for substituído por um buraco negro com a mesma massa, nosso Sistema Solar não seria mais iluminado, mas os planetas continuariam sua órbita normalmente, não sendo tragados pelo buraco negro. Não teríamos um colapso com todos os planetas caindo em direção ao Sol!
Mas o Sol pode virar um buraco negro? Não, o seu futuro será a de uma estrela denominada anã branca, com raio da ordem de 7 mil km (o raio atual do Sol é um pouco menos que 700 mil km) e extremamente densa ( cerca 1 milhão de vezes mais densa que a água, isto quer dizer que um volume de 1 litro, que para a água corresponde a cerca de 1 kilograma de massa, no caso da anã branca teríamos 1 milhão de kilograma). As anãs brancas são objetos extremamente fascinantes, mas vamos deixar para uma outra ocasião, e retornar para os buracos negros.
O que caracteriza um buraco negro, é basicamente a existência do que denominamos horizonte de eventos. O horizonte de eventos separa o espaço em duas regiões com características bem especiais. Se algo se aproximar de um buraco negro e ultrapassar o horizonte de eventos, não poderá mais retornar para fora, isto é, ficará preso dentro da região limitado pelo horizonte de eventos. E não conseguirá nem ficar parado, de forma que uma vez atravessado o horizonte de eventos, irá continuar a cair na direção do centro do buraco negro, em direção da singularidade central (o ponto onde toda massa da estrela ficará concentrada). E este "algo" que atravessou o horizonte de eventos, pode ser inclusive uma onda eletromagnética, e a luz é uma onda eletromagnética. Assim, uma vez que a luz ultrapasse os limites do horizonte de eventos, não tem como voltar e sair. Nos sabemos calcular qual o raio do horizonte de eventos, e para o caso de um objeto com a massa do Sol, este raio é da ordem de 3km (para o caso sem rotação), e quanto maior a massa do objeto, maior será o raio do horizonte de eventos. Para quem tiver interesse, este raio sendo calculado pela equação
$$ R_S= \frac{2 G M}{c^2} $$
onde $G= 6,67408 \times 10^{-11} m^3 kg^ {-1} s^{-2}$ é a constante da gravitação universal, M a massa do objeto (no caso do Sol $M=1,989 \times 10^{30} kg$) e c a velocidade da luz no vácuo (valor exato de $299792458 m/s$ ou cerca de 300 mil km/s ). O raio $R_S$ nos informa qual o tamanho que uma certa massa deve ser comprimida para formar um buraco negro. No caso do Sol, teríamos que comprimir toda a sua massa em uma região com raio menor que 3 km!
O raio acima recebe o nome de raio de Schwarzchild, em homenagem a Karl Schwarzchild que foi a pessoa que obteve a primeira solução exata da equação de Einstein, da Relatividade Geral. É uma solução que descreve o espaço-tempo de uma distribuição esfericamente simétrica e estática (que não varia no tempo) e foi apresentada no mesmo ano que Einstein publicou a sua teoria (1916). Esta solução descreve um buraco negro estático e esfericamente simétrico. (Na época não se utilizou o termo buraco negro, que somente se tornaria comum nos anos de 1950, possivelmente devido a utilização por John Archibald Wheeler, ver [1] )
Um buraco negro é assim uma previsão das equações de Einstein da Relatividade Geral. Por ser uma equação bem complicada, conhecemos poucas soluções exatas (a que fornece o raio de Schrwarzchild é uma destas soluções) e as mesmas possuem simetrias muito particulares. Isto fez com que durante muito tempo, a existência de um buraco negro fosse colocado em dúvida, pois os objetos reais, não possuem as simetrias exatas como na solução de Schwarzchild (não são perfeitamente esféricos e nem estáticos). Talvez, pensavam os físicos, em situações reais, um buraco negro não seria formado. Isto até basicamente o início dos anos de 1960, era o pensamento dominante. Apesar de que em 1939, Oppenheimer e Snyder, já haviam demonstrado que o colapso de uma estrela, era compatível com a solução de Schwarzchild. Mas, o que se imaginava é que com uma descrição mais realista da matéria em colapso (a equação de estado), o processo seria interrompido antes da formação do horizonte de eventos.
Para termos uma ideia dos períodos de tempos envolvidos no desenvolvimento do conceito do buraco negro, lembremos que Einstein apresentou a Teoria da Relatividade em 1916, e a denominada solução de Schwarzchild foi obtida por Karl Schwarzchild no mesmo ano e até o início dos anos de 1960, era a única solução exata conhecida e aplicável a objetos como estrelas. O buraco negro como hoje a conhecemos, não era considerado uma realidade possível, mesmo sendo uma solução correta da Teoria da Relatividade. E não existiam dados observacionais que necessitassem a utilização de uma solução como a de Schwarzchild.
Mas a situação começa a mudar lentamente, e os anos de 1960 são considerado como a época de ouro do estudo de buracos negros. Os importantes estudos de Roger Penrose e Stephern Hawking sobre os buracos negros, foram realizados neste período. Pelo conjunto destes trabalhos, Penrose recebeu em 2020 o prêmio Nobel de Física "pela descoberta de que a formação de buracos negros é uma previsão robusta da teoria geral da relatividade", dividindo o prêmio com Reinhard Genzel and Andrea Ghez, que receberam pela descoberta de um buraco negro supermassivo no centro da Via Láctea. (Talvez Hawking também receberia o prêmio, mas infelizmente ele faleceu em 2018). Mas outros trabalhos também foram importantes. Em 1963, o físico Roy Kerr obtém a chamada solução de Kerr, que considera o caso de um objeto em rotação, e esta solução também apresentam um horizonte de eventos (e outras propriedades que a solução de Schwarzchild não possui) e alguns físicos iniciaram estudos mais detalhados com o que ocorreria com soluções que não tivessem a mesma simetria da solução de Schwarzchild ou de Kerr. A conclusão foi a de que independente das condições iniciais , a evolução final tendia sempre para a solução de Schwarzchild ou de Kerr, isto é, a solução que descreve um buraco negro [1].
No final, os únicos parâmetros importantes são a massa, a carga elétrica e o momento angular (que está associada com a rotação do corpo), e nenhuma outra informação é necessária para descrever o buraco negro formado. Não importava a constituição do objeto, poderia ser por exemplo um objeto composto apenas de átomos de hidrogênio e outro apenas de carbono. Ao virarem um buraco negro, não haveria como dizer qual teve origem no objeto composto apenas de hidrogênio e o outro apenas de carbono ,ou qualquer outra composição, por exemplo um buraco negro formado pelo colapso de uma massa de matéria e outra de antimatéria. ! Esta situação, que não permitia determinar que objeto formou o buraco negro, foi expressa de maneira sintética alguns anos depois na frase "buracos negros não tem cabelos".
Para complementar este período de ouro no estudo de buracos negros, nos anos de 1970, o primeiro objeto astronômico observado foi associado a um buraco negro, o objeto Cygnus X-1, que pertence a um sistema binário, sendo detectado pela primeira vez como uma fonte de raio X. Assim, os buracos negros deixavam de ser uma especulação teórica, para se tornar um objeto de existência real.
Mas as surpresas e descobertas com os buracos negros, não estava no fim. Um passo importante foi o estudo de que buracos negros em rotação, poderiam produzir partículas, com trabalhos importantes de um grupo de físicos da então URSS, em especial o grupo liderado por Yakov Borishovich Zeldovich. Mas a grande surpresa é que, buracos negros sem rotação também poderiam produzir partículas, um resultado que foi obtido em 1974 por S. Hawking e estes estudos levaram a proposta da chamada termodinâmica de buracos negros, com trabalhos importantes do físico Jacob Bekenstein. Os trabalhos desta área de termodinâmica de buracos negros, tem como um dos principais resultados o processo de evaporação de buracos negros, e associação da entropia com a superfície da horizonte de eventos, e consequentemente a associação de uma temperatura para o buraco negro. E o mais importante, deu um importante impulso no estudo de fenômenos quânticos em espaços curvos. Um dos resultados mais surpreendentes,é que quando quando consideramos fenômenos quânticos , um buraco negro pode evaporar, isto é, deixar de existir. Este processo de evaporação, ocorre com a emissão do que denominamos radiação Hawking. Mas ela só é relevante para buracos negros com massas muito pequenas, muito menores que as massas de estrelas que podem formar buracos negros.
Os buracos negros, hoje já deixaram de ser objetos apenas teóricos, podendo ser detectados com frequência. Existem estimativas de que na nossa galaxia, existam entre dezenas de milhões até cerca de bilhões de buracos negros! Entre as observações de buracos negros, talvez uma das mais espetaculares, tenha sido a da emissão de ondas gravitacionais em 2016, que detectou a colisão de um par de buracos negros. Desde desta primeira detecção, tem sido observados mais eventos comprovando a existência de buracos negros. Os dados obtidos pelos detectores de ondas gravitacionais, são compatíveis com a conjectura de que buracos negros não tem cabelos. Aqui vale um comentário importante, quando dizemos que observamos buracos negros, na verdade estamos observado os efeitos da sua presença, pois o buraco negro propriamente dito não pode ser observado: ele não emite radiação, pelo menos os com massas típicas de estrelas ou maiores. No caso da colisão de buracos negros, o que observamos é a emissão de ondas gravitacionais durante o processo de colisão. E dependendo dos objetos envolvidos, as ondas gravitacionais tem características específicas. E estas características que nos permite afirmar que são buracos negros e não outros objetos.