Quando estudamos alguns artigos de mecânia quântica, alguns termos aparecem com certa frequência e possivelmente são novidades para muitos estudantes de física. Por exemplos o termo realismo não aparece nos cursos de graduação e talvez nem em cursos de pós-graduação em física, exceto em disciplinas muito específicas. Mas o que significa, em especial quando aparecer associado como "realismo quântico" ou "realidade física"?
No caso específico da mecânica quântica, talvez o artigo mais conhecido que traz a questão do realismo a tona, foi o artigo "Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality Be Considered Complete?" em 1935, da autoria de A. Einstein, B. Podolsky e N. Rose [1]. Neste artigo os autores escrevem que "Em uma teoria completa existe um elemento correspondente para cada elemento da realidade" e que "cada elemento da realidade física deve possuir uma contrapartida na teoria física" e apresentam uma versão simplificada do seu significado (uma definição "suficiente" de acordo com os autores)
"(...) Uma definição da realizadade é entretanto desnecessária para os nossos propósitos, e ficamos satisfeitos com o seguinte critério, que consideramos razoável. Se, sem perturbar de forma alguma um sistema, podemos prever com certeza o valor de uma grandeza física, então existe um elemento de realidade física correspondente a essa grandeza física."
No livro Conceptual Foundations Of Quantum Mechanics de Bernadrd D 'Espagnat [2] , no capítulo sobre Realidade e Objetos, o autor apresenta três pressupostos para a elaboração do conceito de realismo:
Pressuposto 1. Faz sentido definir a realidade como tudo o que existe.
Pressuposto 2. Embora estejamos inseridos na realidade, a realidade é independente de nós no sentido de que existia antes do advento da vida e da consciência e que existiria mesmo que nenhum ser humano existisse.
Pressuposto 3. Algumas características da realidade são acessíveis ao nosso conhecimento.
Desta forma o termo realismo de uma forma simplificada estabelece que existe uma realidade independente de um observador humano, e algumas das características desta realidade são possíveis de serem determinadas [3]. Parece ser uma construção bem intuitiva e compatível com o que esperamos na natureza, afinal quando um cientista realiza algum experimento, a ideia que temos é que o experimento revela uma propriedade (ou o valor desta propriedade ) que já exisitia previamente no sistema.
Mas resultados experimentais obtidos nos últimos anos indicam que assumir a existência de valores prévios, resulta em contradições com as previsões da mecânica quântica (ver por exemplo A defigualdade de Bell ou no CREF ).
Isto implica que a natureza é não realista? Que os objetos físicos não possuem valores definidos? Para responder esta questão de forma precisa, ainda não sabemos. No entanto vale a pena reproduzir um trecho de uma entrevista de John Bell, na qual foi perguntado se [4]
sentia que havia demonstrado que "a realidade não existe". Ele respondeu nos avisando que é um tipo impaciente e irascível que não tolera nenhuma bobagem.
Max Born em 1953 [5], afirma que é sempre bom "lembrar que a palavra realidade faz parte do nosso cotidiano linguagem e, portanto, seu significado é ambíguo como o da maioria das palavras." de forma que para algumas situações (em particular para aplicações em física) é importante deixar claro qual a definição que está sendo utilizada. Na maioria dos trabalhos em física, possivelmente o termo é bem próximo do apresentado por D'Espagnat no texto destacado anteriormente.
Assim talvez o que expressa Tim Maudlin em seu livro Philosophy of Physics - Quantum Theory [6] sobre o tema
(...) uma teoria física não é nem realista nem anti-realista. (...) é a atitude individual em relação a teoria física que é realista ou antirealista. (...) se eu pudesse escolher, (os termos) "realistas" e "antirrealistas" seriam banidos dessas discussões fundamentais (sobre mecânica quântica).
seja algo a ser considerado.
Notas
[1] A. Einstein, B. Podolsk and N. Rosen. Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality Be Considered Complete?, Phys. Rev.47(10),777-780, (1935) acesso livre em https://link.aps.org/doi/10.1103/PhysRev.47.777
[4]We first asked Bell over the telephone whether he himself felt he had demonstrated that "reality doesn't exit". He responded by warning us that he is an impatiente irascible sort who tolerates no nonsense. https://cds.cern.ch/record/715366/files/PRESSCUT-1988-023.pdf
[5] Born, Max (1953). Physical reality. Philosophical Quarterly 3 (11):139-149. https://doi.org/10.2307/2216882
[6] T. Maudlim, Philosophy of Physics, Quantum Theory,Princeton University Press, 2019.
%%%%%%%%%%