maio 13, 2025

Mecanica Quântica e Realismo

    Quando estudamos alguns artigos de mecânia quântica, alguns termos  aparecem com certa frequência e possivelmente são novidades para muitos estudantes de física. Por exemplos o termo realismo não aparece nos cursos de graduação e talvez nem em cursos de pós-graduação em física, exceto em disciplinas muito específicas.   Mas o que significa, em especial quando aparecer associado como  "realismo quântico" ou "realidade física"?

    No caso específico da mecânica quântica, talvez o artigo mais conhecido que traz a questão do realismo a tona, foi o artigo  "Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality Be Considered Complete?" em  1935,  da autoria de A. Einstein, B. Podolsky e N. Rose  [1]. Neste artigo os autores escrevem que  "Em uma teoria completa existe um elemento correspondente para cada elemento da realidade"  e que "cada elemento da realidade física deve possuir uma  contrapartida na teoria física" e apresentam uma versão simplificada do seu significado (uma definição "suficiente" de acordo com os autores)

"(...) Uma definição da realizadade é entretanto desnecessária para os nossos propósitos, e ficamos satisfeitos com o seguinte critério, que consideramos razoável. Se, sem perturbar de forma alguma um sistema, podemos prever com certeza o valor de uma grandeza física, então existe um elemento de realidade física correspondente a essa grandeza física."

    No livro  Conceptual Foundations Of Quantum Mechanics de Bernadrd D 'Espagnat [2] ,  no capítulo sobre Realidade e  Objetos, o autor apresenta três pressupostos para a elaboração do conceito de realismo:

Pressuposto 1. Faz sentido definir a realidade como tudo o que existe. 

Pressuposto 2. Embora estejamos inseridos na realidade, a realidade é independente de nós no sentido de que existia antes do advento da vida e da consciência e que existiria mesmo que nenhum ser humano existisse.

Pressuposto 3. Algumas características da realidade são acessíveis ao nosso conhecimento.

    Desta forma o termo realismo de uma forma simplificada estabelece   que existe uma realidade independente de um observador humano, e algumas das características desta realidade são possíveis de serem determinadas [3]. Parece ser uma construção bem intuitiva e compatível com o que esperamos na natureza, afinal quando um cientista realiza algum experimento, a ideia que temos é  que o experimento  revela uma propriedade (ou o valor desta propriedade ) que já exisitia previamente no sistema. 

    Mas  resultados experimentais obtidos nos últimos anos indicam que assumir a existência de valores prévios, resulta em contradições com as previsões da mecânica quântica (ver por exemplo A defigualdade de Bell ou no CREF ).

    Isto implica que a natureza é não realista? Que os objetos físicos não possuem valores definidos? Para responder esta questão de forma precisa, ainda não sabemos. No entanto vale a pena reproduzir um trecho de  uma entrevista de John Bell,  na qual foi perguntado se  [4]

 sentia que havia demonstrado que "a realidade não existe". Ele respondeu nos avisando que é um tipo impaciente e irascível que não tolera nenhuma bobagem.

    Max Born em 1953 [5], afirma que é sempre bom  "lembrar que a palavra realidade faz parte do nosso cotidiano linguagem e, portanto, seu significado é ambíguo como o da maioria das palavras." de forma que para algumas situações (em particular para aplicações em física) é importante deixar claro qual a definição que está sendo utilizada.  Na maioria dos trabalhos em física, possivelmente o termo é bem próximo do apresentado por D'Espagnat no texto destacado anteriormente.

    Assim talvez o que expressa Tim Maudlin em seu livro Philosophy of Physics - Quantum Theory [6]  sobre o tema

(...) uma teoria física não é nem realista nem anti-realista. (...) é a atitude individual em relação a teoria física que é realista ou antirealista. (...) se eu pudesse escolher,  (os termos) "realistas" e "antirrealistas" seriam banidos dessas discussões fundamentais (sobre mecânica quântica).

seja algo a ser considerado.

Notas


[1] A. Einstein, B. Podolsk  and N. Rosen. Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality Be Considered Complete?, Phys. Rev.47(10),777-780, (1935)  acesso livre em  https://link.aps.org/doi/10.1103/PhysRev.47.777

[2]   B. D' Espagnat Conceptual Foundations Of Quantum Mechanics, CRC Press; 2nd edition (1999) .

[3] Existem diversos maneiras de definir realismo, para quem estiver interessado ver por exemplo B. D' Espagnat Physics and Philosophy   ,  Princeton University Press; 1st Ed edition (2006). 

[4]We first asked Bell over the telephone whether he himself felt he had demonstrated that "reality doesn't exit". He responded by warning us that he is an impatiente irascible sort who tolerates no nonsense. https://cds.cern.ch/record/715366/files/PRESSCUT-1988-023.pdf

[5]  Born, Max (1953). Physical reality. Philosophical Quarterly 3 (11):139-149. https://doi.org/10.2307/2216882

[6]  T. Maudlim, Philosophy of Physics, Quantum Theory,Princeton University Press, 2019.


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Teorema Greenberg-Horner-Zeilinger e a realidade física

     Em 1935 A.Einstein, B. Podolsky e N. Rosen publicaram um artigo  (atualmente conhecido como artigo EPR ou paradoxo EPR ) [1] no qualw consideravam que a mecânica quântica poderia ser uma teoria incompleta. Apesar de N.Bohr ter publicado um artigo refutando a proposta, devido a dificuldade de realizar  experimentos para comprovar ou não a idéia do artigo EPR, o tema ficou relegado por muitos anos. 

    Mas em 1964, John Bell publicou um artigo mostrando a possibilidade real de realização de um teste experimental sobre o paradoxo EPR (ver o texto A desigualdade de Bell ), construindo uma desigualdade que todo sistema que satisafaz os critérios estabelecidos no artigo  EPR deve satisfazer: a da localidade e existẽncia de  elementos de realidade física (sobre o termo realidade física, ver Mecânica Quântica e Realismo ). É importante ressaltar que a desigualdade de Bell (e suas variantes) tem sido testada em diversas situações, mostrando que a mecânica quântica viola a desigualdade.

    Mas existe uma construção que discorda da situaçao clássica de forma mais dramática do que as desiguldades de Bell, e foi proposto no artigo Going Beyond Bell's Theorem de DM Greenberger, MA Horne e A Zeilinger em 1989 [2]. No artigo os autores analisarm uma situação de um estado emaranhado de quatro partículas e concluem que "não há maneira de formar uma teoria local clássica e determinística que reproduza teoria quântica em geral" . Este resultado atualmente é conhecido como o Teorema GHZ.

    Para apresentar a proposta do Teorema GHZ, vamos utilizar um exemplo mais simples do que utilizar quatro partículas. Este exemplo foi apresentado por D. Mermin em 1990 [3] em um trabalho que considerou um estado emaranhado de três partículas, cada um com spin 1/2. Nesta situação  o resultado de uma medida em uma direção qualquer em cada partícula será +1 ou -1.  Após a produção do estado emaranhado, cada partícula é  enviada para uma estação de medida e cada estação pode realizar medidas em duas direções, que vamos representar por 1 e 2.  Na figura 1, temos uma ilustração do dispositivo apresentado por Mermin.

Figura 1. A proposta apresentada por Mermi em 1990. Fonte [3]

    No centro existe a fonte do estado emaranhado, que envia cada partícula para um detector, representado pelas letras A,B,C e em cada detector é escolhido uma direção , representado pelos números 1 e 2. Em cada detector existe uma luz indicando o resultado da medida +1 ou -1 (no artigo Mermin representa pela letra R e G , de Red e Green). A figura indica que o detector A e B são regulados para realizar medidas na direção 2 e o detector C na direção 1. No artigo, Mermin analisa a situação na qual apenas um dos detectores está regulado para fazer medidas na direção 1, outros dois estando na direção 2.

    Nestas situações é possível mostrar [4] que se o detector A estiver no sentido 1, B e C  no sentido 2 o  resultado do produto das três medidas deve ser igual a -1.  Se os três forem -1 o resultado final será -1, se dois forem +1 o terceiro deve ser -1, e somente nestas situações o resultado do produto será igual a -1. Isto implica que  apenas um número impar de resultados  (apenas um ou todos os três) das medidas pode ser -1  pois caso contrário o resultado  será +1.

    Agora se os três detectores forem escolhidos para medir a mesma direção (por exemplo a direção 1), o produto das medidas dos três detectores será igual a +1. Este é um resultado que pode ser obtido diretamente com a utilização do formalismo da Mecânica Quântica (na nota [5] indicamos como obter na mecânica quântica os resultados acima). 

    Este resultado é similar ao que acontece no paradoxo EPR: se conhecermos o resultado de duas medidas, a terceira é determinada de forma inequívoca.

    E classicamente, seria possível? Ou melhor, em uma teoria não probabilistica, seria possível? Nesta situação devemos considerar que os valores +1 ou -1 já são pré-determinados desde o início, e que as medidas apenas revelariam estes valores, não sendo um caso probabilístico (ou um resultado da medida).

      Utilizando a seguinte notação ,  $A_1$ representa o valor do spin da partícula $A$ na direção 1, $A_2$ o valor do spin da partícula $A$ na direção 2, e analogamente para $B_1, B_2, C_1, C_2$, podemos apresentar na forma de equações  os resultdados das medidas, sendo que para os casos com apenas um detector na direção 1, temos três possibilidades

$$ A_1 B_2 C_2=-1    $$ 

$$  A_2  B_1 C_2=-1$$ 

$$ A_2 B_2 C_1=-1 $$ 

    É importante lembrar que apesar da semelhança das equações acima com os da mecânica quântica (ver [4]), os termos  $A_1, A_2$, $B_1, B_2$,$ C_1, C_2$  não são operadores, mas valores que existem antes da realização das medidas nos detectores, com seus valores podendo ser +1 ou -1, e sendo definido na produção do estado emaranhado (é assumido a existência de uma realidade física, no sentido proposto no artigo EPR).

    E no caso dos três detectores na mesma direção (digamos 1)

$$  A_1 B_1 C_1=1 .$$ 

    Esta última equação indica que ou os três valores são positivos ou um é positivo e dois são negativos. Vamos analisar com cuidado o caso com três valores positivos, neste caso as três primeiras equações podem ser escritas como  (basta eliminar $A_1,B_1,C_1$ das equações , lembremos que agora são grandezas clássicas)

$$ B_2 C_2=-1    $$

  $$  A_2  C_2=-1$$ 

$$ A_2 B_2=-1 $$ 

    Assim os sinais de cada par em cada equação, devem ser opostos. Mas isto resulta em uma contradição! Por exemplo se escolhermos $B_2=+1$ então devemos ter $C_2=-1$ , isto implica que a segunda equação deve ser $A_2=+1$. Mas se $A_2,B_2$ são positivos, a terceira equação não é válida! (Um bom exercício é analisar o que ocorre se apenas um valor em $  A_1 B_1 C_1=1$ for positivo, e mostrar que  a contradição ainda estará presente).  Resumindo, a física clássica em um experimento como o proposto no Teorema GHZ produz um paradox de que 1=-1.

    Isto implica que o sistema utilizado no Teorema GHZ não pode possuir valores definidos, como é assumido pela física clássica, ou seja reforça a característica não local da mecânica quântica e contraria a idéia da existência de uma realidade física  defendida no artigo EPR, sendo também   um resultado mais forte  do que a desigualdade de Bell. 

    

Notas

Phys. Rev.,47 (10) ,777--780, (1935). https://link.aps.org/doi/10.1103/PhysRev.47.777

[2] D.M. Greenberger, MA. Horne, A. Zellinger :  Going Beyond Bell's Theorem'Bell's Theorem, em  Quantum Theory, and Conceptions of the Universe', M. Kafatos (Ed.), Kluwer, Dordrecht, 69-72 (1989) , acesso livre em  arxiv , 200

[3] N. David Mermin.  Quantum mysteries revisited , Am. J. Phys. 58, 731–734 (1990). 
https://doi.org/10.1119/1.16503

[4] Mermin considera o estado  (ao longo do eixo z)
$$ | \Psi \rangle = \frac{1}{\sqrt{2}} \left[ |111> - |000\rangle \right]$$ 
(no artigo é utilizado $ |-1,-1,-1> $ ao invés de $|000>$ ) 

[5] Caso esteja interessado na notação padrão da mecânica quântica, as equações são obtids utilizando os operadores de Pauli para cada partícula (usamos a notação $ \sigma^a_i$ sendo $a=A,B,C$ para indicar o detector e $i=1,2$ para indicar a direção), e neste caso as 4 equações são:

$$ \sigma^A_1 \sigma^B_2 \sigma^C_2  | \Psi \rangle =-1  |\Psi \rangle $$

$$  \sigma^A_2 \sigma^B_1 \sigma^C_2  |\Psi \rangle =-1  |\Psi \rangle $$

$$ \sigma^A_2 \sigma^B_2 \sigma^C_1  |\Psi \rangle =-1 |\Psi \rangle $$

$$ \sigma^A_1 \sigma^B_1 \sigma^C_1  | \Psi \rangle=+1 | \Psi \rangle $$

Notando que em cada equação, os operadores comutam .