O carro elétrico tem se tornado cada vez mais uma opção competitiva, em relação aos carros de combustão interna. Existem vários motivos para este crescimento no interesse e oferta destes veículos. Mas um tema que sempre chama a atenção é sobre o seu consumo/autonomia, comparado com os automóveis de combustão interna. Um dado interessante é que no início do século XX, os carros elétricos circulavam em alguns países, de forma que não é uma novidade deste século (ver por exemplo no link ).
Como podemos comparar o consumo de um carro elétrico com um carro de combustão interna?
Um item importante é como a mesma quantidade de energia é convertida em energia mecânica. No caso de um carro com combustão interna, a eficiência é cerca de 30% e de um carro elétrico, cerca de 85%, de forma que um carro elétrico utiliza de forma mais eficiente a energia inicial. De forma que em relação a eficiência, o carro elétrico é melhor que o carro de combustão interna.
Na figura 1, apresentamos os diferentes fatores que consomem a energia em um carro elétrico. Notemos que comparado com o carro de combustão interna, o percentual perdido devido ao atrito de rolamento e o arrasto é maior no carro elétrico, como consequência da maior eficiência do motor elétrico.
A densidade de energia da gasolina é cerca de 32 MJ/ L e de uma bateria usual é inferior a 1MJ/ kg (dependendo da bateria, este valor é bem menor, mas nos casos de baterias de lítio que são utilizados em carros elétricos, o valor é bem próximo de 1 MJ/kg). Para realizarmos uma comparação, precisamos transformar na mesma unidade. Como 1 litro de gasolina tem massa cerca de 0,750 kg, temos que 32 MJ/L é cerca de 42 MJ/kg o que torna aparentemente a utilização de uma bateria não muito adequada para um carro. Mesmo considerando as eficiências em cada caso, no caso da gasolina cerca de 30% e no caso do carro elétrico cerca de 80%, ou seja cerca de 13MJ/kg para a gasolina e 0,8 MJ/kg para um carro movido a bateria. Será que um carro elétrico então não é vantajoso do ponto de vista de custos? Será que a grande (e importante) vantagem seria a redução na emissão de poluentes? Vamos analisar com um pouco mais detalhes, lembrando que apesar da densidade de energia ser um parâmetro importante, existem outras condições que precisamos considerar.
Vamos inicialmente comparar os desempenhos dos carros protótipos vencedores da Shell Marathon 2023 no Brasl
Na categoria de combustão interna a equipe vencedora foi Drop Team do IFRS Erechim, com o melhor resultado de 715.7 km/l
Na categoria de carro elétrico a equipe vencedora foi ARMAC Milhagem da UFMG, com o melhor resultado de 367.37 km/kWh
Mas como podemos comparar estes resultados? As unidades são diferentes, uma está em quilômetros por litro e a outra em quilômetros por kilowatts-hora.
No caso de um carro de combustão interna, o consumo é dado por quilômetro por litro e do carro elétrico em quilômetro por kilowatt-hora . Então para efetuarmos alguma comparação, precisamos inicialmente converter km por litro para km por kWh (ou o inverso). A primeira conversão é de joule para kWh. Lembrando que 1W corresponde a 1J/s, temos que 1 Wh= 1 (J/s) 3600 s pois uma hora possui 3600 s, assim obtemos a relação 1kWh= 3,6 M J. Como 1 litro de gasolina corresponde a 32 MJ de energia, obtermos a relação
$ \frac{km}{L}=\frac{km}{32 MJ}= \frac{3,6}{32}\frac{km}{ kWh}$
esta relação nos permite transformar o consumo de um carro de combustão interna que costuma ser expresso em quilômetro por litro para quilômetro por kilowatt-hora.
Assim, no caso dos vencedores da Shell Marathon 2023 no Brasil temos no caso do protótipo de combustão interna cerca de 81 km/KWh que é bem menor que o obtido pelo carro elétrico, que foi 367.37 km/kWh. O protótipo elétrico teve um desempenho cerca de 4,5 vezes melhor que o protótipo de combustão interna.
Para carros comerciais no Brasil, podemos comparar os resultados obtidos pelo INMETRO no Programa de Brasileiro de Etiquetagem Veicular. Na tabela do INMETRO, podemos obter a informação sobre o consumo de energia por quilômetro em MJ/km [1]. Para carros de combustão interna os valores são maiores do que os carros elétricos, lembrando que agora estamos considerando quanto de energia é utilizado por quilômetro, que é o inverso do que foi apresentado no parágrafo anterior, além de utilizar como unidade de energia o joule e não kwh. Na tabela do INMETRO, para carros classificados como compactos o valor de consumo de energia varia entre 0,58 MJ/km e 0,59 MJ/km (somente dois veículos) e no caso de carros com combustão interna de 1,57 MJ/km até 1,99 MJ/km (mais de 40 veículos). O desempenho neste caso na melhor situação foi 2,7 vezes maior do carro elétrico do que o carro de combustão interna. E para carros médio variou de 1,09 MJ/km até 2,29 MJ/km para combustão interna e 0,42 MJ/km até 0,66 MJ/km para carros elétricos, e o despenho na melhor situação foi cerca de 1,66 vezes melhor do carro elétrico para o de combustão interna. No Brasil, o INMETRO utiliza para o cálculo do consumo de combustível a NBR 7024 a qual "estabelece o método para a medição do consumo de combustível de veículos rodoviários automotores leves com motores de combustão interna, por meio de ciclos de condução " (ver em NBR 7024 ) que sejam próximas de uma situação de condução típica, tanto da área urbana como na estrada. Esta norma é baseada em uma norma americana. Existe uma outra norma a WLTP - Worldwide Harmonised Light Vehicle Test Procedure ou Procedimento Mundial Padronizado de Teste de Veículos Leves, ver por exemplo O automóvel BMW i3 elétrico viola as leis da Termodinâmica? publicado no CREF. Os valores de consumo obtidos são diferentes, de forma que precisamos ter cuidado ao comparar apenas os valores nominais de uma norma com a outra, no caso dos dados do INMETRO, os valores são menores que os da WLTP .
Desta forma, os carros elétricos possuem do ponto de vista de consumo de energia, uma maior eficiência de gasto de energia por quilômetro em comparação com os veículos de combustão interna. Outros fatores também tornam o carro elétrico mais vantajoso, como o menor ruído, além do citado inicialmente da redução na emissão de poluentes, a utilização de processos regenerativos de energia o que torna o consumo de eletricidade melhor em situações de trânsito urbano). E a autonomia (distância percorrida com uma única carga das baterias) dos carros elétricos tem aumentado de forma consistente, e com a expansão na sua utilização , pontos de recarga devem se tornar mais comuns. A massa elevada das baterias, pode a princípio ser uma grande desvantagem, mas como o conjunto das baterias fica na parte inferior do carro, isto ajuda a melhorar a estabilidade do veículo.
Existem questões relacionados com o custo das baterias e seu tempo de uso, além das questões relacionadas com a reciclagem e descarte das mesmas (ver por exemplo neste texto da Science). Outra questão que deve ser analisado com cuidado, é a chamada well to wheel efficiency, que de maneira simplificada, estuda todo ciclo da produção de energia até a sua utilização pelo carro, considerando principalmente a emissão de gases que contribuem para o efeito estufa. Dependendo da matriz energética, a eficiência pode variar bastante. No caso do Brasil, com uma matriz fortemente baseada em hidrelétricas, a emissão de gases que contribuem com o efeito estufa é negligenciável, mas para países que possuem uma matriz baseada em carvão, a emissão pode ser muito alta. Uma outra questão importante é que em condições com temperaturas muito baixa ou muito alta, as baterias apresentam problemas. No caso do Brasil, não teríamos problemas com as baixas temperaturas, mas podemos ter com as altas temperaturas.
Notas
[1] Preste atenção que anteriormente utilizamos km/kWh que corresponde a distância/energia e na tabela da INMETRO é utilizado MJ/km , que corresponde a energia/distância , e a unidade de energia utilizada pelo INMETRO é joule. Utilizando a relação 1kWh = 3,6 MJ, o protótipo de combustão interna do IFRS , corresponde a cerca de 0,044 MJ/km e protótipo da UFMG a cerca de 0,01 MJ/km.
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